JAHAZI ZANZIBAR CELEBRA JAZZ & POESIA
ZANZIBAR FESTEJA POESIA E JAZZ
Jahazi é o nome em Swahili de um barco grande, dos muitos que ancoram na imensa costa da ilha de Zanzibar, o olho verde e azul da Tanzânia. Foi essa embarcação que inspirou Abeid A. Karume a fundar o Festival com o mesmo nome que, todos os anos, desde 2010, tem lugar em Stone Town (a cidade da pedra), um lugar maravilhoso e diluído na maresia e na lentidão com que as mulheres caminham, todas as manhãs, em grupos de sete ou oito, com os lenços quase tapando o rosto e vestidas até aos pés segundo a lei do Islão, pelas areias iníssimas da maré baixa, a recolher algas e búzios. Foi em Stone Town, no dia 28 de Agosto, que Salif Keita, em plena noite de lua cheia, subiu ao palco do velho an iteatro do Forte Velho, para chamar os espíritos que navegam na cabaça grande da kora, com a sua voz de imperador da canção maliana, na abertura da 5ª edição do JAHIZI, o festival de Jazz e poesia de Zanzibar.
Ojazz é uma música que acontece num outro plano existencial: o dos êmbolos que movem o mundo com o seu óleo de feijão queimado sob um tropel de elefantes brancos de papel. O jazz é uma coisa que está para acontecer no tempo dos nossos avós. É uma trovoada no coração do próprio coração. Argumento anti-filosófico. Vê-se no dueto entre o saxofone de Briam Mugenyi e a voz de Damian Soul, voz de água escavando pedrinhas translúcidas.
Carl Winter teceu, no piano, a linha estruturante onde se equilibraram, em plena noite de lua cheia, patos de canela verde a voar num restaurante do tamanho do dedo de Deus imensíssimo, comboios de marcadorias invisíveis, chiando nos carris da alma de Eric, do grupo Café Central. Este Eric sopra o saxo e o metal explode pássaros de espuma branca. O órgão de Carl lateja anjos acordados numa manhã de sol. O baixo reescreve mapas subterrâneos enquanto a bateria sacode a roupa das lavadeiras nas pedras noctívagas do velho anfiteatro do Forte Velho de Stone Town.
A viola baixo acústica debitou no palco uma sonoridade esquizofrénica, perante a velocidade furiosa dos eléctrons acústicos do saxo de Simon Spang. O jazz demais repetitivo fustiga o equilíbrio hormonal das estações, é como um engarrafamento em Nova Iorque.
Foi quando chegou o imperador maliano da música, SALIF KEITA, e a sua banda que trazia a kora e o ngoni, os ngomas e as guitarras acústicas. A voz de Keita é uma voz do sangue, exprime a dor de existir, de não querer, sendo, o sentimento de ser árvore à sombra de um povo. Quando Sali Keita canta processa-se uma revolução nas raízes da terra.
Abeid Karume chegou e entregou a Salif Keita o prémio Mohamed Ibrahim do festival, já a plateia toda tinha descido as escadas de pedra para ir dançar o mavioso som de “Yamore”.
LIVINGSTONE
O festival continuou no dia 29 de Agosto, em Livingstone, num restaurante ali perto do Forte Velho, esse velho castelo erigido pelos árabes Omani cerca do ano 1700, depois de expulsarem os portugueses que ali haviam implantado uma capela.
Desta feita, foi a vez de Anna Pauline, lançar no ar canções na sua voz que nadava como peixes no mar de sauvidade espontânea que escorria das teclas do piano sob as mãos de Mattias Vilsson. Um toque de piano que nos descastiga a mente e os ossos cansados de marchar pelos caminhos da Terra. Anna cantou canções de embalar em forma de jazz, crónicas de algum amor (im)possível, rostos de uma fome inaudita, uma viagem interminável nostalgia a pedir à Humanidade para não correr contra o tempo sobre e o piano, leite de ardósias subterrâneas.
O Índico, ali ao lado, escutava silencioso os acordes do piano e a voz de Anna, voz serena como uma planície de pequeninas lores que nunca mais acabam, como um cadeado de sol matinal que nunca se fecha.
Veio o miúdo do saxo, Brian Mugenyi, com a sua acústica penetrante, e pôs os anjos todos a voar entre as igueiras bravas. Juntou-se-lhe, o canto africano de Damien Soul.
E Abeid Karuma, com o seu chapéu de pescador roto que lhe dá um toque de guardião do templo do Sonho, sorria.