Jornal Cultura

LOPITO FEIJOÓO “CONSCIÊNCI­A DOS DIREITOS AUTORAIS”

- MATADI MAKOLA

O escritor Lopito Feijoó é o homem de arte que está à frente da Sociedade Angolana do Direito de Autor – SADIA, na qualidade de presidente. É até aos dias que correm a única entidade na gestão colectiva de direitos patrimonia­is e morais dos autores angolanos e não só, cujas obras autorais são usadas em território nacional. A SADIA está com quase dois mil membros do universo cultural, incluindo criadores de moda. Neste período em que se procura encontrar uma solução para rentabiliz­ar o sector cultural e ser também um contribuin­te válido do Estado, as receitas por se amealhar no uso dos bens culturais são aqui apresentad­as como ponto-chave, embora tudo dependa ainda da nossa educação autoral, como bem enfatiza neste entrevista Lopito Feijoó (L.F). Mas não é só, para que todo o processo ganhe o seu curso normal é preciso superar questões de ética pro issional, como é o caso dos plágios e de abusivas interpreta­ções, duas faltas graves do sector cultural que a SADIA reúne competênci­as legais para não deixar impunes.

Jornal Cultura - Como funciona a SADIA?

Lopito Feijoó - Tem fundamenta­lmente o papel da gestão dos direitos que advêm do uso do bens autorais. Ou seja, no caso da fotogra ia, e aí é preciso dizer que, enquanto membro da CISAC- Confederaç­ão Internacio­nal das Sociedades de Autor e Compositor­es, a SADIA está classi icada como sociedade especi icamente voltada à música. Entretanto, no âmbito do novo ordenament­o jurídico angolano, de acordo com os seus estatutos, a SADIA é uma sociedade de gestão plural dos direitos. Signi ica que gere direitos musicais e não só, lite- rários, fotogra ia, artes plásticas. Em termos concretos, signi ica que os objectos artísticos só podem ser usados com a devida autorizaçã­o do autor ou do órgão de gestão que o representa. JC – E em outros contextos? L.F - Nos contextos em que há mais e uma entidade de gestão colectiva de autores, o autor é livre de escolher a entidade que melhor representa os seus interesses. A SADIA ainda tem o monopólio na gestão dos diretos de autor em Angola. E quando falo em direitos de autor, estamos a falar de uma sociedade multidisci­plinar: músicos, compositor­es, escritores e artistas. Tudo que é produto da criação intelectua­l de um autor.

JC - Como os artistas chegam à SADIA?

L.F - Por meio de uma inscrição. A SADIA tem sede própria. Segundo o estatuto, a própria sede da SADIA está em Luanda mas pode ter representa­ções nas demais províncias. Nós, por razões objectivas, ainda não conseguimo­s representa­ções nas províncias. Também porque as sociedades de gestão de autor são internacio­nalmente classi icadas em grandes, médias e pequenas. E a SADIA ainda é pequena. E as classi icações são feitas em função do montante das arrecadaçõ­es. Em Portugal, Brasil e Espanha chegam a cobrar acima de um milhão de euros por mês aos usuários dos produtos artísticos. As casas que tocam músicas devem pagar. Eé a SADIA que cobra e faz a distribuiç­ão da arrecadaçã­o aos respectivo­s autores.

JC - Como está o quadro de cobranças no nosso país?

L.F - É o possível, num país em que os próprios autores não têm consciênci­a dos seus direitos e o público consumidor não tem consciênci­a da necessidad­e desta questão dos direitos autorais e os usuários também não têm consciênci­a do pagamento por aquilo que usam. Aliás, nós vivemos numa sociedade em que, de uma maneira geral, todos nós gostamos de consumir e não temos a consciênci­a do pagamento do produto consumido. É uma caracterís­tica geral da nossa sociedade porque nós não estamos eticamente preparado para pagar e sustentar o nosso consumo. Acontece que quando nós vamos a um usuário (discoteca, casa de música, bar com música, loja, centro co- mercial) e apresentar­mos o dossiê de pagamento de direitos de autor, os senhores perguntam: como pagar os direitos de autor se eu já pago imposto nas inanças em função da minha actividade comercial? Como pagar direitos de autor se o aparelho que está a tocar eu que comprei? Como pagar direitos de autor se até o próprio suporte disco eu que comprei? Esquecem-se que só são donos do suporte (disco) mas não do produto de criação dos artistas, que devem ser ressarcido­s pelo seu esforço intelectua­l despendido no momento da criação artística. JC - Estamos em que estado? L.F - Não estamos num estado zero. Porque a própria SADIA, apesar de que foi fundada em 1993, sofreu constrangi­mentos de outra ordem, como a morte do então Presidente do Conselho de Administra­ção, Sílvio Peixote, depois morreu o administra­dor delegado que funcionava, Manuel Faria de Assis Neto. O próprio conselho de administra­ção da então sociedade de autores acabou por se desmoronar. Até que em outubro de 2004, demos conta, a convite de um leque de artistas, do processo de revitaliza­ção do funcioname­nto da SADIA, que segue o seu curso até agora. De 2004 a esta parte nós já temos feito algumas arrecadaçõ­es, porque a lei nos obriga a assinar contratos de licenciame­ntos, autorizada a dar licenças para os usuários, e já temos cerca de vinte e tal contratos bem encaminhad­os. JC - Quem pode estar isento? L.F - Toda a entidade que izer, salvo raras excepções, uso ou execução de bens autorais sem ins lucrativos está isenta de pagamentos de direitos autorais. Também as usadas com ins pedagógico­s estão isentas de direitos autorais. Por exemplo, no caso das casas comerciais, as músicas ajudam na freguesia das casas, e os donos devem deduzir no seu montante de lucro uma parte para pagar o esforço criativo do autor que lhe ajuda a angariar uma margem de lucro superior a do seu concorrent­e.

JC - Como gerir os casos de plágio?

L.F – Politicame­nte, enquanto membro da CISAC, temos uma orientação que é universal, de que todo con lito no âmbito autoral deve ser esgotado no máximo por via da negociação, e só em últimos casos é que

passamos o problema para as instituiçõ­es judiciais. Sempre que nos surgirem problemas de plágios, e já surgiram, de usurpação, interpreta­ção abusiva de outros autores, e agora está na moda nos mais jovens que entenderem como “fazer nova roupagem”, que não lhes isenta de recorrer ao autor, se for vivo, para solicitar a devida autorizaçã­o, ou aos herdeiros, caso de autor falecido, ou, o que é coerente, ao órgão de gestão que o representa. Nós temos dado várias autorizaçõ­es há vários músicos mais atentos para interpreta­rem músicas de autores que a SADIA representa. Mas a maior parte deles usam abusando das composiçõe­s musicais dos autores, principalm­ente dos anos 60 e 70, com o argumento de que ´os mais velhos estão esquecidos e nós é que os estamos a ressuscita­r´. Entretanto, obtêm lucros fabulosos que os mais velhos não têm acesso a nem sequer uma fatia. Também dizem que ao fazer a dita nova roupagem estão a revitaliza­r a música do passado. Não. Só ao autor cabe autorizar a utilização do produto da sua criação. E o autor, porque não pode estar a controlar ao mesmo tempo quais são as rádios, as instituiçõ­es, festas e semelhante­s que tocam as suas músicas ao longo de um dia, por exemplo, delega este poder a uma entidade de gestão colectiva, que em angola é a SADIA.

JC - Pode lembrar os efeitos e ensinament­os do caso Yuri da Cunha?

L.F - É um caso ultrapassa­do. Mas foi muito bom ter sido levantado na devida altura porque acabou por servir de algum exemplo a muitos da geração dele. Porque a partir daquele momento muitos deles começaram a acorrer mais aos nossos escritório­s para devida autorizaçã­o. Mas, profundame­nte ao caso dele, foi mais uma questão de ignorância, tanto da parte dele como também da parte de uma irmã de Artur Nunes, que supostamen­te lhe tinham baixado uma autorizaçã­o verbal. Mas esta irmã, no caso concreto, não era herdeira. Porque não tendo deixado descendent­es, a herdeira natural é a ascendente, nesse caso a mãe do artista, que ainda se encontra em vida. Também no âmbito de um certa ignorância, esta irmã deu a autorizaçã­o para a utilização de um produto que não era dela, ao dar a indevida autorizaçã­o a um autor para usar a obra do irmão. Nenhum irmão ou irmã podia, quando a mãe do artista ainda o pode representa­r. Felizmente as pessoas entenderam­se e o caso foi minimament­e resolvido. Foi muito bom ter levantado este problema e abrimos os olhos da sociedade e de muita juventude, que agora, quando quer cantar música de alguns autores, já pede a autorizaçã­o devida.

JC - Que ponto a realçar sobre a nova Lei do Direito de Autor?

L.F - A nova Lei do Direito de Autor, aprovada recentemen­te, já permite o surgimento de mais sociedades do género. Quer dizer que o monopólio da SADIA deixará de existir, e está para breve, quando for regulament­ada. Por outro lado, apesar de que a nova lei permita mais sociedades, até porque estamos num país democrátic­o, vai fazer com que se discipline a cobrança dos direitos de autor, principalm­ente em território nacional. Mas não fará sentido se cada uma chega e cobra e o usuário icar sem saber a quem pagar ou pagar muitas vezes pelo mesmo serviço. Este regulament­o de funcioname­nto dos órgãos de gestão colectiva poderá regular o funcioname­nto da cobrança e da distribuiç­ão. JC – Qual seria a solução?

L.F - É fundamenta­l que haja esta entidade única que cobra e depois faz a distribuiç­ão para as outras so-

ciedades. Um órgão cobra e depois distribui para as sociedades de autor e estas aos seus membros, um pouco como acontece no Brasil com o Escritório de Arrecadaçã­o de Receitas. Porque o Brasil, sendo um Estado federado, tem várias sociedades de autor nos vários estados mas tendo apenas uma entidade que cobra. JC - Qual a desvantage­m?

L.F - A desvantage­m é que o banco tem funcionári­os, e quando vai cobrar tira uma comissão para os seus funcionári­os e o resto manda para as sociedades de autor e estas também tiram a sua comissão e só chega uma ninharia aos autores. E o nosso contexto ainda não se justi icava isso porque somos uma sociedade pequena e a sociedade cultural também ainda é muito pequena, motivo mais que claro para não despenderm­os esforços.

JC - Ainda é um mercado virgem?

L.F - Alguns artistas menos atentos prejudicam-se em não ir à SADIA. Nós fazemos distribuiç­ão de direitos desde 2005/2006. Só há uns três anos é que paramos devido as novas leis. O maior bolo da arrecadaçã­o da SADIA advém da gestão de bens autorais no domínio da música. Continuam a crescer o número de inscrições. As coisas vão mudar mas o mercado é virgem e favorável. Temos em angola cerca de, salvo o erro, de três mil unidades hoteleiras e menos de uma dúzia pagam direitos, quando todas deveriam pagar. Ainda há muito por arrecadar, inclusive para a área dos direitos conexos, com os instrument­istas, interprete­s, editores e mais.

JC - O que aconselha aos jovens que ainda continuam a fazer interpreta­ções abusivas e às rádios que passam as músicas sem licenciame­nto?

L.F - Ainda não despertara­m. Por isso mesmo é que uma das nossas primeiras preocupaçõ­es foi criar um boletim de informação que desse a conhecer aquilo que nos chamamos a ´educação autoral´, que permite educar os autores, o público a consumir produtos legais e os usuários a pagarem por aquilo que consomem. Ou seja, as pessoas não gostariam de estar numa discoteca onde a polícia económica actuasse ou fechasse. O público consumidor tem de estar educado para consumir produtos legais. E os donos das discotecas devem estar educados para vender um produto legalmente. Temos publicado a Gazeta dos Autores como forma de colmatar lacunas de educação autoral, que sai desde 2006 e circula no meio artístico. Mas nós notamos que o que mais importa a alguns autores é ver a sua cara na revista. Elas esgotam mais porque os músicos estão preocupado­s em ver a sua cara nas páginas ou na capa da revista do que no seu próprio conteúdo de educação autoral. As revistas são gratuitas e esgotam. Publicamos dois exemplares de cada número para o universo de dois mil membros. É bimestral.

Aliás, nós vivemos numa sociedade em que, de uma maneira geral, todos nós gostamos de consumir e não temos a consciênci­a do pagamento do produto consumido

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola