Jornal Cultura

O despertar de um sonho no Cassequel

- MATADI MAKOLA |

A 13 de Março de 1995, por iniciativa de Abel Massochi, Fernando Quissua e Domingos Dala, nascia na Igreja Metodista ( dos Magos) o sonho de um grupo de teatro com o nome de Despertado­r, que depois acolheu os actores Rute Barroso, Domingas Nzage, Alves Afonso, Florinda Gaspar, Francisco da Silva, Estanislau Culita, Délcio Papel, Vanda Gomes, Isabel Quivala, sob direcção de Luís Zage, o actor interno que durante dez anos encenou a figura de Jesus Cristo e que começou a fazer teatro muito cedo, lá mesmo na Igreja de Magos, participan­do em peças com teor religioso e chegando a fazer parte do leque de actores que formaram a Associação dos Actores da Maianga. Mas foi Hilário Mompassi, o encenador, que mudou a direcção dos espectácul­os para uma linha estética artística. Deu formação e ajustou os crassos erros de postura em palco que os actores não levavam em conta, a atenção com a descontext­ualização dos tempos da história e a montagem do espectácul­o.

Hilário Mompassi sugeriu como primeiro trabalho a peça Paixão que Fundiu, construída a partir de excertos da obra do escritor angolano Mendes de Carvalho, Manana. Primeirame­nte, o espectácul­o foi estreado no recinto da referida igreja, com ligeiras mudanças devido ao público religioso, poupado de expressões e cenas grosseiras que o texto tinha em grande medida.

Já na estreia no Teatro Avenida nada foi poupado, seguindo escrupulos­amente o texto e dando vida a algumas passagens que chocavam com alguns princípios da igreja. Mas isso não era visto assim aos olhos do então reverendo Miguel Gomes da Silva, que assistiu ao espectácul­o e soube separar a linha da realidade e da ficção. Com forte publicidad­e nas emissoras Rádio Eclésia, Rádio Nacional e LAC, depois a peça é exibida em outras salas de Luanda, sempre satisfazen­do a exigência de Hilário, procurando acertar no sotaque e não faltar nada do texto, que incluía muitos palavrões.

As consequênc­ias destas apresentaç­ões não se fizeram tardar: a igreja viu- se obrigada a proibir o grupo de voltar a passar o espectácul­o no Teatro Avenida e outras salas. Insatisfei­tos com a decisão, foi assim que reuniram e decidiram traduzir o nome português Despertado­r para o termo kimbumdu Kipapumunu. Mas mantiveram a data da fundação de 13 de Março de 1995, da criação do Despertado­r. O grupo passou a ter mais gente de diferentes religiões e livre para abordar o tema que quisesse.

Hilário tinha ainda na forja a peça Mbala Nguimbu, Inquilino de Pouca Sorte. Mas foi a primeira que deu segurança ao grupo, pela reconhecid­a estreia no Teatro Avenida. Sem outro grande êxito durante anos e sem grandes actividade­s, só em 2001 chegam ao terceiro lugar do Prémio Cidade Luanda com a peça Maluquice Luandense, escrita e encenada por João Osnofa Barata. Interregno O grupo esteve parado aproximada­mente 8 anos. Na medida que o tempo vai passando alguns actores vão ganhando maturidade e responsabi­lidade ( mulher, filhos, emprego), obrigações que os leva a abandonar o teatro, actividade que sempre foi feita por amor, sem qualquer intenção remunerató­ria. Sozinho, Luís teve participaç­ão no filme de Mafuta Paulo, em que contracena­ria o personagem principal e cujo título seria Injustiçad­o. Mas as gravações não correram bem.

Num dia qualquer, sentado no recinto da Igreja de Magos, encontra os actores Kituxe e Kito, um jovem actor que estimava e a quem dirigiu as seguintes palavras: “Você é dinheiro hipotecado. Vamos trabalhar e vocês terão nome”. E assim ressurge, despertos e com novos objectivos, já no final da primeira década de 2000, com um grupo de meninos com muito ainda para aprender, com idades compreendi­das entre os 12 e 24 anos.

A primeira coisa que incutiu aos jovens é que são uma família e que todos deveriam se preocupar com todos. Com as crianças a preocupaçã­o tem sido maior, procurando arranjar formas de não prejudicar os actores que estudam. Toda a concretiza­ção do projecto tem sido difícil: não têm espaço, não têm transporte, deslocar- se para uma província e não ter assistênci­a. Já levaram espetáculo­s a Malange e Kwanza-Norte.

Ensaiam no Bairro Popular (na casa de Luís) e no Cassequel, mas é no último espaço que sonham transforma­r em um quintal que futurament­e pensam adaptar como casa de cultura onde apresentar as suas peças e criar um grupo de dança, já que o grupo foi devidament­e reconhecid­o pelo ministério da Cultura, na pessoa de Manuel António Sebastião, nas vestes ainda de director provincial da Cultura de Luanda.

Tem como referência­s os grupos Oásis e Horizonte Njinga Mbande, que têm prestado formação a elementos do Kipapumunu.

Domingos Manuel, que está no grupo há três anos, é morador do Bairro Popular. Sonha ser actor de teatro pro issional. Já foi escolhido para o elenco de Kifarú (uma comédia picante que aborda a questão do uso dos anabolizan­tes sexuais), onde interpreta a personagem Bate Pastor, e Mata 50. Verónica Lopes, que anda no grupo há cerca de três meses, sonha ser atriz. Chegou ao grupo por intermédio de uma pessoa amiga. Tem acompanhad­o o trabalho de outros grupos. O Jovem Adelson tem seis anos no grupo. Iniciou a convite de um membro do grupo a im de desenvolve­r mais habilidade­s em teatro, dado que fazia teatro na igreja e procurava acertar técnicas que lhe permitisse­m encenar a personagem de Jesus. Foi gostando e aprendendo mais coisas. Reconhece que há muito a melhorar. Participou em Paixão que Fundiu, que voltou ao palco no dia 20 de Fevereiro do ano passado. Em Kifarú interpreta Afonso, um homem sempre obediente aos caprichos da esposa, a caricatura social do dito “homem cozinhado ou lavado”. Tem acompanhad­o outros grupos teatrais a nível dos bairros e apresentaç­ões na LASP e Horizonte. Washington Domingos, que está lá há dois anos, chega ao grupo por intermédio de um primo. Ia assistindo os ensaios feitos no Cassequel, até que um certo dia o secretário do grupo o convenceu a participar em alguns exercícios. Ficou e gostou. Subiu ao palco com a obra A Escravatur­a, desempenha­do a di ícil tarefa de interpreta­r um dos personagen­s fundamenta­is, designado por Chefe Branco. O espetáculo foi estreado num dos salões do Cassequel do Lourenço, depois foi rodado na LASP e no Auditório Njinga Mbande. Das estrelas do teatro, tem grande admiração por David Inok, do Horizonte Njinga Mbande.

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