TONITO ‘MAFUMEIRA’ Um álbum meditativo e intensamente melódico
UMÁLBUMMEDITATIVOEINTENSAMENTEMELÓDICO
Imutável na sua honestidade de criador, Tonito persiste, sisi icamente, num processo de reinvenção, reencarnação sobre um reportório original e pessoalíssimo. Da sua pena e voz só há a esperar o melhor.
Levámos dezenas de anos para chegar aqui, ao lançamento do primeiro CD de Tonito, “Mafumeira”, iniciativa meritória da Kissanji Produções.
Qualquer ouvido capaz de olhar com atenção para a cena musical urbana contemporânea em Angola compreenderá que vivemos momentos exaltantes, com a multiplicação de iniciativas di íceis de acompanhar, devido sobretudo à intensidade de eventos.
É essencial sublinhar de modo incisivo e fazer justiça ao momento singular que vivemos, um pouco por toda esta imensa Angola. No entanto, e apesar da multiplicidade dos concertos, gravações, sessões, en im da quantidade de oportunidades, etc., à excepção do trabalho paciente, persistente e empenhado do crítico e especialista Jomo Fortunato, fala-se (e escreve-se) pouco de música, como se a música só existisse quando é tocada.
As questões relacionadas com a criação, as fontes de inspiração, a divulgação e o estudo da música angolana, tendo como ponto de partida e de chegada os próprios músicos e cantores, são fundamentais. Hoje, neste mundo em mudança e globalizado, não podemos icar indiferentes aos seus percursos e processos criativos, às suas fontes de inspiração, tão diversi icadas quanto ricas em experiências humanas e, obviamente, musicais.
Dizia que em Angola se fala pouco de música. E, frequentemente, não se faz justiça aos verdadeiros criadores.
Uma excepção louvável: em 2011, o Festival da Canção que a Rádio Luanda Antena Comercial (LAC) organiza anualmente e que se tornou já uma referência de enorme alcance artístico e cultural pelos talentos que dá a conhecer, retratando tendências e alternativas inovadoras destacou, com especial brilho, a igura injustamente esquecida de TONITO: raríssimo artista, compositor, letrista e cantor.
ÁLBUM MEDITATIVO
Ouvi com atenção e prazer crescentes o CD “Mafumeira”, que contém 11 faixas, todas assinadas por Tonito, que entretanto musicou Agostinho Neto “Caminho do Mato” e o poema “Menino Triste” de Jofre Rocha.
O álbum é meditativo, confessional, intensamente melódico e, ao mesmo tempo, pródigo em rítmicas sincopadas, vectoriais, isocrónicas, com uma variedade de “moods”.
Surpreendente e exemplar o modo como ao longo de todo o disco, os “sopros”, as “cordas”, o acordeão, percussões e teclados se cruzam – sem con lito – com a voz. Belo exemplo é o tema “Tuila Um Ulungu”, em que se acentuam as preocupações sociais do compositor, onde o acordeão de João Frade, notável instrumentista algarvio, faz verdadeiros “obligattos” ao cantor; acordeão e voz de “mão na mão”.
Imutável na sua honestidade de criador, Tonito persiste, sisi icamente, num processo de reinvenção, reencarnação sobre um reportório original e pessoalíssimo. Da sua pena e voz só há a esperar o melhor.
A soberana maturidade que hoje exibe interiorizou as grandes in luências musicais e humanas de outrora. Atente-se na força telúrica que lhe ilumina a criação em “Caminho do Mato”; o sangue e o suor de um lirismo onírico em “Menino Triste”.
“Mafumeira” alimenta um saudável e inédito, mas pouco comum entre nós, cruzamento de gerações de músicos intervenientes- nacionais e estrageiros-, mas também uma enriquecedora coabitação de estéticas e tipologias musicais. Pessoas de idades diferentes e percursos musicais distintos à volta da mesma fogueira. Este é um dos grandes ensinamentos de “Mafumeira”.
A produção musical deste disco foi entregue ao multi-instrumentista Simmons Massini, que também fez os arranjos. As harmonizações prometem muitas esperanças, e como instrumentista, o crescimento acelerou-se e as boas surpresas são cada vez mais frequentes.
As vozes que, em dose certa, surgem ao longo das faixas, como elemento aglutinador da banda constituída por instrumentistas competentes e cumpridores são belo pretexto para o lirismo de Tonito; lirismo semeador de planícies melódicas onde brilha o sol.
Vozes e vozes de instrumentistas que são corações cheios de música.
NO LIMITE DO ASFALTO E INÍCIO DO BAIRRO MARÇAL
Conheci António Pascoal Fortunato (Tonito) nos anos 60. Nessa época a música, a preocupação com a revalorização das manifestações culturais e musicais angolanas, a consciência nacionalista e uma recusa consciente ao exotismo colonialista constituíam já o seu habitat permanente.
Nesse tempo, numa Luanda dividida, vai para mais de quatro décadas, o seu extenso currículo existencial já incluía a “licenciatura” que as vivências na periferia da cidade do asfalto, no