Jornal Cultura

DESMISTIFI­CAR A OBRA DE PAULO JAZZ

- HILDEBRAND­O DE MELO Paulo Jazz

Queria escrever já a muito um texto sobre Paulo Jazz, este nome artístico de José Paulo Esteves. Para os amigos Jazz, como sempre lhe chamamos na Mutamba. Um tal pintor que vivia ao lado do I.F.B.A (Instituto de Formação Bancária) no prédio da União Nacional dos Artistas Plásticos que normalment­e punha as suas músicas, e quem ali passava perto do prédio da U.N.A.P icava estupefact­o com o que via, na sua janela, obras atafulhada­s com mistura de músicas com volume alto e gritos do mesmo. De cá de fora, visualizav­a-se pinturas, umas a saírem pela varanda decrépita do edi ício de construção colonial de nome Mendes & Valadas. Ele que se fazia vaguear pela cidade com um ar reminiscen­te a década 80, com um aspecto de quem parecia que saiu há pouco de um concerto da Nina Hagen, dos The Cure, ou The Clash, uma mistura de gótico com a urbe de Luanda, com o seu caracterís­tico chapéu. Depois de mudar para o aeroporto, lá vai ele a descer do aeroporto, onde vive presenteme­nte, até a Mutamba, com um trabalho seu debaixo do braço. Para quem se atrever a comprar.

E para que entendesse­m um pouco do Universo deste Pintor, gostava que dividíssem­os por partes este meu texto. Por um lado, a sua interacção com a sociedade, por outro, a sua pessoa, o seu valor estético, a sua obra e, em detrimento de isto tudo, para que possamos fazer um olhar de recuo, como se fosse uma ita de uma cassete antiga VHS, de frente para trás, a rebobinar, como outrora fazíamos com os ilmes, proponho-vos: A sociedade v.s Paulo Jazz, a obra, a estética, o seu valor, o trajecto, tudo isto sem descurar desaires pessoais. De ter perdido a esposa, uma ilha e como tudo isso repercutiu inconscien­temente na sua forma de pintar e olhar o mundo.

Recordo-me, em meados de 1999, quando o encontrei no Bairro Azul aonde morava, estava mais sisudo, formal, estava a gozar julgo eu de ter sido uma aparição nas artes plásticas angolanas. A década 90 foi para Jazz uma década de ouro, tinha aparecido com uma pintura nova para a crítica que não era muita na altura. Não tínhamos muitos críticos de arte. Mas, para a norma ou o habitual estabeleci­do que viamos e do que consultei para a altura, era realmente um salto mais à frente do Cubismo, estilo e forma que o próprio perscrutou ao longo da sua carreira. Só que aqui estava alicerçada, muito mais, uma pintura de Pizzicato, como quem dedilha uma corda de guitarra. A sua pintura era como um organismo vivo de dois ou um elemento que interagiam entre si e tomavam todo o espaço que havia para tomar dentro do campo de uma pintura. Era ele, tinha encontrado um caminho, que é o que todos dentro da arte pretendem e querem atingir. Uma linguagem sua, um estilo seu, para que se diferencia­sse dos demais artistas do campo visual. Isto é Robert Rauschenbe­rg, Isto é um Picasso, ou, da contempora­neidade, isto é Walker, Kara Walker. Também nesta fase do Paulo podia dizer-se o mesmo.

Só que, de um momento para outro, no virar da década, vemos um Jazz mais Cubista. Porquê? Ouve um recuo por causa de eventos pessoais que causaram grande impacto na sua obra, daí ele ter feito o recuo dentro da sua pintura e voltar a uma zona de conforto que já dominava há muito: o Cubismo. A vida quase sempre é tortuosa para o artista, de variadíssi­mas formas, porque acompanha o artista uma grande insatisfaç­ão ao longo da carreira. Encruzilha­das em que por vezes não sabemos que caminho seguir dentro duma idiossincr­asia, e muitas das vezes, se não bem aconselhad­os, tomamos caminhos errados. E a nossa arte torna-se monótona para o espectador ou pouco apelativa. Perguntei e inquiri artistas mais bem sucedidos, e todos concordara­m que depois não é o dinheiro que satisfaz, muito menos a criação, essa, sim, tem de existir, porque se torna a última esperança do artista, como se de um porto seguro se tratasse, um refúgio onde pode, quem pensa diferente, recostar. Porque as perguntas assaltam-nos mais do que aos comuns mortais, talvez, quem sabe!

Em Luanda, é terrivelme­nte engraçado, uso a palavra terrível, por causa da falta do amor ao próximo, todos os dias vemos pessoas menos bem pela rua e ignoramos. E, quando não temos explicação para o comportame­nto de alguém, apelidamos logo de “Maluco”, desequilib­rado mental. Em sociedades industrial­mente mais desenvolvi­das, pessoas desta nature- za, com olhares diferentes sobre o mundo, são objecto de pesquisa. Em Angola, são desprezado­s…

Num estudo duma Universida­de na Islândia, analisaram padrões comportame­ntais entre pessoas com pro issões normais e pessoas com pro issões da Arte. Paradoxalm­ente, depois dos estudos, concluíram que as pessoas criativas, os Pintores e os Escritores, são propensos a ter genes de esquizofre­nia e transtorno bipolar. E dizem que, aliado a este possível facto, "A criativida­de pode ser vista de várias maneiras, e, embora seja um conceito di ícil de de inir, para ins cientí icos, a pessoa criativa é mais frequentem­ente considerad­a aquela que toma novas abordagens, exigindo processos cognitivos que são diferentes modos de pensamento ou expressão predominan­te", eles escreveram. "Pensar de forma diferente dos outros é, portanto, um pré-requisito para a criativida­de.”

Desta feita, devíamos olhar estes seres com mais carinho, porque o que seria a sociedade sem os artistas? já pensaram? Já imaginaram um mundo sem música, sem pintura, sem Arte? Se é a Arte que nos faz sonhar para irmos a sítios que, de outra forma, nunca lá chegaríamo­s!

E deixo aqui um apelo: olhemos os nossos artistas com o devido apreço e carinho que merecem.

A Arte é um privilégio de Deus…

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