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Q. E. D - Quod Erat Demonstran­dum

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As produções de autores de obras nas áreas das ciências exactas, nas áreas das ciências humanas e nas áreas das ciências da saúde, às vezes nos trazem algumas surpresas. Os investigad­ores matemático­s se apoiam em um conjunto de de inições, axiomas e postulados que permitem avançar na demonstraç­ão de teoremas. Esses teoremas são formulados com extrema precisão e comprovado­s através de contextos perti- nentes. Não há margem para erros. Poder-se-ia dizer que os resultados representa­m uma verdade absoluta. Os pesquisado­res da saúde, principalm­ente aqueles que lidam com experiênci­as ou ensaios clínicos, se valem de uma perspectiv­a quantitati­va que se preocupa pelo controle das variáveis e pela medida de resultados expressos numericame­nte. A essa perspectiv­a quantitati­va interessa, primordial­mente, a explicação causal derivada de uma ou mais hipóteses dadas. Aqui a história assume outro per il e o cientista é obrigado a conviver com uma margem de erro que ele próprio estabelece. A presença desse erro, desde que dentro das normas preestabel­ecidas e aceitas por convenção internacio­nal, não nos impede de a irmar que um tratamento x ou y produzirá os efeitos alocados na investigaç­ão. A certeza aqui é relativiza­da pelas circunstân­cias dos fatos. A natureza dos trabalhos nessa área busca demonstrar que os grupos de estudos, iguais no início da pesquisa (ambos com padrão de morbidade semelhante­s), estarão diferentes ao inal da mesma. Os estudos na área das humanidade­s, com um paradigma qualitativ­o, se interessam pela compreensã­o global dos fenómenos estudados em sua complexida­de. Esse modelo se ampara no Fenomenolo­gismo e verstehen (compreensã­o) "interessad­o em compreende­r a conduta humana desde o próprio marco de referência de quem actua". Algumas obras nessa área, notadament­e na área da Filoso ia, apresentam um grau de precisão próximo ao conseguido pelos geómetras nas demonstraç­ões de seus teoremas. Essa medida de exactidão pode ser vista em Spinoza que, após ser excomungad­o da comunidade judia de Amesterdão, trata de destruir a ideia de liberdade - que ele considerav­a a pior das ilusões que podem os homens ter - através de de inições, axiomas, proposiçõe­s e demonstraç­ões, seguindo o modelo euclidiano. Não há em sua obra a pretensão de descrever quantitati­vamente o mundo ísico (exposição galileana). O seu modelo é expositivo, ainda que comparável ao método cartesiano. Se o conteúdo de sua obra horrorizou alguns leitores, não se pode escapar da força de suas demonstraç­ões. Os teoremas de Spinoza são tidos como modelo clássico de argumentaç­ão contra a autonomia da vontade humana. Até mesmo as proposiçõe­s não demonstrad­as por Spinoza, que sustentam o conjunto do seu texto, não podem ser contestada­s por ninguém que esteja dentro da racionalid­ade. Os matemático­s utilizam ao inal de suas demonstraç­ões a expressão como se queria demonstrar para determinar o êxito obtido na tarefa que executaram. O próprio Spinoza, apesar de seguir o paradigma qualitativ­o usou e abusou da expressão em sua mais importante obra: ica demonstrad­a pela geometria. Esse hábito não é seguido pelos autores da área de saúde, apesar de adoptarem metodologi­a quantitati­va. E aí reside o fato curioso, senão para- doxal: um estudo de ordem subjectiva se estruturar em certezas matemática­s e um modelo positivist­a lógico amparar os seus resultados em certezas não tão absolutas. Literatura cientí ica e paradoxos à parte, quando avaliamos as notícias sobre as mentiras, as corrupções e todos os tipos de descalabro­s vividos por nós, notamos que os meios que as divulgam muitas vezes se antecedem às investigaç­ões policiais e raramente se equivocam. Aqui, embora possamos encontrar uma grande parte de pessoas torcendo para que o barco faça água, acredito que eu e a minha meia dúzia de leitores, lá no fundo, torcemos para que, ao inal das investigaç­ões, as denúncias não se con irmem. Poderíamos, assim, continuar sonhando com o utópico mundo que desejamos. Mas, se fôssemos todos jornalista­s, enquanto os fatos continuass­em a con irmar a actual realidade e esses utópicos sonhos não se realizasse­m, faríamos as nossas reportagen­s denunciado­ras com o seguinte título: Como não queríamos demonstrar - Q.N.E.D - Quod Non Erat Demonstran­dum. * Escritor e professor aposentado da UFRRJ (autor dos livros: "De escritores, fantasmas e mortos"; "Meu pseudónimo e eu"; "A bicha e a ila"; "A ressurreiç­ão" e "O espelho.

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Spinoza

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