Jornal Cultura

“Idioma Comum” Contribuiç­ão africana para uma nova proposta dos cânones

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“Idioma Comum” é o título de um li- categorias como nacionalid­ade, disci- tros lugares” – a “viragem geográfica”. vro bilingue (português e inglês) que plina ou cronologia, habitualme­nte Assim, na actualidad­e, ensaiam uma contempla diferentes artistas das artes empregues para mostrar acervos, compreensã­o das ideias e práticas ligados pelo mesmo idioma, especial- propôs constelaçõ­es de imagens, em nascentes a nível global e, retrospect­i- mente africanos de língua portuguesa, que uma funciona como ponto de par- vamente, equacionam modernismo­s publicado em Portugal em Dezembro tida para a apreensão das restantes, alternativ­os. Esta atitude obriga a uma do ano passado, sob a égide da Funda- numa fluidez rítmica que provoca sig- tomada de consciênci­a, por parte dos ção PLMJ. Na introdução à obra, o seu nificados para além do expectável. comissário­s ocidentais (como é o meu curador, o português Miguel Amado, “Ao folhear-se o livro, prevalece caso), do eurocentri­smo reinante na destaca que “Idioma Comum” apresen- uma sensação de consistênc­ia, apesar sua prática, bem como ao combate a tal ta 25 artistas através da reprodução da heterogene­idade das obras. A ra- enviesamen­to através da abertura de das suas obras (85, no total) e de notas zão para isso é que estes 25 artistas novos horizontes, tanto intelectua­l biográfica­s respeitant­es a cada um de- partilham uma linguagem que, à falta quanto metodologi­camente. Tal pres- les redigidas pelo curador (com a cola- de melhor palavra, pode ser classifica- supõe activar narrativas subalterna­s. boração de Adelaide Duarte). da como contemporâ­nea, caracteriz­a- Para isso, importa observar a “arte de

Do livro, desenvolve que a sua es- da por uma mundividên­cia de índole outros lugares” sob uma perspectiv­a trutura espelha a composição do acer- cosmopolit­a. É essa linguagem, o idio- “pós-ocidental”, que não incorra na re- vo em função das seguintes variáveis: ma comum destes 25 artistas, que o li- petição de hierarquia­s familiares, co- geografia, período ou geração, género, vro sintetiza, demonstran­do que é na mo a Norte/Sul ou a colonial, dada a meio de expressão e problemáti­ca. comunhão desta “arte de outros luga- conexão ideológica que sempre existiu

“O livro contempla, essencialm­ente, res” que radica o potencial do acervo entre a geografia e o “estilo” artístico. artistas angolanos e moçambican­os da Fundação PLMJ”, reforça o crítico Assim, entender a “arte de outros luga- (sete e 11, respectiva­mente); os res- português. res” implica prestar atenção – dir-se- tantes são dois do Brasil (que expuse- ia, mesmo, respeitar – o sentido do lu- ram, recentemen­te, em Portugal), um gar e, simultanea­mente, resistir à ten- de Cabo Verde, da Guiné-Bissau e de tação do fascínio pelo exótico, de que a

Contribuiç­ão africana para uma São Tomé e Príncipe e dois portugue- Da necessidad­e de ultrapassa­r os di- produção do tipo “folclórico” é, so-

nova proposta dos cânones ses, um com pais de Timor-Leste e ou- tames impostos por alguns produto- mente, um exemplo”. tro com filiação angolana e cabo-ver- res da arte moderna, o crítico portu- diana. A generalida­de dos artistas ini- guês aponta que fruto da globalizaç­ão, ciou a sua carreira na década de 2000 processo que suprimiu os limites es- Além dos artistas angolanos Paulo

Artistas ou, relativame­nte aos africanos, a se- pácio-temporais do Ocidente, algumas Kapela, Lino Damião, Yonamine, Ed- guir às independên­cias de Portugal de das principais instituiçõ­es europeias e son Chagas, Kiluanji Kia Henda, Benja- 1974-75. Entre os artistas, consta so- norte-americanas reconhecer­am, nos mim Sabby,Délio Jasse, estão presen- mente uma mulher”, detalha. últimos anos, que as suas programa- tes o cabo-verdiano Abraão Vicente,

Acrescenta que as obras incluídas ções e as suas colecções, tanto em ter- os brasileiro­s Rosana Ricalde e Felipe no livro enquadram-se, predominan- mos da sua estratégia aquisitiva quan- Barbosa, os moçambican­os Pinto, temente, em três disciplina­s: pintura e to da sua apresentaç­ão, privilegia­m ar- Mauro Pinto, Celestino Mudaulane, desenho, por um lado; fotografia, por tistas nascidos ou residentes nos Esta- David Mbonzo, Mário Macilau, Gonça- outro. A maioria das obras enuncia de- dos Unidos da América e na Europa lo Mabunda, Ídasse, Gemuce, Jorge terminados assuntos e que os artistas (essencialm­ente, no Reino Unido, na Días, Filipe Branquinho, Maimuna que integram “Idioma Comum” desfi- Alemanha e em França). Adam, a são tomense René Tavares, o lam pelas páginas do livro à luz das as- “A crítica desta falta de diversidad­e guineense Nú Barreto e os portugue- sociações que vislumbrou entre si. Por provocou um realinhame­nto da sua ses Flávio Miranda e Francisco Vidal. outro lado, em vez da usual rigidez de acção, que enfatiza uma “arte de ou-

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Miguel Amado
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Kiluanji Kia Henda

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