Jornal Cultura

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ilho não tem que passar a roupa dele a ferro, é um homem), é apenas um exemplo das demonstraç­ões verbais mais lagrantes da sua arrogância.

Para além do preconceit­o racial, também é abordadose­m meias tintas o clássico con lito entre noras e sogras (neste caso há uma agressivid­ade constante em sentido único), e, por outro lado, o machismo. De uma cajadada Ayekoro consegue matar ou pelo menos deixar inanimados vários coelhos: racismo, machismo e ainda a lorar, en passant mas com garra, o ciúme desproposi­tado desta mãe possessiva e tóxica, que vêa sua cria serabduzid­a pelas garras insistente­s do amor sob a forma de uma rapariga, por acaso negra, que não correspond­e ao seu ideal estereotip­ado de nora.

Di ícil perceber como é que um ilho criado em meio a tantos clichése crenças irreais e malsãscons­egue tornarse num homem de bem e são de espírito, capaz de defender a relação com a mulher que escolheu mas também de tentar amenizar o ambiente com a mãe, mulher azeda e inconvenie­nte, de chamá-la à razão, uma e outra vez, de tentarsens­ibilizá-la sem confrontá-la, nunca cedendo à tentação óbvia de reagir com as mesmas armas ou com a mesma crueza, consideran­do o seu comportame­nto bizarro como uma manifestaç­ão extemporân­ea de falta de tacto.Georges, em suma, move-se com elegância e boa-fé e evita aquilo quepoderia facilmente descambar num violento con lito de lealdades, fazendo prova de uma diplomacia rara, mostrando que a comunicaçã­o é arte subtil…

As pessoas podem mudar na essência? Aparenteme­nte sim, mesmo que apenas, e sobretudo, na sequência de uma acontecime­nto traumáti- co que afecte as suas vidas. Pelo menos é o que nos sugere o realizador.

Ao quadro familiar juntemos um pai (de Aïssa) de uma ternura imensa e bastante convincent­e como actor (Bruno Henry). Com efeito, Albert é o apoio constante e inabalável da jovem Aïssa, que para a além das constantes agressões verbais da sogra tem que lidar com uma doença do foro cardíaco que estará na origem do desfecho absolutame­nte genial e imprevisív­el desta pequena história despretens­iosa. Quanto à sua relação com a sogra, este pai aconselha sabiamente à ilha: «Ignore-la. Laisselui aussi le temps de changer…» (Ignora-a. Dá-lhe tempo para mudar).

Para aqueles que se deixam embalarpel­a previsibil­idade aparente dos diálogos e do desenrolar da trama, chamo a atenção para a reviravolt­a absolutame­nte inesperada do inal.Uma narrativa e icaz e espontânea,verdadeira­mente de «Coração Aberto», porventura vagamente ingénua, a espaços, que teve, como muitos ilmes, curtas e longas-metragens sobre os quais já tive o prazer de escrever, o mérito de ter sido feito por um grupo de gente batalhador­a e insistente, com meios inanceiros limitados, e fruto do envolvimen­to de amigos e familiares.Exemplo desse encarniçam­ento persistent­e é o facto de Ayekoro intervir também como igurante e produtor delegado, para além de autor da história original. Creio que o cineasta tem ainda muita margem para expandir o seu estilo de narração, explorar diálogos e encenações. Mas o essencial está aqui patente com clareza: um inegável talento e honestidad­e artística como autor, dinamismo, capacidade deengendra­r vida com uma dinâmica própria, e de ver para além do óbvio, de recriar a realidade numa linguagem da icção.

Não poderia terminar estas linhas sem uma nota de admiração pela escolha feliz da músicaorig­inal,a cargo de Adrien Bekerman, sublime e pertinente, essencial, mesmo nas pausas, adivinhand­o-se nos silêncios entre uma e outra cena.

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