Paulo Flores e Matias Damásio içam a bandeira do semba
O House sul-africano, do qual temos bebido muito nos últimos tempos, foi o estilo escolhido para pontapé de saída da terceira edição do festival Sons do Atlântico, que começou na noite do dia 7 e terminou na madrugada do dia 8 do corrente mês. A meio tivemos o melhor do samba e rock pop com o Seu Jorge e o arquétipo grupo zouk, Kassav. Mas não foram estes os estilos que determinaram o destino promissor deste show. Foi a música de Paulo Flores, que contou com uma ajuda ajustada de Matias Damásio, proporcionando aos presentes o grande deleite de um semba maduro e atento às metamorfoses da cidade e deixando subentendido o elevado dever de içar com pompa e maestria a bandeira do semba sob este mar de Luanda que tanto lhe serve de inspiração.
Foi com o poder de rimas dos Afroman que a onda do Sons do Atlântico chegou a se elevar com fusões de vários estados de alma ao mesmo tempo, eufórica vibração causada por uma música de recatados conselhos morais como é característico deste grupo raper que não é só feito dos clichés de festa, amor, mulheres, como é hábito da maioria da linha comercial da nossa praça. Embora tenha sido a cantora sul-africana Mpumi, no estilo house, a primeira actuar para um público que acorreu à Baia de Luanda a im de ver des ilar nomes singulares da música moderna. Este mesmo estilo voltou à roda nas actuações do Dj Def e Zona 5.
Puto Português, que segundo Pedro Nzagi, nas vestes de mestre de cerimónia da noite, tinha prometido fazer uma grande festa, foi iel à sua promessa: foi das melhores performances já vista do músico, com grande movimentação, energia e sem perder o folego do kimbundo quando dava a entender que todas as forças já tinham sido esgotadas nas músicas anteriores. As suas dançarinas tinham trazido um kwassa kwassa bem a inado, embora rodassem sempre com muita volúpia, mostrando muito mais o corpo esbelto e malhado do que o toque da dança, que foi um dos detalhes negativos da sua apresentação. Com um vestido com rachas quase até ao im das ancas, uma das dançarinas foi fazendo o papel da transformada Prima Maria que vira Meury, aquela que vai para o Brasil e muda tudo e volta bala bala. Mas a dançarina não dançou uma coreogra ia digna de boa nota, foram apenas gingas e mais pouso sensual. Em “Zebede” o seu solista se destacou prodigiosamente. Acertou numa musicalidade que mereceu os aplausos imediatos do público. Já a camisa do Puto Português estava fora das calças, e suava em palco. Na quinta música, em “Não sou perfeito”, a mais aplaudida, o público se mostrou cur- vado às românticas quizombas, todos, garantidamente, cantavam em consonância o coro sem falhar uma única tónica. Português explorou apenas sucessos do mais recente álbum: Ritmo e Melodia, lançado em 2013. Batoto Yetu A beleza da dança ou a dança da beleza era uma questão que se impunha ao assistir o grande show do Batoto Yetu, que foi como o renascer de uma questão importante: a harmonia dos movimentos. Os meninos gingavam com muita leveza e todos movimentavam-se com um rigor quase sistemático. Num outro número desa iante, trouxeram, com animação vocal de Ângelo Boss, uma coreogra ia que incluía vários estilos de dança do kuduro e house desde o início de 2000 até aos dias actuais: agora estamos na onda do quadrinho, de certeza. Foi importante ver superada a questão de que as danças ditas tradicionais não podem incluir toques musicais modernos, quando vimos um beat pop a casar espantosamente com a dança. Quanto ao ku-house, um mix de kuduro e house e às vezes com batidas de rap, vimos uma recriação muito inteligente e com toques que se intercalavam, que morriam no renascer do outro, com as meninas a dançarem o kuduro sem que precisassem cair numa coreogra ia inconsequente e super icial da nudez. Eles dançaram incansavelmente, até o “matondorinho” ressuscitaram. Mos- traram uma boa konga. Mereceram o respeito e aplauso do público.
Depois da brilhante apresentação, procuramos Júlio Leitão, o angolano do Moxico que é o coreógrafo do Batoto Yetu e que vive há mais de 20 anos nos Estados Unidos da América, tendo sido lá que forma o grupo, com mais de duas décadas de existência e com participação em todos os continentes. Ao início de conversa disse ser de um sonho que busca toda força e convicção para trabalhar: “Eu tenho um último sonho: contribuir para o desenvolvimento deste país, no que toca à nossa cultura e valores. Eu acho que as crianças têm muita importância nisso”.
Como recriar o kuduro ( dança) e salva- lo desta iminente descaracterização? Era a questão chave da nossa conversa, ao que respondeu sermos a raiz da qual nasceu muitas coisas, como é o caso do kuduro. Mas, adverte, é preciso estarmos atentos que aquilo que vinca e fica, daqui a cinquenta ou cem anos vai ser a tradição porque virá da nova geração, nos restando apenas criar e pensar em desenvolver a nossa maneira de expressão a nível académico.
Da sua assiduidade em certames nacionais, tem estado a fazer trabalhos privados, mas foi a primeira vez que teve a oportunidade de partilhar com o público o que Angola signi ica para si, de como somos a raiz ou como devemos ser fortes: “É preciso muita água, e com isso quero dizer que preci-