Jornal Cultura

VI ENCONTRO DE ESCRITORES DA CPLP UM MUNDO DE AFECTIVIDA­DE A EXPLORAR

VI ENCONTRO DE ESCRITORES DE LÍNGUA PORTUGUESA

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA|

“Um encontro de escritores, hoje, em Cabo Verde, é um momento de comunhão, harmonia e marca um processo de pensamento evolutivo e dinâmico. É a expressão da vontade de nos universali­zarmos e sermos gentes cada vez melhores. Lutámos para libertar a língua. E hoje falamos de uma língua comum, nossa, numa perspectiv­a salutar de convivênci­a entre os povos”, assim o ministro da Cultura cabo-verdiano, Mário Lúcio Sousa, caracteriz­ou, na sessão de encerramen­to, o VI Encontro de Escritores de Língua Portuguesa, promovido pela UCCLA, de 1 a 3 de Fevereiro, na cidade da Praia. Victor Ramalho, secre- tário-geral da União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA), tocou no mesmo diapasão, ao referir que foi o inter-cruzar de culturas que esteve re lectido ali na Praia. “E isso é muito importante, numa altura e num período em que os nossos povos e países sofrem os efeitos da crise. Nenhum deles escapa a esta situação e, portanto, há, para além da crise económico- inanceira, um outro mundo que nós temos de explorar em termos de afectivida­de.”

Com a cidade da Praia envolta em bruma seca, o presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, pronunciou, na sessão de encerramen­to, uma dissertaçã­o sobre “Arménio Vieira, o cul-

tor da língua de Camões”, mas nas vestes de poeta, após a prelecção da escritora Ondina Ferreira sobre o vate cabo-verdiano.

O terceiro e último painel do VI Encontro de Escritores de Língua Portuguesa (EELP), implementa­do em conjunto pela Câmara Municipal da Praia e a UCCLA, teve como tema “A poesia e a música”. Cabo Verde é um lugar onde a poesia é música à espera de ser cantada. Na poesia e na literatura em geral, o som está sempre presente e importa até quando se lê em silêncio. A música contribui para divulgar o trabalho dos criadores, como é o caso do cantor angolano Rui Mingas, que compôs Poema da Farra, de Mário António e outros poetas, como disse a poeta Ana Paula Tavares, embora, muitas vezes, quando a música se apropria da poesia rasura, apaga o seu autor. Já o poeta e compositor português, Zeca Medeiros, é de opinião que há um certo desleixo, uma incultura na Comunicaçã­o Social que não esclarece as pessoas sobre a autoria das letras de certas canções.

No 6º Encontro de Escritores de Língua Portuguesa – com encontros antes realizados em Brasil, Angola e agora Cabo Verde – evidenciou-se um conjunto de ideias relevantes que, desejavelm­ente, contribuir­ão doravante para a consolidaç­ão da língua portuguesa como factor de união entre todos os que falam português, pode lerse no comunicado inal saído do conclave e lido pelo escritor timorense Luís Cardoso.

Estiveram representa­dos todos os escritores dos países de língua portuguesa e também da região autónoma de Macau. “Como sempre, Angola ( com Paula Tavares e José Luís Mendonça) tem uma representa­ção condigna e de alto reconhecim­ento em termos das letras”, explicou Victor Ramalho. “São cerca de trinta escritores, representa­ntes dos países e povos da CPLP, e que demonstrar­am, nestes encontros regulares, uma consciênci­a universali­sta e tolerante verdadeira­mente marcantes”. Victor Ramalho disse que “isso dá- nos conta da singularid­ade que temos neste mundo global”.

No encontro, assistiu-se a um contínuo diálogo e troca de experiênci­as entre os escritores das literatura­s dos diferentes países, bem como a uma partilha activa com a população, sempre em parceria com as Câmaras Municipais da Ribeira Grande de Santiago e da Praia.

Indo ao encontro da preocupaçã­o de se estender esta iniciativa a outros públicos, o debate extravasou para a Cidade Velha e para o Tarrafal, em sessões literárias organizada­s pelos respectivo­s municípios.

Estudo da literatura no currículo escolar

Tendo em atenção que é no ambiente escolar que deve ser feita a difusão dos valores que sedimentam a ligação das raízes dos povos da Comunidade (CPLP), a conferênci­a propôs a introdução nos currículos escolares do estudo das literatura­s dos países membros da lusofonia.

Visita à Cidade Velha

Fez- se a afirmação das raízes históricas e do património material quinhentis­ta de Cabo Verde. Plataforma de comércio. E de escravatur­a. Como dizia o Padre António Vieira, com as mercadoria­s vão as ideias, trazendo para estas ilhas a cultura católica europeia de transição entre medievalis­mo e o renascenti­smo.

António Vieira faz a síntese da cultura cabo- verdiana clássica ao referir- se aos sacerdotes negros da Ribeira Velha, como negros como azeviche mas com retórica superior aos cónegos da Sé Velha de Lisboa.

Exposição da Casa dos Estudantes do Império

Inaugurada no Centro Cultural de Portugal na Cidade da Praia, a exposição sobre a afirmação de um desejo de independên­cia do conjunto das colónias portuguesa­s através de uma elite intelectua­l que, de Agostinho Neto a Amílcar Cabral, de Rui Mingas a Pedro Pires, rapidament­e se afirmará como a primeira grande elite política histórica dos novos países, gerando a independên­cia e a construção de novos Estados.

Entre a casa do Império e a realidade actual, a língua portuguesa é o grande elo de união.

Literatura e a Diáspora

A Diáspora constitui o fenómeno histórico da Lusofonia, do séc. XVI até hoje. Sem a realidade histórica da diáspora e a sua actualidad­e, dividida em 8 países independen­tes, não existiria Lusofonia. Neste sentido, enquanto que para outros povos e no passado a diáspora pode ter um sentido depreciati­vo, na Lusofonia a diáspora possui um sentido positivo, núcleo difusor da vivência literariam­ente criativa da língua portuguesa em todo o mundo, como se prova na obra de Guimarães Rosa, de Mia Couto ou de Eugénio Tavares.

Novos Escritores de Cabo Verde

O debate centrou- se em torno de um conjunto de preocupaçõ­es dos novos escritores cabo- verdianos, divididos entre o aprofundam­ento das antigas técnicas de impressão do livro e a sua difícil difusão comercial pelas ilhas do arquipélag­o, e a adesão às novas tecnologia­s da comunicaçã­o digital. Segundo os jovens autores, as novas tecnologia­s não alterariam o ritmo, o lirismo e o dramatismo próprios da literatura.

Literatura e Insularida­de

Vinculada ao isolamento e à solidão, a ilha foi literariam­ente concebida como “cais de partida e de chegada”. Embora realidade penosa, a ilha evidencia- se como inspirador­a de motivos e estilos literários. Como partida é sinónimo de aventura, de busca. Como chegada, é sinónimo de raízes.

Entre a partida e a chegada, ergue- se a saudade.

A insularida­de torna- se, assim, raiz e centro de uma universali­dade.

Poesia e Música

Cabo Verde é um lugar onde toda a poesia é música à espera de ser cantada. E de uma forma muito singular, junta a canção de revolta com a canção de festa. Na poesia e na literatura em geral, o som está sempre presente e importa até quando se lê em silêncio.

Novos Prémios

Este 6º Encontro foi oportunida­de escolhida para a apresentaç­ão de dois novos prémios:

1. Prémio Literário UCCLA “Novos Talentos, Novas Obras em Língua Portuguesa”.

2. Prémio Cabo-Verdiano de Literatura do BCA.

E foi também oportunida­de para a apresentaç­ão do mais recente volume da colecção Literatura e Lusofonia, editada pela UCCLA.

A palavra dos escritores

Goretti Pina, escritora santomense, acredita que falta divulgação dos jovens escritores. Por isso, disse, os prémios são sempre bem-vindos, porque é sempre uma oportunida­de para os autores des- conhecidos. “Eu própria já ganhei prémios literários que tiveram extrema importânci­a para mim, pois de outra forma seria mais di ícil a minha aparição.”

João de Melo, escritor português dos Açores, detectou semelhança­s e pontos de aproximaçã­o, pois “é o mesmo drama do isolamento, o mesmo problema da insularida­de, o mesmo instinto de fuga para o exterior, ao encontro da liberdade económica”, entre Cabo Verde e os Açores, países que considerou “de fortíssima emigração” que “entra na linha do despovoame­nto”. Veri icou também uma “complement­aridade literária”, sobretudo na poesia: “a poética cabo-verdiana podia ser açoriana e vice-versa”.

O português José Fanha, sempre bonacheirã­o, do alto dos seus suspensóri­os, considerou que “a poesia portuguesa foi sempre a espinha dorsal da cultura portuguesa, desde há 800 anos. É a poesia que passa para os novos países de língua portuguesa e que vai constituir o factor identitári­o, é através da poesia que nasce a identidade cultural do Brasil no século XVIII, de Angola, Moçambique, Cabo Verde, no século XX.” Yao Jing Ming, de Pequim, disse que o encontro foi uma experiênci­a muito positiva e rica. “Bebi muito conhecimen­to, troquei experiênci­as, e este encontro alargou a minha visão para o acto de escrever, sobretudo em língua portuguesa”, língua que se fala cada vez menos em Macau.

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Yao Jing Ming
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José Fanha
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João de Melo
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Goretti Pina
 ??  ?? O jovem poeta caboverdia­no, Silvino Évora
O jovem poeta caboverdia­no, Silvino Évora
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Vereador da Praia, António Sailva, ministro Mário Sousa e Víctor Ramalho, da UCCLA
 ??  ?? O presidente de Cabo Verde, Jorge Fonseca ao lado de Ondina Ferreira
O presidente de Cabo Verde, Jorge Fonseca ao lado de Ondina Ferreira
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Marcante presença dos jovens
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