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perdão, pelos mesmos padrões.
E todos estes eventos, por onde se escoam os dólares aos milhões, com que nos estão a empenhar o futuro das novas gerações, decorriam sempre sob o alto patrocínio e autorização, discurso de abertura e orientação dos mais altos dignitários da governação.
Os celulares começaram a retinir e a vibrar nos bolsos de alguns jornalistas, que para se manterem ocupados entre os vazios discursos de abertura e as repletas recepções de encerramento, andavam por ali à mistura a simular entrevistas, para desfazerem tempo.
E de imediato a informação se começou a propagar: estavam todos os media, nacionais e estrangeiros, instituições do Estado e parceiros, dirigentes dos partidos ou seus representantes, convocados para uma conferência de imprensa dentro de instantes; uma comunicação da maior relevância se anunciava no edi ício em que o Primeiro-Ministro trabalhava.
Aquilo é que foi uma correria – todos os jornalistas, sem excepção, se precipitaram naquela direcção. Uma comunicação feita assim em cima da hora, sem antecipação, só se podia tratar de uma grande revelação.
Os que tinham carros, atiraram-se para dentro deles de rompante, os que não tinham, penduraram-se nalgum chapa3 que passasse nesse instante. Os que não couberam, desataram mesmo a correr de qualquer maneira, uns a fazerem cortamato, outros a fazerem corta-feira4 . Ninguém queria era perder uma manchete daquelas de primeira.
A turba de jornalistas chegou ao local em grande tropelia. No exacto momento em que o Primeiro-Ministro na balaustrada surgia. Os gravadores foram artilhados, as câmaras de ilmar estrategicamente plantadas, as máquinas fotográ icas desataram a disparar em rajadas entrecortadas.
A expectativa era galopante entre as hordas de pro issionais da informação, pois em todos eles palpitava a mesma questão: que revelação seria aquela para a qual aquele sujeito, que toda a vida fora dirigente, e, como tal, passara a sua extensa carreira a acobertar e a mascarar as má ias da classe governante e a justi icar a má governação reinante, os convocara de forma desavisada, agora que o seu mandato terminava?
Com a voz embargada, o cenho franzido, o Primeiro-Ministro cessante, começara a falar e dizia agora que não se admitia que aquela situação prevalecesse nem por mais um dia, que se impunha pôr termo imediato a tamanha desgovernação, que tinha que se acabar com tanta pilhagem e subtracção, que era preciso denunciar tanto o cúmplice como o ladrão.
E numa derradeira tentativa de desviar a atenção dos cidadãos, declarou com simulada emoção que no que dependesse da sua gestão, “não icaria por remover uma única pedra, grão de areia ou pedaço de chão” - como se fosse debaixo deles que a corrupção se ocultasse e não fosse bem à vista de todos que ela andasse, nas salas de inúteis reuniões, nos luxuosos carros protocolares e nas mansões de patológicas dimensões, com a descarada conivência das missões diplomáticas, dos doadores e das Organizações, que este despautério todo têm sustentando e que, por qualquer estranha razão, e voluntariamente e de bom grado, até emprestam mais do que o montante que é solicitado!
E que, portanto, concluía com a mais descarada encenação, ele ali acorrera para anunciar à nação, com solene determinação, que o seu governo iria a partir daquele instante desencadear uma guerra sem quartel, contra essa maldição que é a corrupção. E, asseverou, desta vez não iria ser atacada a arraia-miúda, não, desta vez ia ser pesca ao tubarão.
Fez uma pausa, para criar suspense e ouvir um aplauso, e, acto contínuo, caiu para o lado, fulminado, com o nariz a crescer-lhe, desgovernado.
A inal, daquela vez fora a sério: o combate anunciado, tinha mesmo começado.