A angolanidade poética de Alexandre Dáskalos
garam caro a factura, pela ousadia revolucionária da luta clandestina, em plena época da segunda Guerra Mundial, corrente propulsora que vai marcar o engajamento cultural e político da sua geração, em torno do movimento independentista, que sacudia o 3º Mundo.
Neste mesmo período, talvez como resposta à solidão do cárcere, começou a dedicar-se intensamente à produção poética até 1953. Fez parte do Movimento vamos descobrir Angola”, lançado por Viriato da Cruz em 1948, conforme é ideia geralmente aceite. Na senda deste ideário de busca das raízes africanas da cultura angolana escreve o poema “Descoberta”. Tem colaboração no jornal do Planalto e na revista “Mensagem”, editada em Lisboa pela Casa dos estudantes do Império, de que foi um dos membros mais activos nos inais dos anos 40 e princípios de 50. Finda a sua formação em medicina veterinária em Portugal, parte de regresso a Angola, sua terra natal, indo trabalhar no Laboratório de medicina veterinária de Nova Lisboa, actual cidade do Huambo, onde efectuou pesquisa cienti ica na sua área de formação. Consta na “Antologia de poetas angolanos(CEI 1959), organizada por Carlos Ervedosa, com prefácio de Mário António. Segundo se lê na contra-capa da recente reedição efectuada pela UCCLA do seu livro intitulado “Poemas”, editado pela primeira vez pela CEI em 1961, “Alguns deles foram musicados e traduzidos em diversos idiomas. Teve apenas dois livros publicados: “Poemas”(1961, Colecção Bailundo), de que a família viria a fazer uma segunda edição em 1975, com mais 15 poesias acrescentadas á edição original, e “Poesias”( 1961), editado pela CEI precisamente no ano em que viria a falecer”, mais precisamente a 24 de Fevereiro de 1961, aos 36 anos, legando um espólio tão lírico quanto comprometido com a causa angolana. Angolanidade poética do autor Segundo consta, o termo “Angolanidade” foi introduzido por Fernando Costa Andrade, no seu ensaio “L’Angolanité dans les ouvres de Agostinho Neto et António Jacinto”, publicada pela prestigiada revista “Presence Africaine”, na edição dedicada á Angola, vinda a lume em princípios dos anos 60.
A respeito da Angolanidade diz-nos Mário Pinto de Andrade, ao prefaciar o seu livro, intitulado Poesia com armas”: “A angolanidade não se confunde com a dose de melanina. Angolanidade é a linguagem da historicidade de um povo – o povo angolano.”
Na verdade, como escrevemos nosso segundo livro, tem a ver com a nossa mundividência e a cosmovisão do angolano, sendo o ilão espiritual que nos liga aos nossos antepassados e nos projecta para o futuro, face aos ventos do progresso social do país.
O sociólogo e critico literário, Alfredo Margarido, que prefacia o livro de Alexandre Dáskalos escrevia há mais de 50 anos: “a publicação dos poemas de Alexandre Dáskalos reveste-se de grande importância no quadro da poesia angolana. Se, na verdade não são muitos os poetas, angolanos, não deixam eles de a irmar , contudo, uma posição de vincada angolanidade, não só na invocação de uma terra-mãe – que poderia dar um sentido apenas telúrico a esta poesia – mas também na estruturação política do canto. É deveras importante ultrapassar o mero reconhecimento telúrico para podermos compreender, com a amplitude necessária, as incidências das alienações que os poetas sentem.”
Com efeito, os esforços empreendidos no sentido do retorno imaginário e mesmo efectivo à mãe-pátria e às raízes angolanas falam por si nos versos dos poetas da sua geração. Alexandre Dáskalos enquadra-se nesta senda geracional da agitação e contestação da ordem cultural colonial instituída.
Mais adiante Margarido prossegue, destacando que o poeta “compreendeu bem cedo a sua posição neste quadro(…)Fica anunciada a viragem mais signi icativa operada no trânsito dos problemas humanos de Angola, que pressupõem não apenas uma negritude, mas, acima de tudo, uma angolanidade(haja em Dáskalos uma ‘angolanidade’ bem referenciada”, sendo que “a articulação das duas forças (o homem e o mundo) determinam a coerência da sua angolanidade, ma medida em que entendemos a sua luta contra a alienação.”
Aquele estudioso das letras africanas em português refere que “na medida em que, nenhum momento, mesmo nos mais abandonados líricos, Alexandre Dáskalos deixa re lectir a verdade angustiada da sua situação, da situação do homem, no im de contas, insistindo que “É por isso que a sua voz é das mais autênticas dentro do sentido de uma descoberta de Angola que viria a exigir uma angolanidade mais do que poética, política e, como, consequência fatal revolucionária”. Ele argumenta que o poeta “sabia que estava num grupo de pioneiros e, por isso, procurou, em primeiro lugar, o material para os versos. Daí que , mui- tas vezes, haja qualquer coisa de monolítico, de informe até, na sua poesia”, observando contudo, que “Mas esse monólito está em verdade, radicado na terra angolana e as palavras dirigem-se sempre ao centro de tal verdade, a primeira e única que lhe interessa e faz dele um dos grandes poetas da angolanidade revolucionária que efectivamente.
Rigorosamente falando, a angolanidade atravessa a poética de Alexandre Dáskalos, mesmo quando ela não se mostra interventiva, até pelos lugares, sentidos e recursos a que faz apelo, até no plano da sua concepção(poética) do mundo, bem como os signos Mãe, Escravos, Angola, escravatura e contrato, expressa ou tacitamente. Alias, já o seu poeta patrício, benguelense de gema, Ernesto Lara Filho dizia que explicitamente ou implicitamente no seus poemas.” Alexandre Dáskalos insere-se nesta senda, na sua poética está sempre presente a matriz da cultura angolana, a angolanidade, apesar doutros “aportes” que lhe vinham do contacto com o mundo. Ele definindo- se homem, assumir-se somo poeta na sua verdadeira dimensão humana. O projecto estético do poeta No poema “Condição humana”, onde pinta o verdadeiro quadro alegórico, escreve: “não iquemos/abaixo dos olhos da manhã: às pupilas deram sonho,/na cor e fantasia”, insistindo a pintar a sua tela: “A mesma cor/ou outra cor/ /que importa”- a interrogativa, para depois responder, sugerindo por via do soneto a sua cosmovisão: “O mundo/ canta bem fundo/em todo o coração: A voz singela/ da natureza, da criação…”E a a alusão á mãe pátria Angola, o que nos termos da época não deixa de ser signi icativo: “a terramãe tem dispersão/ e a unidade/ sai do seu ventre;” O apelo à união entre os nativos é saliente, em busca do alimento espiritual e não só: “E o seu ventre ( que parturejou) come das bocas e dá às bocas/ o mesmo pão…”, que alimenta o nós colectivo, o seu interlocutor/destinatário, o leitor ideal – o leitor angolano, apesar dos fortes índices de analfabetismo e iliteracia.
Poesia de profundo pendor épico, capta-se as virtualidades no povo como som e sentido da sua versi icação, ainda que de forma implícita, como no poema “Buscando o rumo”: na planície vejo pegadas: um povo em êxodo ali passou”; poesia premonitória esta, a antever o êxodo rural em extensão pelo país adentro.
“sobre os meus ombros/ o sol,/ sob o meu olhar// o irmamento sem im