Jornal Cultura

PALÁCIO DE FERRO IMÓVEL COM CARÁCTER DE EXCEPÇÃO

Imóvel com carácter de excepção

- EMANUEL CABOCO

Com o desenvolvi­mento urbano desaparece­ram de Luanda muitas construçõe­s antigas e notáveis que historiava­m a evolução da arquitectu­ra e a vida citadina no decurso de alguns séculos. Ou seja, desaparece­ram os edi ícios representa­tivos de cada época e de cada estilo arquitectó­nico que ofereciam um panorama contínuo e completo do passado de Luanda.

Muitas dessas obras já se perderam para sempre, sacrificad­as a interesses restritos ou a conveniênc­ias de ocasião!

Por casualidad­e da sorte, icou ainda de pé até agora um edi ício singular, que é, justamente, o exemplar mais valioso de um período histórico e de um tipo novo da técnica de construir, correspond­ente à segunda metade do século XIX.

É conhecido por “Palácio de Ferro” e situa-se na zona baixa da cidade de Luanda entre as Ruas Major Kanhangulu e Engrácia Fragoso.Trata-se de um imóvel de dois pisos, de planta rectangula­r, com varandas circundant­es e escadas exteriores.Todo ele construído em ferro, não exceptuand­o mais do que algumas obras acessórias, como sejam o pavimento do piso superior os tectos.

A sua origem é um tanto vaga. Parece que serviu como pavilhão numa Exposição Internacio­nal em París (1900) e que, posteriorm­ente, foi adquirido por uma irma comercial de Luanda, que aqui o mandou reconstrui­r (montar) e o utilizou para as suas actividade­s.

Pode-se a irmar que, pelas suas caracterís­ticas, pela sua contextura e pela sua singularid­ade, é uma obra de arquitectu­ra única no seu género, de que não há modelo similar, pelo menos em Angola. Isso justi ica já, plenamente, o interesse que vem sendo manifestad­o pela sua conservaçã­o e preservaçã­o.

Na verdade, o Palácio de Ferro, é o exemplar típico, senão mesmo, o mais representa­tivo que temos de uma época histórica e de um sistema construtiv­o que de inem um período e um estilo diferencia­dos na evolução da arquitectu­ra.

Durante muitos séculos, a arte de construir baseou-se, como se sabe, no emprego de pedra e do tijolo, em obras de cantaria e alvenaria, que tinham como elementos de suporte as paredes e pilares maciços e volumosos.Eram desta natureza e deste tipo, na generalida­de, as construçõe­s antigas de Luanda, de que ainda se podem aqui observar alguns exemplares dos séculos passados.

Contudo, os estilos arquitectó­nicos evoluíam e sucediam-se através dos tempos, mas o sistema construtiv­o mantinha-se e parecia insubstitu­ível. Essa linha de continuida­de, porém, foi quebrada no século XIX. Com a chamada “Revolução Industrial”, que num crescendo irreprimív­el vinha desbancand­o desde o inal do século anterior a produção artesanal e os o ícios manuais, operou-se também uma “revolução técnica” de efeitos surpreende­ntes.

Essas duas revoluções abalaram profundame­nte os sistemas tradiciona­is de vida das sociedades, re lectindo-se avassalado­ramente nos campos económico e social e em muitos outros aspectos das actividade­s humanas.Também a construção sofreu o impacto renovador desse movimento revolucion­ário, que abriu uma nova era para a Humanidade (que, infelizmen­te, não apresenta só valores positivos).

Os novos processos tecnológic­os criaram outros sistemas construtiv­os, com a invenção da pré-fabricação e o predomínio dos metais.

E aos velhos métodos tradiciona­is de construção em maciços sucedeu a construção estrutural, com esqueletos resistente­s de ferro, industrial­izados e amovíveis.

Assim, surgiu um novo período para a Arquitectu­ra.

Em meados do século passado começaram a edi icar-se as construçõe­s de ferro, montadas nos locais próprios com peças pré-fabricadas e desmontáve­is.

A fabricação em série, a resistênci­a e as possibzxil­idades de mobilidade permitiu que, este processo construtiv­o, se expandisse por todo o mundo.

Também para Angola vieram parar alguns exemplares de edi ícios de estrutura metálica, mas nunca este tipo de construção teve aqui grande incremento, talvez por não poder competir com o sistema tradiciona­l, certamente, mais económico.

O mais grandioso e também o mais belo de todos os que ainda subsistem (e já são raros) é, precisamen­te, o “Palácio de Ferro”. Um outro imóvel com estas caracterís­ticas acabou incendiado recentemen­te (Edi ício do antigo Cabo Submarino, em Benguela).

Ele é, efectivame­nte, o espécime representa­tivo ou se quisermos o ícone principal daquela fase revolucion­ária da construção e da arquitectu­ra, original e caracterís­tica do progresso técnico.

Pode dizer-se que é um modelo único em Angola do tipo de arquitectu­ra universali­sta da segunda metade do século XIX e do princípio do século XX. Do mesmo modo, pode considerar-se o exemplo que assinala uma época da evolução arquitectu­ral de Luanda.

É de notar que, a par da concepção técnica, de natureza utilitária e funcional, todo o edi ício foi ideado com acentuado sentido artístico, apropriado ao material adoptado. Todo ele está valorizado com profusa orna- mentação metálica, especialme­nte a escadeira principal e o remate central do frontispíc­io.

Tais fundamento­s de inem o valor intrínseco­e excepciona­l do “Palácio de Ferro”, tornando-se evidente a necessidad­e e, diríamos mesmo, conveniênc­ia de se salvaguard­ar essa notável obra arquitectu­ral que enriquece o património histórico da cidade.

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