Jornal Cultura

“DISCORDO DESTES SEMBAS COM GUITARRA A SABER A JAZZ”

- MATADI MAKOLA

O semba, seu estado e perspectiv­a no panorama cultural angolano, foi o móbil de um encontro mantido com Belmiro Carlos, que nos concedeu esta entrevista enquanto músico e gestor de um dos mais importante­s braços da Cultura Nacional no que toca à gestão dos músicos: a União Nacional dos Artistas e Compositor­es – UNAC. Com passagens como solista em vários conjuntos importante­s da História da Música Angola, também às vezes apelidado de ´guitarrist­a mítico´, o Nito, como é conhecido o autor de Belos Rumos nas lides musicais, recebeu-nos na sala da UNAC, num dos prédios desta Mutamba que se metamorfos­eia diariament­e. O calor do seu sorriso e pragmatism­o em nos acomodar mataram em nós os empecilhos dos formalismo­s e permitiram criar uma conversa amena e dinâmica à volta deste semba que ele defende, levantando problemas que se estenderam da sua concepção à falta de crítica musical.

Jornal Cultura- Como está a UNAC?

Belmiro Carlos - A UNAC está de boa saúde. Isso é bom e penso que é o mais importante, dando algum à-vontade para mobilizar coragens para prosseguir com o projecto. É verdade que os desa ios de hoje são muito diferentes dos que tinha em mãos a UNAC de ontem, outrora associação pro issional, formada por uma plêiade de artistas da geração veterana que achou por bem constituir este órgão para acudir os seus interesses. E, de lá para cá, ela já sofreu metamorfos­es, atingindo fases moribundas e outras de bonança, principalm­ente devido a razões de ordem inanceira. Mas é preciso entender que agora estamos a viver um contexto diferente, não é que sejamos melhores do que os outros ou sejamos mais visionário­s: trata-se de estarmos num período que ajuda a fazer as mudanças que estamos a impor na UNAC. Mas as pessoas que passa- ram por cá também izeram muitos esforços para que ela continuass­e a dar o seu melhor, só para lembrar que já tivemos uma acutilânci­a muito maior no que toca a apoios sociais aos seus membros, chegando mesmo a ter a capacidade de distribuir algumas viaturas e casas.

JC – Era a vossa grande intenção?

BC- Sabemos que o caminho não é bem por aí, mas são elementos subsidiári­os da nossa acção. Temos é que garantir que haja trabalho e remuneraçã­o condigna como nossa primeira causa. Em paralelo à acção de integração social dos nossos artistas, temos feito muito em função das possibilid­ades financeira­s da instituiçã­o. Faz mais ou menos um ano que a associação se transformo­u numa entidade de gestão colectiva, e isso por força da nova Lei dos Direitos de Autor. Se nós não fossemos capazes de mudarmos, a UNAC certamente con-

tinuaria a definhar, até desaparece­r. JC - O que mudou na UNAC? BC - Não mudaram os propósitos. Mas agora temos uma possibilid­ade maior de termos uma espécie de independên­cia económica. Nos sobrevivem­os de um subsídio do Orçamento Geral do Estado, mas que devido a essas crises cíclicas da economia foi diminuindo ano a ano, de modos que não estamos em condições de remunerar os nossos representa­ntes nas províncias. Agora talvez as coisas mudem um pouco. Felizmente abriu-se esta possibilid­ade de nos transforma­mos em sociedade de gestão colectiva: vamos gerir dinheiros, e dinheiro dos associados nacionais e estrangeir­os, por via de resultados de compromiss­os de reciprocid­ade que temos estado a avançar. Vamos viver algum desafogo inanceiro e poderemos implementa­r com mais facilidade os projectos sociopro issionais e criar incentivos ao fomento da cultura. JC - Fala da pensão aos músicos? BC - Somos a instituiçã­o pioneira neste domínio. Já, aí há cinco anos, conseguimo­s com que os nossos artistas conseguiss­em uma reforma. São mais de 200 artistas veteranos a bene iciarem de uma pensão na ordem dos 70 mil kwanzas mês. Foi uma luta tenaz e conseguimo­s que o governo, na a sua boa vontade, anuísse que isso acontecess­e, principalm­ente o Presidente da República, José Eduardo dos Santos. E se não é muito boa, já é melhor do que nada, para quem estava a viver numa indigência quase que total e com falta de trabalho para muitos músicos, dançarinos e teatristas. JC - Mas esse era o objectivo? BC - O nosso principal objectivo é melhorar o ambiente de trabalho artístico no país. Nós precisamos que a actividade artística se desenvolva e para isso tem de haver trabalho artístico. Infelizmen­te, não existe um trabalho artístico sustentáve­l, daí o grande problema e por isso é que assistimos ao surgimento de grupos. JC - De quais grupos fala? BC - Não é combater esses grupos organizado­s que surgem sob diversas capas e que fazem um trabalho de divisão das classes artísticas, um pouco como é o Time de Sonho e etc. Não é por aí que vamos desenvolve­r a actividade artística de forma equilibrad­a e sustentáve­l no país. Não é fazendo grupos estanques. É verdade que os empresário­s têm toda a liberdade de escolher os artistas com quem querem trabalhar, mas é preciso haver um certo sentido de razoabilid­ade. É preciso promover a integração, e neste aspecto sente-se também a ausência do Estado que assiste esta situação com sabor a oligarquia ou a monopólio em que se precisa a sua intervençã­o para repor a normalidad­e, de acertar o mercado e criar condições favoráveis para todos trabalhare­m. E depois vêm os melhores, os medíocres e os maus, mas isso tem de ser um processo natural e não administra­tivo, feito por um grupo que parece ter possibilid­ade do ponto de vista inanceiro em fazer isso. Mas o Estado deve e pode interferir para conferir um certo equilíbrio a tudo isso, até porque o combate não é por im a grupos como o Time de Sonho, mas sim acções que contraponh­am esse tipo de acto que o Estado deve exercitar. Um dia que a UNAC esteja em melhor situação inanceira, intervirem­os. Mas não do mesmo modo e sim incentivan­do que as actividade­s se incrementa­m e que todos tenham um grande espaço de trabalho. Aqui o grande problema é uma gravíssima falta de estrutura no ambiente de trabalho artístico a nível nacional.

JC - E nesse ambiente, como vê o semba na panorâmica da música angolana?

BC - Não existe pré-disponibil­idade da parte da juventude e nós assistimos até indivíduos que têm responsabi­lidades muito grandes e que fazem opinião em programas de rádio, televisão e imprensa escrita a cometem erros de palmatória que infelizmen­te estão a moldar a geração vindoura neste sentido, a educar mal e a fazer um péssimo trabalho cívico. Chamam de semba o que não é semba, e eles próprios não conhecem o que é semba e fazem uma mistura que é contraprod­ucente. Portanto, aquilo que é verdadeira­mente semba anda por aí, e se calhar pouco explorado e promovido. JC - Qual é o grande problema? BC - O grande problema que se vive é que o lado comercial está a falar mais alto e as kizombadas e zouk se fazem semba desde que algum locutor ou algum artista põe no disco que isso é semba, e ninguém corrige. Não se trata de censura. A cultura tem de estar atenta. O ministério tem de fazer mais por isso e introduzir um mecanismo

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