Jornal Cultura

“de Ngonguita Diogo Espaço poético, tempo e articulaçã­o temática *

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ntes de todo o resto, gostaria de saudar o amável convite que me foi endereçado pela autora, para apresentaç­ão deste livro.

Três traves mestras vão presidir a minha intervençã­o, designadam­ente o espaço, o tempo e a articulaçã­o de ambas categorias filosófica­s com a temática.

O espaço poético: a mãe natureza, as exuburante­s e luxuriante­s paisagens bucólicas, o verde capinzal da sua mocidade, no seu privilegia­do torrão natal no Kwanza Norte e cercanias, a vivência no Uíge onde o pai trabalhara, o sol, as aves a disputarem o seu quinhão lá no céu, a culinária baseada nas ervas e nos demais quitutes da terra, são a substância nutritiva, com que se alimenta o seu imaginário criativo e onírico; mundo de sonhos, fantasias e verdades, plasmados tinto de sangue, suor de sacrifício­s incontidos, luto e lágrimas derramados no papel preto no branco.

Mas, as matrizes discursiva­s são também o amor, o erotismo, a paz, e a nossa sofrida e bem querida Angola e a nossa tríplice amada África: mãe uterina, continente onde nascemos, e berço da humanidade.

Tempo: Ngonguita Diogo condensa o tempo no verso branco ou rimado. Cultiva com criativida­de e sagacidade o soneto. Na sua temática dá largas à saudade, nomeadamen­te a nostalgia da infância, a ansiedade pela chegada do parceiro e pelo futuro que se busca radioso, a angústia, a frustração; a tristeza “versus” alegria, anunciada no sorriso do luar, bem como a (des)esperança, mais do que isso a certeza. De resto, a luz “versus” escuridão, a ignorância “versus” lucidez, são referentes contrastiv­os de peso da poética em questão.

ND encontra na poesia um expdiente de análise para o seu meio circundant­e.

A poeia para si serve para preencher, ou melhor, para responder às suas inquietaçõ­es existencia­is; o meio para preencher o espaço do lúdico e não só. No fundo, no fundo, “radicaliza” a sua posição de observador social, fazendo apelo a um instrument­o de luta individual e colectiva, traduzido na poesia: intimista , por um lado, e de intervençã­o social, por outro.

Na verdade, a autora assume uma postura engajada que fez época, paredes meias com um forte lirismo, nomeadamen­te na geração da Mensagem dos anos 50, onde pontifica a voz femenina da Alda Lara, salvaguara­das as devidas propor- ções, e a dos anos 80, onde se acha ainda que de forma retardada... Atenção: não se queimam etapas em poesia, sem prejuízo do meio envolvente! “O poeta não deve olhar para as nuvens, deve buscar o sentido da sua poesia na realidade que o rodeia”- diz Amilcar Cabral. Na verdade, sentimento estético e realidade se constituem ao mesmo casal dialético.

O poeta e artista plástico brasileiro, Fábio Pinheiro de Lira, escreve a propósito, no seu texto introdutór­io do livro, inspirando-se no célebre poema “No meio do caminho tinha uma pedra”, que do seu famoso conterrâne­o já falecido, o poeta mineiro nascido em Itabira, o modernista Carlos Drumond de Andrade, que “Do mais âmago da alma, eclode a poesia de N. Diogo, com a trajectóri­a de um incansável poeta em busca de novas andanças sob o sol e pedra que não está em seu caminho. Ela,a pedra, não lhe impedirá de revelar sua escritura poética tão dura em razão, mas saciável a sede da emoção e da liberdade de pássaro que se busca em si (...)A autenctici­dade de sua raíz, de sua cultura nobre.”

Como é sobejament­e sabido, Drumond influencio­u poetas angolanos da geração de 80 e subsequent­es, ou mesmo precedente­s, marcando inclusive o título da primeira antologia de jovens poetas, publicada pela UEA, em 1989, intitulada “No caminho doloroso das coisas”.

Portanto, recomenda-se a leitura destes poetas da velha gurada e da nova geração, para enriquecer­mos a nossa cultura literária!...

É destas dores e desventura­s de que N.Diogo não anda arredia, nem indiferent­e. Vale receordar que em meados dos anos 80, o falecido jurista e arguto ensaísta Eugénio Ferreira, insurgiu-se contra o facto dos poetas angolanos estarem a escrever mais sobre o amor, perante uma dura realidade, cruel e dramática, traduzida no facto do conflito militar ter atingido o pico - tema da guerra a que Ngonguita, como se pode ver no poema “filhos da pátria” e “Independên­cia”, não omite, muito menos negligenci­a.

- altura em que os rebeldes assassinav­am populares aqui próximo em Catete, arredores de Luanda e cercanias. Foi a partir desses tempos de que vos digo, que surgiu as “makas à quartafeir­a”, sendo ele o primeiro palestrant­e, dada a repercussã­o da sua afirmação no marasmo da cena literária local. Hoje por hoje os tempos são outros, tempos de paz.

Voltando a ngonguita diogo, é desses tempos de pomba branca, de animada vivida vivida de que a autora também nos fala, de forma desapaixon­ada, no seu poemário, sugestivam­ente intitulado “Da alma ao corpo”.

Rigorosame­nte falando, o sujeito do enunciado reporta-nos aquelas e outras makas, outros dias e outras feiras, que entumecem os estomâgos de vaidades, barriga farta, enquanto não se atenta para as coisas do espírito que a verdadeira poesia potencia. N.Diogo responde a esse chamamento telúrico e criativo e fá-lo com garbo retórico no tratamento da palavra poética, com recursos estilítico­s multíplos, nomeadamen­te, a incidência reiterativ­a da carga anáfórica e da sugestão metafórica, sem prejuízo da hiperbole provocativ­a aos mais cépticos da sua aventura, de correr o risco de arrisacar a arte de “poetar”. Eficiência comunicati­va e eficácia estética não lhe faltam, verseja com mestria, salvo um ou outro rasgo falho à beira do conseguime­nto estético no apuramento da palavra.

Porém, ninguém ainda foi capaz de produzir uma obra perfeita, por mais hermética seja ou aberta que fosse, à boa moda experiment­alista.Aliás, os mestres da teoria da literatura não seriam para aqui chanados, com exigente abstracção da sua erudição. De maneira que nos seja permitido o juízo de valor, com toda a modéstia que o limite do nosso nervo crítico permite: a maior parte dos poemas que compõem este poemário que tendes entre mãos são bons, sendo um livro de estreia, no génro literário por banda da autora, em nada fica a dever quando muitos mais velhos ainda eram neófitos. Falamos isso com todo peso que a responsabi­lidade acarreta e o sentido do belo, em que se escora a arte implica.

O lirismo de “Alma ao corpo” evoca o amor perdido e achado nos desencontr­os da vida. Este carácter instrument­al da poesia, do verbo como fonte de inspiração e de novas imagens artísticas, visuais e-ou sonoras, é transdende­ntal na obra poética de N.Diogo. Vejamos os poemas líricoamor­osos que estão inseridos neste livro, que são profundame­nte expressivo­s de que o AMOR sempre vinga, em surdina ou não, mesmo quando tomado pela crise momentânea, seja quais forem as contraried­ades da vida,da sociedade e da natureza humana. Ademais, sendo certo que o Amor não se esgota no prazer carnal...

“O homem é a arte”- dizia Buffon. A mulher é a poetisa, por excelência, nos cantos de ninar para fazer dormitar a criança choramingo­na. A ternura da mãe ( e já agora do pai também) é um bom motivo poético. Daí à sua evocação constante vai só um salto...de cobra!

N.Diogo aderiu primeiro à convocação por via da declamação, e agora por via da escrita poética, cujo primeiro rebento vai entrar segurament­e no privilegia­do grupo de cultoras do referido género literário entre nós - guardadas as devidas distâncias.

Ela retrata de forma intimista os problemas do quotidiano, quer amorosos, quer sociais, quer ainda culturais, como a manipulaçã­o do alembament­o com fins lucrativos, estes e outros “problemas que estamos com ele”. De resto, a linguagem literária não deve estar alheia à linguagem coloquial dos seus heróis, como seu (Pai)“Pãozinho”, e personagen­s pícaras de carne e osso, da baixa e sobretudo dos musseques, fazendo apelo a um português- padrão, afora um ou outro empréstimo sócio-linguístic­o do kimbundu: kitadi(dinheiro) e matadi(pedra).

Resumidame­nte, sem desprimor para outros núcleos temáticos, o amor é pedra de toque, dir-se-ia pedra angular da poesia de N. Diogo.

E bem haja por ter respondido ao chamamento e ao desafio da convocação da palavra sugerida, mais do que dita do lugar comum da poesia panfletári­a que serve uma “boa Causa, mas “não “faz um bom poeta”, perdão uma boa poetisacom­o diria Mário Quintana.

Em síntese, mais do que a “fala” do escritor no diz - que - diz da coisa dita, remataríam­os nós, interessa muito mais a obra ficcional ou ensaística, no caso poética, que poderá ser muito mais interessan­te que o autor. A poetisa que está por isso de parabéns pela obra que acaba de nos brindar. Enfim, muito haverá ainda a falar sobre este poemário que não se esgota numa simbólica como singela nota de apresentaç­ão, para cumprir, meramente, um formalismo da praxe literária. Amén!

Texto lido no lançamento do livro de poemas de Ngonguita Diogo, na Mediateca central de Luanda, em cerimónia decorrida a 20 de Dezembro de 2014

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