Os 9 passos que retardam o desenvolvimento da Literatura Angolana na contemporaneidade
Cresci a ouvir que os antepassados nunca se calam, nunca morrem; apenas adormecem na memória cultural de cada povo. A nossa tradição cultural e literária, em particular, há muito que tem sabido conservar nas paredes do seu âmago as marcas da sublimidade da nossa civilização pintadas por mãos que partiram a taça do insensato para lograr à posteridade um trago do cálice do que do nosso solo já se fez de mais bonito.
Por isso, sempre que tomo um pouco da porção da escrita, procuro deixar cair umas gotas da minha caneca, em homenagem àqueles que morreram de seca, na mata do Mayombe, na chana do Leste, onde todos os dias chovia sangue, para que hoje nos pudéssemos gabar do azul das nossas veias. Pois, eu sei que mesmo que cantemos as mais vivas canções da nossa alma, não são nossas as canções; são cantigas que nascem do ventre da terra. Mesmo que levemos lanternas, nunca seremos a luz… Tem luz aquele que de uma faísca forja o farol da sua liberdade e dos seus.
Então, concluo: “os antepassados nada nos devem!” Souberam desempenhar o seu papel, escreveram o que tinham de escrever, deixaram os seus escritos como códigos de luta por uma Angola Literária fundada no imaginário cultural do seu povo.
Ora, o reconhecimento do peso irrefutável da memória da tradição literária tão bem celebrada durante décadas não me impede de, portanto, aviltar a necessidade de, nos dias que correm, começarmos a limpar a nossa casa dos fantasmas da história.
Repare-se que os antepassados são os nossos mestres. E a parábola do Sumo-Mestre sobre os dons é clara. Se considerarmos toda a memorável produção literária já cultivada como as moedas que foram dadas ao mancebo, perceberemos efectivamente que a herança (cultural) nada servirá se a não investirmos nos canteiros da causa dos nossos dias. É preciso multiplicar os dons, investi-los, deitá-los no nosso chão lavado com as nossas salivas maldizentes, para se poder, em fim, colher o fruto mais saboroso da tradição – a perpetuação do legado, a fixação da memória cultural do nosso povo, através da literatura.
A Literatura Angolana de gema sempre foi comprometida com os encantos e desencantos dos seus dias, uma literatura assente no imaginário do povo angolense, uma literatura que muitas vezes saiu à rua sem capuz, consciente, portanto, de que a morte na métrica ou num parágrafo qualquer não é morte, antes a ascensão a uma vida sem morte – a eternização das marcas de hoje – sem dúvidas, um passo sublime rumo ao átrio da Pasárgada.
Contudo, é importante reconhecer que cada tempo dita a sua própria estética literária. Assim, se é verdade que nem tudo o que hoje se diz literário tem “littera” e “-ura”, é verdade também que há muito aperfeiçoamento subjectivo da alma do nosso povo em linhas que, infelizmente, não cabem nos tecidos finos da crítica literária de conveniência da actualidade.
Ouço pesadas críticas à Literatura Angolana feita na actualidade, por gente de hoje, sublinhe-se. Mas, poucos são os pastores que vejo interessados a apascentar as ovelhas; a maioria prefere os púlpitos aos campos, já que o ministério está mais lucrativo do que nunca.
Por outro lado, há, por aqui, certos olhos programados para determinadas pinturas, para os quais toda a manifestação artística que não se enquadre na sua matriz estética não é digna de alguma apreciação, porque a literatura é como sal, não presta, se não salga e, como é da praxis, a panela da avó faz o melhor feijão.
Então, se a literatura que se vai produzindo um pouco por este vasto mar não salga é porque é incapaz de conter a corrupção das sereias cultas de hoje, ou porque os leitores é que não se deixam salgar, parafraseando, aqui, Pe. António Vieira? Convém chamar os leitores a esta reflexão, pois muitos alegam que um dos principais desincentivos da escrita actual é a falta de leitores (não concordo, mas deixemos este assunto para outro tópico).
Não pretendo, aqui, levantar uma querela entre os “Antigos” e os “Modernos”, como nos séculos passados, muito menos questionar o “bom senso” e o “bom gosto” de ninguém. O que acho mesmo é que é oportuno que se faça uma moratória, para, em fim, reflectirmos todos no futuro da literatura Angolana, considerando que as mãos dos jovens escritores de hoje foram corrompidas com a sensibilidade das urbanizações, tornando-se, por consequência, incapazes de sustentar o ímpeto estético da Mensagem das muitas gerações passadas, segundo a leitura dos que sabem ler textos literários.
Ora, não sendo eu um crítico, nem poeta, nem escritor, dou-me por feliz por me ter sido dada a oportunidade de levar à praça pública alguns dados que julgo contribuírem para a inflação do nosso mercado literário (como se tivéssemos).
Confesso que há muito que não leio versos, nem parágrafos que desafiam os limites da condição dos seus criadores e se recusam a dizer sequer uma palavra à pantomina. Mas, dou o benefício da dúvida, talvez a literatura ande por aí, mas, por eu não saber ler, ou por eu estar tao distante da urbe…
Entretanto, para não me assemelhar àqueles que só falam e falam como as enciclopédias o que percebem como o vento, sem, no entanto, proporem soluções, diria mesmo