Nick, o Avó Kumbi
A perenidade dos ritmos angolanos
“Será sempre um membro a ter em conta no grupo de músicos que tiveram a audácia, ainda no tempo das turmas e, posteriormente, dos conjuntos, de transferir a música convencional para o folclore. Marcou uma época e as suas memórias devem ser guardadas nos anais da História da Musica Urbana Angolana”, ouviase num dos pontos do elogio fúnebre proferido por um dos familiares do malogrado Manuel Costantino “Nick”, quando foi a enterrar no pretérito 19 de Janeiro, no cemitério da Santana, já depois da hora 12, numa tarde assumidamente solarenga.
À porta do cemitério, em pé, estavam familiares, amigos, iguras ilustras da música e cultura angolanas que se dispuseram a acompanhar até a última morada esta igura que “marcou com nota positiva a sua passagem pelo mundo”. E longe de serem apenas choros e consternações, um grupo de músicos (Kituxe e Seus Acompanhantes, Raúl Tolingas, Jorge Mulumba…) encarregaramse de tornar o ambiente conforme era hábito nos bons momentos convividos ao lado de Nick, ao tocarem com engenho e euforia sucessos do malogrado, com destaque para os registos Avó Kumbi e Dimba.
Manuel Constantino “Nick” é ilho de Madalena Simão. Natural de Icolo e Bengo (Luanda), nasce aos 25 de Setembro de 1952. Faleceu no dia 19 de Janeiro, lá pelas 16 horas, de acidente vascular cerebral, no Hospital Josina Machel, em Luanda.
Em 1961, em conformidade com as turbulências sociais da época, deixa a terra que o viu nascer e parte para uma nova vivência na cidade de Luanda. Não possuindo qualquer documento que comprovasse os seus estudos primários na então sanzala, cria condições na administração de Catete para a conclusão do ensino primário, que conclui em 1964. Depois decide aprender a pro issão de bate-chapa, que exerceu até inais dos anos 70, chegando a atingir o grau de segundo chefe na secção de bate-chapa da Brigada de Construção Militar.
Em 1980 ocupou o cargo de gerente num dos restaurantes da capital. É assim que ganha experiência em gestão hoteleira e neste mesmo ano funda o restaurante denominado Avó Kumbi, situado no Bairro do Golfe, que veio a ser o ponto de referência mais relevante do referido bairro. Ciente do seu dever como músico, em 1986 faz esforços e cria a casa de música Cantinho do Artista, que serviu de fonte de receitas para muitos artistas. Em 1993, tendo em conta a sua abnegada dedicação à cultura e à gastronomia, funda a feira Avó Kumbi, que posteriormente tomou o nome de Nova Vida e, um pouco depois, de Divórcio.
No dia 17 de Setembro de 1997, Manuel Constantino “Nick” foi galardoado pelo então administrador municipal de “Rei da Música Tradicional”, dado o seu empenho pela música e cultura no município do Kilamba Kiaxi. Deixa viúva, 27 ilhos e 55 netos.
A perenidade dos ritmos angolanos
Do seu amigo Massano Júnior, em representação da União dos Artistas e Compositores- UNAC, ouvimos que Nick inicia a sua carreira artística nos anos oitenta, vindo a integrar nas principais bandas do país, com destaque para Kituxi e Seus Acompanhantes. Integrou várias tournées internacionais que lhe levaram a conhecer Argélia, Portugal, Congo Brazzaville, Brasil, África do Sul, Suíça, França, Zimbabwe e outros que lhe transformaram num verdadeiro cidadão do mundo. “Estamos diante do eterno silêncio do autor de Kiamukumbi, Kumussekele, Dichocholo, Mulato canga massa, Tungané e outros registos que fizeram sucesso. Este desaparecimento constitui uma perda irreparável no tecido cultural nacional, um artista que sem equívocos apostou trazer à modernidade o sabor folclórico do cancioneiro tradicional. Essa pretensão ficou a sua marca artística, cultivando um estilo de música que pode ser considerado uma matriz por reflectir a perenidade dos ritmos angolanos, e este é o maior legado que nos deixou. Mas o génio e maestria desse colega continuará como uma referência incontornável, pois a sua obra musical permanecerá viva e a história da música angolana deverá registar com letras de ouro a sua valiosa contribuição”.
Por outro lado, referiu que a sua obra artística em muito se confunde com a luta dos cantores da sua geração em manter viva a promoção da angolanidade no círculo musical, já que soube fazer da música uma arma de combate e de exaltação de valores como patriotismo e cultura nacional. “Mas, no fundo, perdemos um verdadeiro escultor da música angolana de raiz”, conclui o membro do corpo directivo da União dos Artistas e Compositores.
Associativismo no Kilamba Kiaxi
A Associação dos Naturais e Amigos do Kilamba Kiaxi, em jeito de nota de condolências à família enluta, salientou que Manuel Constantino deixa um lugar insubstituível para o movimento associativista do Kilamba Kiaxi, que o remete à re lexão do passado histórico e cultural deste município. “Foi um homem exímio, defensor e contribuinte à causa da a irmação do movimento associativista. Será por nós imortalizado e sempre teremos di iculdades em descrever a dimensão invulgar do seu ideal de socialização: homem simpático, humano, dialogante, activista, organizador, atento, ouvinte, mobilizador, convergente, urbano, patriota e nacionalista, qualidades e virtudes de um homem que sempre colocou Deus no centro da sua vida”, descreve.
A recordar, deixou claro que os seus membros guardarão os momentos musicados pelo cantor, lembrando com destaque o temas cartazes Avô Kumbi e Cabecinha, ou em momentos de conversas em que falava em tom imperativo as seguintes palavras: “Quando eu morrer, os meus amigos e companheiros sentarão na mesma mesa, jogaram bisca, contarão histórias da minha vida, e assim lembrarão melhor as minhas memórias”, sábias palavras honradas pelos amigos Henda, Nando Maria, Santiago, Lopes, Suzanito, Machadinho, Simão, Queiroz, Tio Lito, Nazareno, Baló Januário, Job Capapinha e outros.
Mas, continua a referida associação da qual era membro fundador, a sua imortalidade está pxatente no espaço Avó Kumbi ou Divórcio, testemunha palpável dos seus passos e da sua contribuição ao município.