A propósito das igrejas islâmicas de Makuta Nkondo
O semanário Angolense publicou na edição de 22 de Março de 2013 a segunda parte de um artigo da autoria de Makuta Nkondo, Angola e o perigo das seitas religiosas (pp.21-22).
Chamou-nos a atenção o vocabulário usado pelo autor na sua abordagem ao Islamismo - uma religião que tivemos a oportunidade de estudá-la nas cadeiras de História das Religiões e História de África na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Agostinho Neto.
Alguns autores alertam para o cuidado que se deve ter no estudo da religião, que, conforme aconselham, deve ser feito com “distanciamento” e sem ideias preconcebidas (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2002; KEITA, 2009).
Infelizmente o posicionamento do nosso interlocutor contraria esse pressuposto fundamental que, juntamente a imparcialidade, deve orientar a elaboração de um artigo.
Num dos paragráfos do artigo encontramos alusão às igrejas islâmicas nas quais, segundo o autor, os pastores são recrutados entre os iéis de nacionalidade angolana [...] [e] submetidos ao ensino do Corão, do alfabeto e da língua árabes (grifo nosso).
A análise que se segue em torno dessa citação está centrada em duas perguntas: o que serão igrejas islâmicas? Será a igreja um termo usado pelos muçulmanos? Como veremos, es- sas questões carregam alguns problemas de interpretação associados ao uso incorrecto de alguns termos que merecerão a nossa atenção.
O termo igreja deriva do vocabulo ekklésia, isto é, “assembleia”; local de “reunião” dos cidadãos. No Novo Testamento o seu signi icado transcende o sentido original: congregação local ou comunidade universal constituída por cristãos (DICIONÁRIO [BÍBLICO], in Bíblia de Estudo Esperança, 2000).
Já na língua árabe o termo “mesquita” (do árabe masjid, singular; masajid, plural) é usado para designar o templo, local de culto frequentado pelos muçulmanos.
Embora possa haver semelhança entre “igreja” e “mesquita”, existe uma diferença entre os dois termos que importa aqui assinalar: se por um lado o primeiro expressa duas ideias - espaço isíco/edi ício, e conjunto de crentes -, do outro lado, o segundo signi ica templo e nada mais. O termo “uma yslamiya”, ou ainda “salama”, com o sinónimo de “comunidade”, será o que mais se aproxima da ideia de congregação (ou ainda comunidade) expressa pelo termo “igreja”.
Dito isto, o que serão então igrejas islâmicas?
A nosso ver, o autor estaria se referindo aos templos islâmicos e sobre o que acontece no seu interior. Fê-lo, mas de forma errada, usando um ter- mo - igreja - presente apenas no Cristianismo. Pois, os locais de culto frequentados pelos muçulmanos são chamados de mesquitas.
Agindo em sentido contrário, o autor evidencia ter no Cristianismo o seu quadro de referência, daí que tenha se servido da sua linguagem na abordagem do Islamismo. Isto por um lado. Do outro lado, demonstra desconhecimento da terminologia usada por esta religião, diferente do Cristianismo.
Na expressão que temos estado a analisar o adjectivo islâmicas, com o sentido de religião, é usado como sinónimo de “igreja” - um erro que se comete frequentemente no dia-a-dia pelo que achámos necessário tecer algumas considerações sobre esse assunto que, apesar de ser bastante complexo, já mereceu alguma atenção do cónego Apolonio Graciano.
Segundo a a irmação deste sacerdote católico, proferida na Rádio Nacional de Angola em 2014, “o Islão não é uma igreja, mas, sim, uma religião”. De facto, é desse modo que ela surgiu e é estudada até hoje.
Já vimos o sentido da palavra igreja, antes e com o surgimento do Cristianismo. Todavia, não podemos confundi-la como religião, pois, esta palavra não signi ica nenhum local de culto, ou de reunião, tão pouco ainda conjunto de íéis que partilham da mesma fé!
O termo religião, do latim religare/religere, signi ica: (i) organizar; ordenar; estruturar; (ii) submeter-se as normas naturais/divinas; cumprir com o ordenamento tal como prescrito/pré-estabelecido; etc. Eis a razão pela qual religião signi ica: temor a Deus, pratica de cultos, conjunto de ritos/cerimónias, veneração as coisas sagradas, etc. (Trindade, 2012). Língua e hermeneutica A religião e a língua são dois fenómenos históricos indissociáveis. Ambas manifestam pensamentos, ideias e atitudes que evoluem com o decorrer do tempo e no espaço. Talvez por essa razão a hermenêutica se tenha dedicado, inicialmente, à compreensão dos textos religiosos redigidos, como não podia deixar de ser, numa determinada língua. Deste modo, faz todo o sentido termos cuidado no uso e interpretação desta ou daquela palavra cujo sentido a ela atribuído só pode ser encontrado no contexto em que está inserida.
Assim sendo, e de acordo com o que nós prescrevemos anteriormente, conclui-se haver incompreensão e incompatibilidade no uso dos termos que formam a expressão que acabámos de analisar.