O PODER MULTIFUNCIONAL DOS NOSSOS CINEMAS
Os cinemas de Angola são o re lexo da história do país; neles tiveram palco os grandes espectáculos, as grandes estreias, o entretenimento e a propaganda de um regime colonial”
Há três anos, regressei ao país depois de 12 anos de ausência e a saudade de tudo que vivenciei era tão grande que uma das primeiras coisas que iz foi passear pela cidade a pé, revisitando todos os lugares onde fui feliz na minha infância e adolescência. Comecei pelos lugares mais próximos e marcantes tal como o Ferrovia de Luanda, onde muito brinquei e joguei e, para minha triste surpresa, mesmo ao lado, o meu querido cinema Kipaka já não atraía com o seu telão gigantesco, porque já lá não marcava presença e, pior, foi substituído por um edi ícioonde agora funciona um banco. Chorei de tristeza e de raiva e, mesmo que ela seja a última a morrer, a esperança de possivelmente assistir mais um ilme naquele espaço já não existia. A última recordação que eu tenho de assistir um bom ilme num cinema tipicamente angolano foi no inal dos anos 90, quando um grupo de empreendedores brasileiros trouxe os melhores ilmes da época para o Cine Atlântico. Durou pouco, mas deu para reviver os tempos de inocência em que as raras telas colossais exigiam respeito e de nós, espectadores, quase recebiam uma vénia de tão majestosas.
Em Abril do corrente ano, foi lançado um livro que tenho a honra de ter e, quando folho página a página, o aperto no coração é inevitável pois inclui imagens do estado actual dos nossos cinemas da época colonial ANGOLA CINEMAS é um livro que todo o angolano deve ter para melhor conhecer a beleza da arquitecturados cinemas que um dia alegraram os se- rões dos nossos ancestrais e orgulhome por ter ido a tempo de passar pelo mesmo. Um livro que honra a arquitectura fantástica, única e desconhecida dos cinemas de Angola com autoria de Walter Fernandes e Miguel Hurst, com o apoio do Goethe-Isntitut,que realiza às terças-feiras noites de cinema no terraço na Universidade Lusíada em Luanda e que tem vindo a preocupar-se com questões sobre o desenvolvimento , o crescimento, o futuro, mas também sobre o passado, sobre os limites do crescimento e sobre o património cultural.
“Cinemas, teatros, tertúlias, palcos de informação, de entretenimento, espaços activos de cidadania, de contacto directo com a realidade dos tempos e com o futuro que se deseja. Os cinemas de Angola são o re lexo da história do país; neles tiveram palco os grandes espectáculos, as grandes estreias, o entretenimento e a propaganda de um regime colonial”.Estas são as palavras do livro que achei fundamental partilhar, mostrando o po- der multifuncional dos nossos cinemas. Filmes e actividades culturais sempre izeram parte deles, mas o que mais me fascina é a originalidade, pois cinemas como os nossos não existem em lado nenhum, e volto a tocar no aspecto do turismo o que é inevitável. Infelizmente, salvar estas salas de cinema e espectáculo não parece estar no interesse de quem tem o poder de as salvar.
O Cine Atlântico,o Cine Tropical,o Cine São Paulo e o Cine Nacional, em Luanda, ainda nos dão o prazer de sustentar alguns eventos culturais, mas não estão completos, pois não passam ilmes bons. O facto de termos cinemas de espaço aberto fazendo jus ao nosso clima tropical faz toda a diferença e dá impressão que quase ninguém nota o esplendor dos mesmos. Se eu fosse multi-milionária, podem ter a certeza de que punha as mãos nestes tesouros e fazia com que eles passassem os últimos lançamentos a nível mundial, deliciando os moradores de todos os bairros da cidade, que hoje sentem-se traídos quando obrigados a viajar bem longe para poder assistir um bom ilme. Temos salas de cinema modernas, em novos edi ícios, na sua maioria centros comerciais, o que é bom e essencial, mas remodelar e modernizar uma estrutura que é tudo menos a cópia do que já existe lá fora, é para nós bem melhor. O que acontecerá com o antigo Cinema Restauração(actual Assembleia Nacional) quando a futura e bela Assembleia for inaugurada? Não me importava nada se voltasse ao que era antes e ganhasse o nome deCine Assembleia. O Cine Miramar quase que não dá a chance de alguém mirar a bela paisagem do Porto e da Baía de Luanda. Tive o prazer de, enquanto criança, assistir ilmes no Cine Impala, na Província do Namibe, que felizmente se encontra em bom estado e, não fugindo da mesma cidade, o Cine Estúdio que nunca foi terminado e muito menos usado como equipamento cultural, é para mim dos mais belos parecendo uma nave espacial acabada de aterrar no meio do deserto que pelo menos tem em curso um projecto de reabilitação. Mas, en im, o que eu quero alertar é para a capacidade de gerar mais emprego e, ao mesmo tempo, entretenimento para todos, mas faltam verbas, interesse ou inteligência para fazer destes edi ícios muito mais do que mutilados de guerra atirados à sorte? Salas modernas temos e, quanto mais se constrói, maior acredito será o desinteresse em vestir as que actualmente estão despidas. Confesso que espero estar enganada e que, secretamente, alguém, algures, que tenha o poder económico e criativo para voltar a dar vida a estas salas, nos possa trazer de volta algo com assinatura nacional que são os nossos cinemas.
O livro “ANGOLA CINEMAS” está disponível, por enquanto, no Goethe Institutem Luanda.