‘O último comboio para a zona verde’
Chamo a atenção para a leitura de um livro recentemente publicado em Lisboa, de literatura (supostamente) de viagens, do autor P. Theroux, O último comboio para a zona verde, Ed. Quetzal, 2014. Li apenas, por mera curiosidade, a parte que a Angola diz respeito e não gostei desde o início, ou se- ja, desde a entrada pela fronteira de Sta Clara. Os próprios títulos são elucidativos da predisposição do autor. À medida que fui avançando na leitura, foi aumentando o meu desconforto, enquanto português e português que sente Angola. Ali é-nos apresentada uma visão/vivência do país que - mes- mo sendo real e verdadeira - não o é na sua totalidade e peca pela acintosidade colocada no relato.
É lamentável que alguém com a responsabilidade, auditório, experiência literária e idade como as de este autor se preste a tão mau serviço à verdade e a Angola.
Caricatura de Angola
O que ali se faz é uma caricatura de Angola, na senda, aliás, do que algumas décadas antes já G. Bender havia feito sobre a dominação colonial portuguesa. Este autor é profusamente usado, embora nem sempre citado. Impressionam, sobretudo, as re lexões absolutamente ridículas e generalizadas que se permite tecer sobre povos inteiros, culturas e sociedades - numa atitude perfeitamente ariana (na sua versão anglo-saxónica), mas igualmente deplorável. O viajante/escritor teve azar, coitado, pelo roubo do seu cartão VISA, na Namíbia. Conheceu o lado mau de Angola, mas não teve o prazer nem a limpidez de espírito su iciente para saborear o seu lado bom, que também o tem!
Disse que o livro é uma caricatura porque voluntariamente selecciona dois ou três traços da realidade – aliás, verdadeiros – e explora-os até à exaustão, omitindo assim outros igualmente presentes e porventura mais genuínos e interessantes. Angola não é só sofrimento e miséria, ísica ou moral; é também alegria de viver, beleza e recomeço. O que P. Theroux diz é verdade, mas apenas meia verdade; e meia verdade é também meia mentira, insultuosa e prejudicial para a percepção do país fora das suas fronteiras.
Deixo este breve apontamento sobre o aparecimento e a leitura deste livro, numa perspectiva de dar-lhe cabida nas colunas do Jornal Cultura. Por vezes a publicidade feita a um mau produto, dá-lhe a força que naturalmente não tem. Oxalá não seja o caso deste.