A DINÂMICA SOCIAL DE ANGOLA EM 1943 2. O pré nacionalismo como etapa histórica
Em Luanda, entre os colonos foram criados alguns clubes de convívio marcados pela região portuguesa de origem dos seus promotores, em geral destinados a almoços e jantares de confraternização, bailes e comemorações pessoais. Um deles, o Transmontano, ganhou destaque por possuir boas instalações para festas, abertas até a grupos estudantis com boa participação angolana. Porém, de forma mais alargada para os angolanos, as diferenças situam-se a nível da classe social. A pequena classe média participa, sobretudo, nas atividades recreativas dos clubes desportivos ou junta-se nas datas comemorativas em casas de famílias com mais recursos. As camadas de baixo rendimento, habitantes dos muceques, convergem neste plano para clubes ou espaços do Bairro Operário, onde por vezes surgem pequenas bandas locais e onde conjuntos depois muito reputados, como o Ngola Ritmos, izeram seu aprendizado.
A soma de todos estes centros recreativos produzia ins de semana muito animados e boa conexão aos sucessos musicais mundiais, graças às emissões dos radio clubes (a Radio Angola-Emissora O icial só será criada na década seguinte), contexto assinalável também nas outras sete cidades da Angola-1943: Nova Lisboa, Sá da Bandeira, Lobito, Benguela, Silva Porto, Malange e Moçamedes (hoje Namibe).
Com incidência nas diversas a irmações de angolanidade em zona urbana – inclusive na própria diversidade de de inições, umas mais racializadas, outras menos - o Clube Atlético de Luanda era o mais visível. Nas referidas conversas da década de 1960, José Rocha de Abreu apontounos exemplos de atitudes culturais, resistências em pequenos detalhes do cotidiano por parte de sócios, dirigentes ou atletas do clube, entre os quais um pequeno grupo, ou até a nível individual, agiam politicamente com muita precaução mas e icazes nos seus círculos de relacionamento. O Clube Ferroviário, sustentado pela Direção Provincial dos Serviços de Portos Caminhos de Ferro e Transportes, dirigido por brancos, manteve-se aberto a atletas negros, ao contrário de alguns clubes – iliais dos metropolitanos, como o Ben ica – que limitavam, evitavam ou até rejeitavam negros.
Esta discriminação em Benguela pelo Ben ica local levou – ainda segundo Abreu – à formação de novo clube com símbolos e equipamento em preto e branco. O assunto tornouse motivo de polêmica publica e interrogações da administração colonial, de tal forma que para conseguir a legalização, os promotores do clube deram-lhe o nome de Portugal (atualmente Nacional de Benguela). No vizinho Lobito, o equivalente ao Ferroviário de Luanda (Lobito Sports Clube) adotava política racial discriminatória, como o Ferrovia de Nova Lisboa.
Nos muceques de Luanda, em 1943 vários clubes recreativos ou desportivos existiam ou estavam em formação ou tinham existências efêmeras. O Botafogo ( ou Bota Fogo) ganharia relevo histórico por ser local de reuniões nacionalistas clandestinas, enquanto o Ben ica do Marçal e o São Paulo Futebol Clube desta- caram-se pela revelação posterior de jogadores importantes no cenário local, um dos quais Ngola Kabango, hoje líder da FNLA. Outra personalidade política com participação na luta pela independência, Aníbal de Melo, foi treinador do São Paulo, nome do bairro que em 1943 só possui os primeiros elementos.
Para o Dr. Eduardo Macedo dos Santos, natural de Malange, exilado durante a luta pela independência, primeiro presidente da Federação Angolana de Futebol, jogador do Sporting de Luanda na década de 1940, antes de ir para Coimbra onde se formou em Medicina e jogou na Acadêmica (clube da primeira divisão portuguesa), a relação entre raça e classe aparecia com nitidez na composição da equipe do Sporting luandense. Para ele, “mestiço claro” de classe média, a integração não suscitou di iculdades, mas a inserção de negros do muceque só se daria em casos de atletas extraordinários.
Ele expressou-nos esta avaliação durante o longo período (entre meados das décadas de 1970 e 1980) de nossos debates informais em Luanda sobre a evolução do nacionalismo e sociedade em Angola desde o começo da segunda guerra mundial.
Estava-se, portanto, perante um forte associativismo, atravessado pelas mesmas tensões de toda a sociedade da época, usado pelos vários atores sociais como área de atuação e revelação de comportamentos, motivo pelos quais era vigiado pela administração colonial.
Ainda sobre discriminações e preconceitos, há um pormenor importante atingindo até algumas das per- sonalidades que neste ano começavam a ganhar in luência. Trata-se das implicações raciais nos laços afetivos. Assim, o Dr. Eugénio Ferreira por ter casado com uma mestiça era alvo de comentários sarcásticos pelos setores ultra-colonialistas. Mais grave ainda foi o caso de “Liceu” Vieira Dias (negro para uns, mestiço para outros) principal animador do Ngola Ritmos, que casaria com Natércia Almeida, branca natural de Camacupa, Bié. Os comentários racistas neste caso eram mais agressivos em virtude da mulher ser branca. Na década seguinte, Natércia tornou-se uma ativista clandestina de grande coragem no trabalho de ligação com os presos políticos e através de ação social.
A resistência a casamentos mistos não ocorria apenas entre brancos segregacionistas. José Rocha de Abreu, ele próprio branco casado com uma mestiça, referiu nas nossas conversas comentários negativos do cônego Manuel das Neves ao casamento de familiar sua com um branco, sem ter icado claro se o comentário era racialmente motivado ou em virtude do noivo ser europeu.
Ainda assim há uma particularidade: apesar desses níveis de hostilidade, tais casamentos eram possíveis, ao contrário do que ocorria já na África do Sul e, com coragem, os casais continuavam a viver em Angola, relativamente indiferentes àquela hostilidade, encontrando “compensação” na grande simpatia e apoio moral dos círculos antirracistas, ou seja, não estavam isolados de maneira nenhuma.
Uma crítica generalizada na popu-