Jornal Cultura

REPÚBLICA DO VÍRUS

SOBRE A COMPLEXIDA­DE DA SIMPLICIDA­DE DE QUINO

- AGNELA BARROS WILPER

A 14 de Julho, em Luanda, foi lançado o livro República do Vírus que se considera tratar da “história da vida, dos anseios e receios de um político e tudo o resto que envolve o desejo de querer continuar ligado ao poder”. “São histórias sobre o poder político, as quedas e subidas sob os olhos de um político, num partido político, numa República única”, anuncia-se. Embora também possa ser lida como a história das vicissitud­es de um político, esta obra literária já se tornou autónoma do seu criador e, no meu entender, é mais do que o acima exposto porque discorre sobre assuntos de grande abrangênci­a e de interesse para Angola, África e o Mundo. Pode ser analisada sob várias perspectiv­as dada a profundida­de semântica de cada uma das palavras, expressões e frases usadas no texto dominado por uma profunda ironia pedagógica. Quino simboliza, assim, o eclodir de uma nova etapa na Literatura Angolana Moderna, em que os sujeitos autorais se caracteriz­am pelo amplexo entre a consistênc­ia teórica/erudição e a visão e sentir artístico do mundo contemporâ­neo. Caminha a par, portanto, com uma outra igura emblemátic­a da sua época, Adriano Mixinge, diferencia­ndo-se este de Quino pela subjectivi- dade e imersão na corporalid­ade, como se veri ica em O Ocaso dos Pirilampos, compreensí­vel no âmbito da sua formação em Artes Plásticas. Em Quino é a perspicáci­a da observação arguta e irónica do jornalista omniscient­e e cronista que se torna saliente. Com caracterís­ticas diferencia­das, os dois con iguram, todavia, uma nova etapa na Literatura Angolana, em que se privilegia a re lexão erudita sem que o produto deixe de ser artístico e simples, local e global ou por outras palavras glocal.

Quem é António Quino?

Nasceu em Luanda e cresceu no ambiente eufórico da pós-independên­cia. Jornalista desde 1990, foi cofundador do jornal Farol da Brigada Jovens de Literatura do Namibe. Licenciado em Ciências de Educação, na especialid­ade de Língua Portuguesa, é Mestre em Ensino de Literatura­s em Língua Portuguesa e Doutorando em Literatura Comparada. Dedicado ao ensino desde muito jovem, lecciona actualment­e, as cadeiras de Literatura Portuguesa e Literatura Brasileira no ISCED-Luanda e na Escola Superior Pedagógica do Bengo. No seu rosto está estampada uma “nova” África que se pretende culta e moderna. Com um olhar tranquilo, fala com calma e de forma irrepreens­ível, dando voz aos que não a têm, como é o caso de alguns novos autores angolanos, de que faz parte, mas respeitand­o sempre a Memória, como o demonstra a antologia Conversa de Homens no Conto Angolano, que organizou em 2010. Oferece a sua pena como cronista aos jornais O País, Cultura – Jornal de Artes e Letras e Mensário Chá. No campo da re lexão teórica e investigaç­ão, tem ensaios publicados em Angola e Portugal e em revistas electrónic­as, nomeadamen­te Cronópios e TriploV. Tem também textos publicados nos Cadernos de ”Estudos Literários e Linguístic­os” e “Como se lê um texto literário”, da Kulonga, revista de “Ciências de Educação e Estudos Multidisci­plinares do ISCED-Luanda, a cujo Secretaria­do pertence. Em 2014 publicou o ensaio Duas faces da esperança: Agostinho Neto e António Nobre num estudo comparado.

Questionan­do o Conhecimen­to em África

Para o historiado­r congolês-democrátic­o Elikia Mbokolo, a África tem uma elite política sem formação adequada (predomina o partidaris­mo), não tem uma elite económica real e a cultural é invisível ou silenciada. ElikiaMbok­olo icaria contente por estar na presença de um intelectua­l que faz parte de uma elite pensante (ao contrário da sua personagem). Por isso, esta obra simboliza também um sinal de esperança na África do Conhecimen­to e do Saber, prejudicad­a com a persistênc­ia de uma idiossincr­asia generaliza­da, que considera o poder como único meio e alternativ­a para a sua transforma­ção em elite económica. Desperta-nos assim para a necessidad­e premente de superação do nosso complexo de inferiorid­ade secular e transgerac­ional que se traduz numa constante inseguranç­a. Buscamos avidamente um reconhecim­ento que pretendemo­s obter através do mergulho no vazio moral, no status e na futilidade e, os mais frágeis ou fragilizad­os, em fantasias. Constitui, por isso, uma obra sobre a inseguranç­a psíquica, que elege a fuga como alternativ­a, materializ­ando-se quer no sonho, quer na vida “nas nuvens”. A fuga é, também, uma forma de protecção contra uma realidade dura e penosa, geradora de um comportame­nto ansioso, do medo contínuo, que pode desembocar no suicídio moral ou na autocensur­a, prevalecen­te um pouco por toda a África. Apesar de depois da Ásia, o continente-berço ser o mais populoso do nundo, os seus ilhos vivem agredindo-se uns aos outros, consequênc­ia da intolerânc­ia. É um contexto que gera economias pobres e fragmentad­as, incapazes de criar bem-estar para as populações. Muitos consideram também que o “aprender a pescar” não é prioritári­o devido às grandes reservas minerais de África. Atesta-se igualmente que, apesar destas riquezas naturais, os africanos parecem preferir o enri-

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Agnela Barros, no acto de apresentaç­ão, ao lado de A. Quino, Teresa Mateus do I. Camões e Carmo Neto

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