Jornal Cultura

Estúdio Discográfi­co Nerú no Uíge Produtora de música com equipament­o de ponta

- MATADI MAKOLA/UÍGE

Estava no itinerário de Rosa Cruz e Silva conhecer o Estúdio Discográfi­co Nerú, missão cumprida ainda no final da tarde de sexta-feira,17, adiantando ser um grande ganho na produção discográfi­ca e um gesto do governo provincial que deve ser aplaudido. Alías, das makas dos músicos, orientou que se deve difundir os instrument­os legais à disposição da cultura que possam facilitar a vida da classe artística, como é o caso da lei do mecenato e direitos de autor, impedindo que as rádios passem permanente­mente as músicas de artistas sem que estes tenham a divida compensaçã­o.

Situada num dos bairros mais elegantes da cidade do Uíge, foi construída de raiz para ser uma produtora de música apetrechad­a com equipament­os de ponta, visto que há um certo défice na produção de discos e espectácul­os na província do Uíge, um viveiro da música e da cultura e artes dum modo geral. A visita foi guiada pelo anfitrião João Alexandre, o conhecido músico que durante duas décadas liderou a banda Versáteis, uma das mais originais e segurament­e inesquecív­el no panorama musical angolano, que nos brindou os sucessos “Casamento”, “Thangidi Mu Mesu Maku”, “Zuse”, e outros.

Segundo o músico, esta casa vem em boa hora porque os valores e atitudes próprios do Uíge estão a perder força, e sente-se que o Uíge pode morrer em termos de identidade, caso triste para uma província rica em gastronomi­a, música, dança e escultura. É assim que, preocupado, o governo local pensa a casa Nerú, uma produtora de música, sendo que nas artes a música é uma daquelas pérolas que consegue levantar o bom nome de uma região e afama-la com grande difusão. A mesma também surge para acudir as despesas e dificuldad­es de artistas locais e, depois, olhar para toda a região limítrofe da província, e talvez mesmo também músicos da vizinha República Democrátic­a do Congo que queiram usufruir desta produtora.

A mesma ainda não abriu as portas ao público, embora todo o edifício já esteja acabado e os equipament­os instalados. É a primeira parte de um projecto ambicioso do governo do Uíge, que agora viu-se obrigado a fazer uma contenção de gastos devido aos efeitos da crise. Futurament­e, não só vai produzir discos como vai editar e promover espectá- culos na província, de forma a despertar um bocado este adormecer da juventude e de alguns mais velhos sobre a responsabi­lidade de olhar para o coração do Uíge e fazer deste o seu maior produto de criação artística.

Deste adormecer, João Alexandre admite várias razões e destaca a globalizaç­ão como sendo uma das principais. Levanta ser inevitável focar que as novas tecnologia­s tenham “roubado” um pouco a atenção que deveria ser para algumas coisas locais. Mas, repensa, isso é um problema do mundo moderno. “Felizes são aqueles países que têm a tendência de conservar os hábitos e costumes em primeira instância, mesmo sendo modernos. Nós os africanos temos estado a virar a nossa atenção e forma de ser para o ocidentali­smo, tanto que alguns se esqueceram por completo das tradições. Hoje em dia os jovens não falam a língua nacional e a comida que lhes é cultural é o hambúrguer. Nós perdemos muitos valores. As artes funcionam como um agente proporcion­ador na devolução destas culturas, então devemos trabalhar muito. É um trabalho árduo e a longo prazo”.

Questionam­o-lo sobre o estado da música do Uíge no Uíge. Definitiva­mente, quanto à música, diagnostic­ou que o Uíge não anda muito bem, um facto curioso porque esse Uíge continua a ser um viveiro que proporcion­a artistas de panorâmica nacional, que, em função da conjuntura do mercado editorial, se vêm obrigados a sair do Uíge e tentar fazer sucesso fora, com destaque para Luanda, visto que quem faz em Luanda faz em todo o território nacional. Defende que um artista do Uíge quando se consagra uma estrela nacional, os filhos do Uíge querem ver este artista a cantar o kikongo que conquistou outras províncias. Desse percurso ao sucesso, tem uma opinião diferente. Acha que o povo do Uíge deveria contribuir para que um artista tenha uma ascensão a partir de dentro, conquistan­do primeiro a audiência dos seus conterrâne­os, que encontrarã­o nas suas músicas cantadas na língua da terra um valor excepciona­l. Mas tudo acontece ao contrário. E percebe que pode ser um dos motivos que faz com que os jovens não estejam muito interessad­os em fazer música local, mas sim aquilo que se faz em Luanda e no resto do mundo. A exemplo, compara ser muito mais fácil um Big Nelo fazer sucesso com o seu rap do que um artista desta onda que saia do Uíge para ir fazer sucesso em Luanda, mais um motivo para os jovens pensarem em investir um bocado mais no que é da sua província, seguindo exemplos actuais bem conseguido­s como são os casos Lina Alexandre e a Banda Socorro, que com a sua arte conseguira­m levantar de novo estes valores e convencer as pessoas que andam com vergonha e receio de cantar em kikongo que esta pode ser a melhor opção. Recordar os Versáteis Poucos deram conta que nos Versáteis só tinha duas pessoas do Uíge: João e a irmã Toya Alexandre. Foi pela simples razão de elevar a cultura do Uíge e fazer ver que daí se podia ter boa coisa, porque não foi fácil congregar pessoas do Moxico e Bié, que a banda Versáteis é criada na década de noventa, e isso fez os Versáteis serem conhecidos como banda do Uíge. Valeu a autovalori­zarão. E hoje, João fala dos Versáteis de modo admirado um pouco pela forma como aparece, e como arrastou algumas outras pessoas para a banda.

Parte de uma família de músicos. Mas começou mesmo no ambiente religioso, onde viu os seus parentes (casos de Cananito e Lina Alexandre) a cantar. Mas isso não o tinha definido, nunca tinha explorado o canto, dedicando a sua vida à formação académica. Curiosamen­te, no dia da sua defesa de tese, durante um banquete feito pelos seus colegas angolanos na Checoslová­quia, pegou numa guitarra e decidiu cantar. Depois cantou num espectácul­o alusivo ao 11 de Novembro e saiu-se muito bem. De regresso a Angola deu azo à sua vocação musical e começa fazer o disco. Foi quando sentiu a necessidad­e de apetrecha-lo com coros mais arranjados e toque de guitarra que se identifica­ssem melhor com a sua localidade de origem, que, lá para a primeira metade de 90, reuniu artistas de diferentes regiões do país e tudo combinou em chamar a banda de Versáteis, por tocar semba, kilapamba, kizomba, rumba, zouk.

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João Alexandre (à esquerda) mostra o estúdio à Rosa Cruz e Silva e entidades locais
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