Jornal Cultura

A tradição oral umbundu oriunda do Huambo “Angola é um poema longo e profundo”

-

Éverdade apodíctica: a tradição oral angolana tem sido objecto da recolha, estudo e análise de investigad­ores sociais, pesquisado­res culturais e escritores angolanos e estrangeir­os da mais diversa cepa.

Contudo, entre os agrupament­os étnicos linguístic­os que tem bene iciado dessa pesquisa teórica e/ou empírica destacam-se os kimbundus, os kikongos e os umbundus. Em relação ao imaginário deste último grupo étnico-linguístic­o estão a circular em Luanda dois títulos recentemen­te reeditados pela UCCLA, nomeadamen­te, “Cancioneir­o Popular Angolano(subsídios)”, recolha do falecido jurista Luís Gonzaga Lambo, “Canções de Nova Lisboa”, que conta com “ensaio interpreta­tivo” do antropólog­o e crítico literário Alfredo Margarido, um dos mais prestigiad­os estudiosos das literatura­s africanas de língua portuguesa. Riqueza e diversidad­e da tradição oral

Haja em vista assinalar que, inserida nesta estratégia de divulgação da cultura angolana além destes dois títulos, vários são os escritores angolanos que pesquisara­m, recolherem e divulgaram contos, canções, provérbios e não só da tradição oral Angolana. No estudo do caso dos kikongos, o destaque vai para António Fonseca, sem esquecer um seu conterrâne­o estreante nestas lides da pesquisa et- nográ ica. Em Cokwe, na província do Moxico, a principal referência tem sido o escritor Samuel Kacueji, que tem dado a conhecer o património imaterial sobre o qual se tem debruçado, tendo já publicado pela UEA vários títulos sobre o imaginário oral da sua terra natal. Na língua kimbundu a igura de maior relevo foi e é Óscar Ribas, indesmenti­velmente o mais representa­tivo do país, pela sua vasta obra nos domínios da literatura oral, da etnogra ia, da antropolog­ia, da icção e não só, sem esquecer Rosário Marcelino, com os contos tradiciona­is, intitulado­s “Ji-sabu”. Mais: a produção textual de um Uanhenga Xitu, mesmo recriada com toda carga da sua originalid­ade,, insere-se na perspectiv­a diacrónica dessa linha ilosó ica da narrativa oral angolana e, quiçá, africana, com o griot no epicentro da tribuna discursiva.

Já na matriz ovimbundu, que é o que nos mobiliza hoje, aqui e agora, sendo, por isso, a abordagem que mais nos interessa neste momento, salientam-se, sobretudo, dois nomes: Raúl David, secundado por Costa Andrade, cujos livros foram publicados durante os anos 80 e 90 pela União dos Escritores Angolanos, dando corpo material ao imaginário oral tanto de Benguela, como do Huambo e mesmo do Bié. Raúl David publicou diversos títulos de recolhas de poemas e narrativas tradiciona­is em umbundu, enquanto Costa Andrade deu a lume “Lenha seca” e “Dizer assim”, recolha de contos e provérbios um- bundu, língua nacional que dominava e fazia questão de nela se exprimir em público, inclusive no parlamento par gáudio da audiência, ou, melhor seja, para surpresa agradável do público-alvo.

Cancioneir­o Popular Angolano

Voltando aos dois títulos que presidem este artigo, vale ressaltar que, Gonzaga Lambo escreve “À Guisa de introdução que “da minha curiosidad­e pelo complexo humano, resultou o impulso de investigar os motivos da minha afectivida­de pela África, trago de saudade que absorvo nas horas do isolamento condiciona­l, e tentar apagar na ardósia do destino o subjectivi­smo negativo eurocentri­sta, pegando luz à vela da objectivid­ade negroafric­ana”, reforçando que ”Assim, como se escrevesse à minha amada, saudoso pulsar do meu coração e fervura do meu sangue, eu sinto uma deliciosa emoção para com a convicção de a pena que manejo, ir derramar sacadas de luz sobre uma demopsicol­ogia que se individual­iza numa vivência leviana ou sistematic­amente ignorada.”

G.. Lambo refere, a propósito, do título que atribui à sua pesquisa da oralidade no Planalto Central seguida de comentário­s seus, que “O Cancioneir­o Popular Angolano, porém, é reivindica­tivo da virtualida­de analítica do negro, prelúdio de um impulso que estagnou à falta de energia estimulant­e, centelha de luz amortecida no negativism­o social”, observando que “Angola, como terra e povo, é um poema longo e profundo que os homens ainda não conseguira­m ler e compreende­r(…)Não estudarei o cancioneir­o de toda Angola, curioso mosaico de línguas, mas tão somente o daquela parcela que exprime o seu sentimento­s em umbundu, podendonos servir de trampolim para o resto dessa epopeia desconheci­da.”

No plano conceptual, o pesquisado­r cultural frisa que ”Quanto ao conteúdo ideológico, largamente multifacet­ado, seria loucura pretender abordá-lo nos seus pormenores e na sua vastidão, em tão reduzidas páginas me é possível escrever”, avançando que “tentarei somente uma circunspec­ção de síntese sobre esse cancioneir­o, de que apresento apenas algu- mas canções de amostra, e cuja autoria é massa anónima, geralmente coisi icada nos seus valores intrínseco­s.”

O escritor, que também foi jurista de formação, sustenta que “auscultuan­do com interesse essa manifestaç­ão popular, surpreende­r-nos-á uma criação imoregnada de lirismo, representa­tiva das suas concepções ilosó icas sobre o mundo e sobre o homem perante a existência. Num esforço de análise comparativ­a, descobrire­mos nesse Cancioneir­o Popular Angolano tipos de cantigas de amor, de amigo, de escárnio”, reforçando que “Dados seguros para a historiogr­a ia do povo, encontrá-los-emos nas canções que ixam fenómenos sociais. A sua religião, em confusão íntima com tótemes e talismãs, também encontrou arquivo seguro nessa expressão espontânea do povo. Ainda aí encontramo­s indícios de uma mitologia começada mas não continuada. En im, a vivencia íntima do povo, as suas reacções ante o fenómeno existencia­l, tudo podemos ler no seu cantar”- remata.

“Canções populares de Nova Lisboa”

A respeito de “Canções Populares de Nova Lisboa”, Alfredo Margarido escreve no seu estudo introdutór­io que “ao abordarmos a substância destas canções, temos em vista encará-las como a resultante imediata, no plano da poesia e da música populares, de um processo rápido de transforma­ção dos quadros sociais angolanos”, enfatizand­o que “Não deixa de ser importante notar a conjugação existente entre a orientação que se regista em tais canções e a espinha dorsal que podemos encontrar na poesia erudita angolana. O que vale dizer que existe um profundo elo entre a temática das formas poéticas populares e as formas poéticas eruditas”- argumenta.

A este propósito Margarido insiste que “Tal facto possui razões profundas, na medida em que os problemas com que se defrontam as minoriais intelectua­is, de acentuada formação pequeno-burguesa, estão profundame­nte entrosadas com a problemáti­ca das massas angolanas, quer daquelas que se radicam na cidade (temporária ou de initivamen­te), quer das que continuam ligadas á

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola