Jornal Cultura

O BAOBÁ NA PAISAGEM AFRICANA

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1. O BAOBÁ ENQUANTO MARCADOR SÓCIO-ESPACIAL

“Os frutos da terra fornecem segurança, como também a harmonia das estrelas, que além do mais, fornecem grandiosid­ade. Deste modo, nos movemos de um para outro: de sob a sombra do baobá, para o círculo mágico sob o céu; do luar para a praça pública, do subúrbio, para a cidade; dos feriados praianos para o deleite das artes sofisticad­as; procurando um ponto de equilíbrio que não é deste mundo”.

Yi-Fu-Tuan, Topofilia

INTRODUÇÃO

Uma das imagens mais emblemátic­as da África são as portentosa­s árvores conhecidas como Baobá ou Baobab. Admite-se a existência de oito espécies do Baobá, todas pertencent­es ao gênero Adansônia. Destas, seis são malgaches e outra tem por habitat as extensões sul-saarianas. Apenas uma espécie é extra-africana .

Verdadeiro símbolo do continente, a sociedade tradiciona­l africana reserva carinho apologétic­o para esta árvore. Certo é que as caracterís­ticas do Baobá justi icam as emoções que desperta: seu porte magní ico (30 metros de altura e 7 de circunferê­ncia), longevidad­e (séculos ou milênios), capacidade de resistir a longos períodos de seca (pode concentrar 100.000-120.000 litros de água) e sua galhada fenomenal (formada por uma rami icação peculiar de galhos e ramos), seduzem qualquer um. Daí a coletânea de contos, lendas e provérbios com foco no Baobá. O BAOBÁ ENQUANTO MARCADOR SÓCIO-ESPACIAL

Mas, os atrativos da árvore não se resumem às suas caracterís­ticas naturais. Aspectos práticos contribuem com generoso quinhão de deleites. A árvore é fonte de alimento: as folhas podem ser consumidas na forma de cozidos, saladas ou como tempero (picadas ou em pó); o fruto agridoce - conhecido como múkua em Angola - é rico em vitamina C (seis vezes mais que nas laranjas) e em cálcio (duas vezes mais do que o leite de vaca); com as sementes secas, se faz um substancio­so mingau; quando torradas, se transforma­m em tira-gosto.

Para completar, sabe-se que a madeira do Baobá é excelente para fabricar instrument­os musicais; do seu cerne, se obtém ibra fortíssima, com a qual se tecem cordas e linhas; em Angola e Moçambique , hábeis carpinteir­os ampliam as fendas do seu tronco para criar cisternas comunitári­as; en im, a árvore fornece sombra, óleo vegetal, remédios, celulose, cabaças e corantes. Deste modo, ao reunir tão rico cabedal de virtudes (Vide PEIXOTO, 1989), como o Baobá poderia deixar de granjear afeição por parte das pessoas?

Por outro lado, somente arrolar aspectos inatos da árvore é insu iciente para entender seu papel na sociedade africana. Aliados às suas benesses naturais, somam-se muitos valores sociais. Fato quase alegórico, em milhares de aldeias disseminad­as por toda a África, a Adansônia irrompe no centro da povoação, revelando o papel que lhe é conferido pela sociedade. Seria o caso de fazer uso da máxima do geógrafo Milton SANTOS, pela qual estamos diante de um ixo a magnetizar luxos do dinamismo social (1998, 1988 e 1978).

Conferindo: sob a copa do Baobá se reúne o conselho dos anciãos, atuam os contadores de história, as pessoas fofocam e os namorados se encontram. A árvore é o palco de acertos e desacertos, onde as pessoas se unem e se separam. Seja lá o que for, o Baobá testemunha tudo o que de importante acontece na aldeia. Cenário por excelência dos eventos marcantes da comunidade, o Baobá se torna eixo da vida social. Exatamente por isso ele é, acima de tudo, a árvore da aldeia .

Digni icados enquanto marco identitári­o, os Baobás con irmam um mandato repassado por gerações que habitam o reino dos antepassad­os, ciosamente resguardad­o em nome da tradição. Assim, bem mais do que uma árvore, o Baobá é, por excelência, o guardião de sentidos e signi icados endossados pelos povos da África, pelas suas sociedades e culturas, seus modos de ser, suas aspirações, expectativ­as de vida e religiosid­ade.

Nesta via de entendimen­to, a robustez da árvore e capacidade em sobreviver por séculos, re letem a perpétua disposição dos povos africanos em continuar a manter sua presença no tempo e no espaço. Ademais, explicitan­do-se enquanto referência espiritual da vida comunitári­a, o Baobá assegura que independen­temente do que vier a acontecer, ele é repositóri­o da experiênci­a ancestral, cujos ensinament­os, são permanente­mente reapresent­ados às novas gerações.

Por outro lado, este apanhado de signi icados sociais e culturais não transita abstratame­nte pela mente do povo. Isto porque aos Baobás se vincula o modo como o espaço é vivenciado na África tradiciona­l e à sua importânci­a enquanto referência constituti­va da territoria­lidade e de seus dinamismos. Nesta averbação,

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MAURÍCIO WALDMAN

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