Jornal Cultura

POESIA DE CUBA Amilkar Feria Flores

-

(a) A vida pede ao meu corpo algo que ele não sabe fazer. Com um pouco de paciência, depois de pensá-lo várias vezes num atordoado labirinto de probabilid­ades, a cabeça encontra uma issura por onde se en iar, e sabe-se que, por onde passa a cabeça, o corpo passa. I Reconheço: sou tão humano como o cão que me guarda bruta lealdade, como a água que me sobe à cabeça (no lugar da fumaça) enquanto a Lua tira das minhas ideias, como o olhar irme que me devolve a mulher de cada manhã, como a terra que cede levemente à minha pegada, como a tripa inteligent­e que não me reconhece mais humano que o ar que respiro. III Desconhece-te, desobedece-te, esquece que um dia foste aquele que se conheceu e obedeceu pelo temor ao desconheci­mento e à desobediên­cia. Reconhecet­e esse outro lado, já sem temor, porque a sabedoria in inita e a desobediên­cia oportuna são recursos indispensá­veis para te conheceres melhor. IX Descobri um novo ponto no tecto, no céu. A olho nu não é possível determinar se setrata de uma estrela ou um insecto, mas algo arrasta-se até ao ponto e o engole. Também não posso precisar o que se arrasta com semelhante apetite, nem se tem patas ou pontas. Estou icando dormido. XI Foge, escapa enquanto puderes! Estão procurando-te para te matar! O homicida interior acordou com apetite, e não vacilará em espetar seu aço no próximo mais próximo: em ti, que só tens a ti mesmo. XIV Hoje amanheci resolvido a fazer qualquer coisa, ou melhor, qualquer outra coisa. Há coisas miseráveis e ruins que te fazem feliz. Outras, felizes, trazem o efeito contrário: “Se as coisas que a gente quer, fossem possíveis de alcançar, você ia me querer o mesmo que vinte anos atrás”. Por isso faço outras coisas.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola