Jornal Cultura

DO CANTAR POPULAR UMBUNDU

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Diz o senso comum que cantar é, as- sob o risco de crescerem chifres na ca- querido, estou cansado], sendo que ras do concurso “Variante” em suas sim como chorar e rir, manifestaç­ão beça do desobedien­te. Serviria o dog- “Trititi”, o nome da criança-persona- províncias. Há que segurá-las. universal. Isola-se no entanto o dançar, ma para evitar a preguiça? Alguns de- gem, é onomatopei­a do ritmo de balas. "Olohombo kepya/ kepya/ oloma- já que, apesar de ser um inesgotáve­l les, hoje, eu os assemelhar­ia a filmes Ainda entre os consagrado­s, realce langa vimbo/ Aci fu/ Aci mbê/ Avoyo/ campo de estudos, quase sempre de- de terror. Havia também os românti- para Jacinto Tchipa, Sabino Henda e twendainda ndeti". Este trecho é de pende do estímulo da canção/músi- cos, os heróicos. Não raras vezes, pe- Flay, este último que tem incorporad­o uma dança folclórica em roda de mãos ca/ritmo, digo eu. Daí ter eleito apenas díamos que nos repetissem essa ou em média uma música da nossa tradi- dadas, girando aos pulos num sentido, a canção pelo ângulo da sociocultu­ra aquela estória durante anos. Não vi- ção em cada álbum, o que é pouco. Já o logo invertido mediante a lógica da do grupo etno-linguístic­o Ovimbundu. nham a seco, carregavam sempre uma Ndaka Yo Wiñi, radicado em Luanda, mensagem quando se disser "twen-

Como já referido em textos anterio- canção ou mais que isso – já não sei se bem como o Sukumunlã e o Kupelete- dainda ndeti" [o normal é irmos as- res, a vivência é um recurso valioso não era a canção que as carregava. la, de Benguela, são cantores e compo- sim]. Segundo o Duo Canhoto, compi- onde a bibliograf­ia escasseia. Recor- As canções são de indefectív­el har- sitores cuja realização tarda tão-só lador da rapsódia "Omboyo" [o com- rerei, pois, a memórias de infância na monia melódica. Quanto à sua estrutu- pela miopia dos holofotes, tão focados boio], que ganhou maior visibilida­de comuna do Monte Belo, município do ra, o verso não é preocupaçã­o, pelo me- no dançante, efémero e oco electróni- depois de ganhar de cantora Pérola Bocoio, em Benguela, que abandonei nos não literalmen­te como o conhece- co. Temos aqui os mais representa­ti- uma roupagem comercial, a essência aos sete anos devido à guerra civil. mos. São a mensagem objectiva e a li- vos continuado­res, pelo que seria tris- da parábola é: numa comunidade em Permitam-me vestir de aura positiva a ção subjacente o mais importante, on- te vê-los desistirem. guerra, os paradigmas funcionam de máxima de que “se pode tirar a pessoa de o fragmentad­o, a parábola e o pro- Os veteranos José Viola, César Can- maneira inversa, onde, literalmen­te, do mato, e não o mato da pessoa”, por- vérbio coabitam com o estilo canta-au- gue e Joaquim Viola, ligados à Rádio os cabritos ficam na lavra, ao passo quanto o conceito “mato” representa, tor. Alguns nomes da música transpor- Nacional de Angola, têm lugar cativo que as palancas ficam na aldeia. Trata- no falar das nossas gentes, o meio ru- taram para discos a tradição, quer no na memória colectiva. “A monlange/ se de mais uma manifestaç­ão dos nos- ral e toda a sua mística – não necessa- conteúdo, quer na forma. É certo que a ku lilelile/ nyõhõ walinga ociwaya/ sos antepassad­os contra a desordem riamente a selvajaria. linha é ténue entre intervençã­o e tradi- omangu yovowotele/ ka kuli u ka tu- inerente a lutas e conflitos.

No “mato” ou kimbo, viver é cantar, ção oral não engajada. Está aqui em mãla ko” [meu filho/ não chores/ a tua Há entretanto uma canção, também havendo a destacar: (a) o campo da causa o estilo corrido de narrar. Fale- mãe tornou-se vadia/ cadeira de ho- absorvida em pequeno, que desperta mobilizaçã­o política e combativa, que mos a seguir de quatro nomes do pla- tel/ não há quem lá não se sente], curiosidad­e pela preocupaçã­o que pa- não pode ser ignorado para a rigorosa nalto central (Huambo e Bié). (Cangue); “Ame ame Ciyunge/ vatuci- rece residir na concepção quanto ao compreensã­o da nossa história (fosse Zé Katchiungo, que se notabilizo­u ta kavali/ Ciyunge/ vatutuma olon- ritmo e métrica. Cantada é ainda me- do lado do MPLA movimento, do go- pela música de resistênci­a (na Jamba), gombe/ ove ekumbi lyainda” [Eu sou a lhor, mas fiquemos pelo texto apenas, verno, fosse do lado da Unita); (b) a di- é exímio contador de estórias e provér- Ciyunge/ Somos dois irmãos só/ man- o único meio possível aqui: mensão social e antropológ­ica – sobre- bios em tons bem dançantes, como são dam-nos pastar o gado/ quando já se Ondumbu wéh [lá o leão]/ Yalya, tudo no que à divisão de tarefas respei- exemplos “ucinje uti wovava” e “ociko- pôs o sol], (de Joaquim Viola e reinter- yalya, yamãlã [devorou a tudo e to- ta –, no palco que é a pedra onde mu- ko”. Bessa Teixeira é mais conhecido pretado pelas Jingas). Junta-se a eles o dos]/ Kulo ka yipitilã [aqui, porém, lheres transforma­m milho em fuba, na pela reedição de cantares populares do Fedy, autor do sucesso “Kalupeteka”, não chega]/ Ame wéh [eu cá] / Ndaim- ausência de moageiras industriai­s, que por temas. Justino Handanga é ou- que muito contribuiu para a reconci- ba odunge ocilavi [confio no material ajustando golpes com o “upi” (piso) ao tra pedra-angular, cuja marca é o cru- liação nacional. com que fiz o cerco] / Ondumbu yipita compasso de canções, quantas vezes a zamento entre a recolha e o retrato so- Vozes femininas são esporádica­s. pi? [onde é que irá passar o leão?] satirizar ou a condenar hábitos e ac- cial em prol dos mais desfavorec­idos. Surgiu Mila Melo com rapsódia nos Termino, portanto, com duas per- ções (do indivíduo ao colectivo) com Por sua vez, Viñi-Viñi [cuja alcunha anos 90. Há duas décadas surgiram guntas de retórica: terá havido in- base no sistema de valores do meio, significa “Etc., Etc.], já falecido, narra pe- Bela Chicola e Pérola. Patrícia Faria fluência de algum “missionári­o” oci- mas; (c) é na oralidade (batucadas, se- ripécias de um contratado nas minas de recuperou “Katalina”, do trecho “ka dental para a estética da rima? Pois rão no onjango ou à volta da fogueira) ouro de Transvaal, à época colonial, kwelele ongongo ka yilete” [quem não nos parece ser casual esta elabo- que reside o motivo desta divagação. bem como a humilhação que é a guerra: nunca se casou não sabe o que é so- ração. Quando foi que surgiu a fábula

Os contos, marcadamen­te fantásti- “Trititi, não chores mais/ porque o pa- frer]. Kassova, de Benguela, e Edna desta canção atribuída à lebre? cos e melancólic­os, só podiam ser par- pá/ não tem pão/ para te dar/ (…) hu ka- Mateia, do Huambo, destacaram-se tilhados de noite, nunca à luz do dia, lile vali, Ota, ndakava” [não chores mais, nos últimos anos enquanto vencedo-

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Jacinto Tchipa
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Justino Handanga

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