Preconceito linguístico e tendências NEOCOLOLINGUÍSTICASem Angola
de tratamento – “tu”, o que explica o “tu heurístico”, nas traduções bíblicas mais antigas.
Entretanto, não há aqui nenhuma tentativa de reivindicação linguísticocultural. Esta abordagem pretende ser apenas um breve diagnóstico à saúde do léxico angolano. Pois, repare-se, que é justamente neste domínio que as variedades rapidamente se
distinguem, além, claro, da componente fonético-fonológica inegável por força das variações geográ icas e contextuais.
Entre nós, há exemplos da “assunção do léxico pátrio” dignos de realce, como os esforços empreendidos por certos músicos, que incorporam nas suas composições termos nacionais (a lista é imensa demais para citá-los), escritores, com particular realce para Óscar Ribas, Luandino Vieira, Uanhenga Xitu, que transparecem na sua escrita mais do que um simples desejo de criação artística, uma preocupação etnolinguística e etnográ ica. Há, ainda, muitos outros nomes, inclusive da geração actual, bem como exemplos de iguras públicas e actores ( a telenovela “Jikulumessu” é um exemplo desse esforço empreendido no âmbito da promoção do nosso léxico – assista-se!).
No entanto, há, ainda, grande descontinuidade na prática documental, visto que, geralmente, os que fazem as pesquisas lexicológicas, que dão o tratamento lexicográ ico e os que lematizam as palavras não convivem directamente com a cultura do nosso povo, não conhecem a fundo o ambiente espiritual que envolve o surgimento de muitas das novas palavras.
Daí o ter dito que os brasileiros resistem mais. Criam, investigam, produzem e publicam, habituando os ouvidos das outras civilizações com a musicalidade do seu léxico. Basta ler os seus escritores, ouvir as suas canções populares, assistir aos seus programas de televisão, em im; são mais independentes no “pensar o português” e no se manifestar na cultura através deste capital simbólico. Ao passo que nós assistimos impávidos e serenos e, até, promovemos acções (consciente ou inconscientemente) que, gradativamente, vão consagrando o “linguisticamente correcto” como factor de estrati icação social.
E é, exactamente, nessas atitudes que, na minha opinião, desacreditam a nossa soberania cultural e desvalorizam o esforço de Angola, no que toca à sua “contribuição para o enriquecimento do universo simbólico e o imaginário da Língua Portuguesa”, citando o escritor António Fonseca ap. José Luís Mendonça (Cultura: 8 a 21 de Dezembro de 2014, p. 3), em que se as- senta a minha abordagem.
Assim, que ique claro, à partida, que a esta abordagem não importa se um “clítico deva icar antes ou depois do verbo”. Estou a tentar levar à mesa das re lexões académicas e até patrióticas uma temática que ultrapassa as touradas da morfossintaxe, tentando escapar, deste modo, às discussões comuns, que não passam muitas vezes de manobras de diversão, enquanto temáticas como esta – a a irmação do nosso léxico – passam despercebidas.
Tendências neocololinguísticas em Angola
Sempre que assisto a determinados programas da nossa televisão, ouço rádios e constato que muitos jornalistas e apresentadores fazem questão de dizer, “como se diz, por aqui”, sempre que incorporam nos seus discursos palavras como “maka”, “jajão”, “sengar”, “banguessar”, “curibota”, etc., ico com a impressão de que tais vocábulos constituem um atentado à pureza do Português.
E, mesmo que poucos o saibam, essa forma preconceituosa e natural com que “peneiramos” essas lexias, nos discursos que pretendemos eruditos e a ansiedade com que os angolanos almejam que os nossos vocábulos atraiam a atenção da metrópole, para daí vir, então, a sua apreciação lexicológica, lexicográ ica e até a sua lematização, faz-me ponderar, mais uma vez, se não estamos diante de uma neocololinguização…
Veja-se que um vocábulo que nasce da alma do nosso povo, desgarra- se das línguas locais e da sua necessidade de sobreviverem à tirania do silêncio tem de emigrar para a “Metrópole”, para aí ser avaliado se de facto reúne condições de incorporar o corpus linguístico do português e, só depois disso, ganha aceitação até mesmo no nosso seio. Por consequência, e, como é de se esperar, da Metrópole vêm acepções impostas, em despachos dicionarísticos feitos a bel talante do freguês.
Há muito que se trava uma batalha pela soberania da Língua Portuguesa. Mas, há muito mais que o “Berço” mantém adormecidos os seus heróis, contando-lhes as aventuras dos deuses do além. Logo, não me surpreende que, aproveitando- se da distracção, alguns se queiram sobrelevar aos outros seres sociais, tendo a língua como a chave para a abertura dos seus “corredores” de influência – a noção do correcto como factor de estratificação social.
Mas, como eu prefiro, em primeira instância, acreditar na nobreza das intenções, acreditarei, então, que tudo não passa de um simples “resultado da ignorância, da intolerância ou