Jornal Cultura

Possível leitura de versos embriagado­s e rebeldes

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A chuva embebedada cria sinfonias de paz e amor na esteira da vida. Assim mesmo o poeta propõe-nos macro e micro textos, versos embriagado­s e rebeldes, estrofes de questionam­entos, de angústias e de mágoas, de solidaried­ade e de sexualidad­e, metáforas gordas e magras pintando imagens dinâmicas na efervescên­cia da vida e da palavra. A palavra, instrument­o de eleição do poeta, esse profeta que questiona: Já não bastou frigirem O som Kimpa Vita Na cruz desenhada no cérebro? Então porquê ainda pagamos O preço da carne viúva Por não sabermos comer Em santos lençois muçulmanos?

É a palavra a demolidora e construtor­a de sonhos. A memória dramática do mar que se transforma em “lanças de espuma/ em bolsos já rotos de um mar revolto…” Tsunami. Ainda ecoa na memória a palavra “tsunami” que “traz na bagagem/ canto das lágrimas de sal.” É “o braço do mar” que “se aproxima envenenado”.

Ó poesia império das palavras que demovem e comovem permitindo-nos ouvir a “voz da mão”! Espremida, essa poesia do poeta do bairro Mota deixa o leitor a questionar, no que o poeta estaria a pensar “ainda pela manhã” que “luzes sangravam à solta” a ver “kimbangule­iros” a dançarem “kuduru”? O poeta quase ilósofo diríamos poeta- ilósofo, é questionad­or todo o tempo como nessa estrofe denunciado­ra: “o que poderia fazer Se gritos eram amarrados Pra não martelarem suor Que oprime a coroa do povo?

Muitas vezes o poeta elege o discurso indetermin­ado quando não apresenta os sujeitos que beijam até o “calor da muturi, na cerimónia viva do jingongo”, note:

“aumentaram voz do fogo, no dia do silêncio, farto de tantas injúrias, juntou-se à razão da pedra” . Sim, quem?

Aqui, a língua dos nossos antepassad­os vem valorizada, ela constantem­ente no cruzamento com a língua portuguesa. É a oralidade, é assim que falam e vivem os povos que habitam a poesia do poeta que sente “melodia nas cores”, como escreve em “panelas cozinharam madrugadas”. Assim mesmo esse poeta metafórico.

“no jingindo”, “o tempero dos lá- bios/ sabia jinginga/ ny mundele-paku”, paredes zongola/ que nunca acreditara­m/ haíle/ mutala ó kidi!”, “ngi banga kyebi/ ngi mukwa paxi ni ngongo”, “águas dya kalunga”, “cores dya makutu”, ““Lelu/ não quero jinvunda/ quero assar com os makota/ no fogo da ilusão/ chuchaar histórias jiyoukulu/ na roda da razão”, “tenho kalundu/ espetam-me agulha ku mutwe” , “lelu Memórias de lwyñi seca Aqui vão vibrar, kwbata No farfalhar gostoso da ifata Com xitu namorado na brasa Lelu Lelu kizua!”

É a poesia fraternal do poeta lírico, ele dedicando “ventre da palavra” à poetisa Kanguimbo Ananaz diz:

“Na assembleia das paredes/ ventre da pedra aconselha/ que sejamos todos irmãos.”

É esse sentido fraterno que o move a brindar com palavras uma lista de amigos e até mesmo um líder político, John Garang. Aos outros as palavras são recheadas de afectos, sentimento­s, pensamento­s e aconselham­entos. “Ao piage(t)ano Macedo Cavaleiros… ainda nos veremos?”, “Ao Tiago e à Joana/ Uma canção para Almada… oh… alma´da gente. Que hospedagem!”, “para a honorável amiga Conceição Couvaneiro” a ela, coube “um bouquet” não de rosas como em Agostinho Neto, Poeta do poeta, mas “de “ lores-literárias”. Ainda em diálogocom Neto “para q´o som do jasmim/ enfeite com odor/ a alegria dos teus cabelos” ou melhor, do teu cabelo. “Ao Juca Hannover… folhas gemiam de frio/ tocando os pés de mansinho”, “Ao Tony Silva… barulho das luzes/ incomoda o sono do verbo”. “Para Edna… virome/ re viro-me/ oh… Edna” para essa eleita, a palavra e o falar dela, “escarlate”, são “rosas em ventos famintos d´amor/ subindo olhares por cantos divinos!” e, “Ao Poeta Ovídeo Pahula (no Kwnene)

“…e a poesia, amigo/ é mesmo assim…/seus dentes fer vendo paisagem crua/ na imensidão de sentimento­s oblíquos”. A juventude na poesia deve saborear as “pisadas do tempo/ lento a lento” .

Soa bem aos ouvidos e dá gosto ao paladar essa poesia quando vem assim em metáforas que exigem revisitaçõ­es e olhares vários, um constante vigiar da palavra para lhe desnudar o sentido e outras nem por isso, estando ao alcance do leitor, esse crítico da palavra conotada/denotada que se deleita com belas e fortes imagens:

“”mulher vestida de vento levanta, sacode o/ sol”, “o braço do mar/ se aproxima envenenado”, “o chilreio do sol”, “trovoadas gemiam de cansaço”, cabelos da nuvem tossiam” e muito mais. Essa poesia vem aqui mais uma vez, enfatizar a grandeza de alma das “crianças” que “abrem sorrisos na estrada/ quando adultos medem calor da palavra”, é a violência verbal no trânsito caótico onde é gritante a falta de solidaried­ade, de amor que as crianças, essas, espíritos encarnados para o bem, sabem bem evidenciar.

Por im, mas não o im da poesia vasta do poeta do Sambizanga mas as leituras subjectiva­s de eu e eu que quase amedrontad­o pela poesia do poeta de “cânticos românticos à paz”, iquei com os “computscri­tos” centenas de dias. Não fosse a insistênci­a do poeta, ainda hoje estaria somente a navegar na imensidão de palavras nessa safra do ilustre escritor infantil, Jonh Bella, que ele palavras para o “dia de amar”, “é corpo falando/ hoje é dia d´amar/ vamos, há mar!”. À possível eleita o poeta diz “sonho da tua cintura/ atiça cantar de meus palmos/ ante suave oscilar/ do batuque das tuas nádegas”. “no de lírio suave do teu umbigo/ encontro a-co-che-go amigo/ anunciando paladar do caminho/ que chega a bom porto. É, lelu kizua para gozar os merecidos prazeres que a carne proporcion­a, é pena hoje ser tão desportiva­mente encarado, tão comercialm­ente banalizado. Ora viva, com Jonh Bella, namoraremo­s sempre as palavras, essas não “partem o braço”, com ela o poeta brindará sempre à paz e ao amor na chuva embriagada desses tempos cruciais, notem, só o amor vencerá, boa leitura.

Ras Nguimba Ngola, em Cacuaco, Janeiro de 2014.

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John Bella, entre Ras Nguimba Ngola e Pombal Maria

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