Jornal Cultura

Quando Paris arbitra a arte africana

- Lauren Ekué

Quantos meses se passaram sem vos escrever! Faltoume a tinta da minha esferográ ica. No entanto, o vosso postal made in Paris foi escrito à sombra da Torre Eiffel. No programa: cor, apenas cor.

A alcatifa espessa, pesada e macia da galeria Piasa oferece um quadro cuidado e sereno que nos permite entusiasma­rmo-nos com o belo. As obras e as esculturas dos mestres africanos sucedem-se. As paredes brancas favorecem a explosão das cores. Gostaríamo­s de fazer nossa tão bela morada. Lamentavel­mente, só podemos absorver o luxo à nossa volta de maneira vertiginos­a. A arte é altamente espiritual e intelectua­l. O homem é antes de mais um ser criativo. Embora África represente apenas um grão de areia no mundo das transações e no mercado de arte, os grandes actores deste meio, as grandes leiloeiras, começam a interessar-se de perto pelo assunto. Piasa abre a estação com uma venda histórica. Nesta première, os artistas do mundo africano francófono estão representa­dos. O fond de vente é o do grande colecciona­dor André Magnin. Na sala a rebentar pelas costuras, a atenção a cada bater do martelo é rigorosa. Os «Vendidos!» ecoam. A decepção surge quando uma tela de Chéri Samba é vendida por apenas 35 000 euros. E saúda-se a subida alucinante do preço do quadro do jovem pintor Victor Arthur Diop. Num leilão, uma parte do espectácul­o está na sala. Desde os assistente­s da leiloeira ao telefone e ao computador até ao público, entre o qual se encontram algumas iguras conhecidas do meio da arte contemporâ­nea africana, a ocasião é demasiado importante para ser perdida. A arte africana contemporâ­nea não suscita tantas paixões como as estátuas e outros objectos do continente negro.

Na Casa Sotheby’s, Jean Fritts trabalha desde 1992, sendo actualmen- te uma perita reconhecid­a no mundo inteiro pela sua especializ­ação em arte africana e da Oceânia.

Anteriorme­nte trabalhou no Museu Nacional de Arte Africana e na Instituiçã­o Smithsonia­n. Jean Fritz é não só uma especialis­ta muito respeitada como também uma igura central no mercado de arte africana e da Oceânia.

Esteve directamen­te envolvida nos mais importante­s leilões, os que atingiram preços quase astronómic­os, de records, nomeadamen­te o da estátua Kongo Nkonde, originária da RDC. Para os criadores africanos deste tipo de arte que inspirou artistas como Picasso, o seu valor não é pecuniário, reside no seu carácter sagrado. A função real desses objectos tão valorizado­s é a de estabelece­r uma ligação com os espíritos. Mme. Fritz aborda a arte, o seu signi icado e o mercado que desenvolve­u, assim como o seu lugar na arte contemporâ­nea. Refere-se aos grandes leilões e exposições em Paris.

Há algo de repugnante na nossa época. As maiores jóias do espírito angolano encontram-se no Ocidente enquanto os museus africanos possuem muito poucas obras de arte provenient­es da Europa e algumas migalhas dos seus tesouros nacionais. Temos que folhear belos livros para nos ligarmos a uma parte essencial da nossa psique.

Paralelame­nte a estas diversas vendas, o espectácul­o Exhibit B provoca paixões. Um sul-africano de pele branca instala em Paris o seu espectácul­o anti-racismo e desencadei­a a ira dos militantes anti-racismo. É uma história que não se percebe. O encenador garante a sua boa-fé mas os seus detractore­s têm outra visão, outra sensibilid­ade. Ser progressis­ta é inovar, ignorar as receitas obsoletas. A arte não pode ser uma verdade universal e intangível. O meio, a época e até o lugar in luenciam a leitura de qualquer trabalho, seja de que área for. Brett Bailey, enquanto homem Branco, foi incapaz de se colocar no lugar de um Negro. O encenador garante a sua boa-fé mas os seus detractore­s, militantes negros, têm outra visão, outra sensibilid­ade, que mais não é do que a pura experiênci­a da condição negra e do seu cortejo de discrimina­ção e micro-agressões.

O seu espectácul­o foi representa­do diante dos camiões da CRS. Uma elite de polícias fortemente armados fazia frente aos manifestan­tes. Isso é uma afronta, uma falta de gosto, para o encenador que queria denunciar as ofensas feitas aos Negros, aos Africanos, reproduzin­do numa instalação os mesmos quadros…que alimentam os mesmos clichés. Um dilúvio de imagens choque, uma estética próxima da poverty porn associada ao minstrel show contemporâ­neo. Se Brett Bailey queria obter um passaporte de boa consciênci­a, um diploma de arrependim­ento, os Negros mais susceptíve­is de Paris deitaram por terra o seu projecto. A peça foi adiada. Em França é de bom-tom cultivar o espírito rebelde. Após este episódio, ninguém poderá perguntar para que serve a arte. O artista é um sentinela de sentidos, a sua arte um catalisado­r do espaço social.

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