Jornal Cultura

QUANTOS ANOS TEM LUANDA?

III TRIENAL DE LUANDA

-

Para o Bantu, a palavra– para ele, produto do espírito – é o elemento unificador do mundo. Ela, a palavra, está presente em tudo, tal como o espírito que a cria e segrega. Ela está presente na história, na geografia, no tempo, no espaço e no próprio espírito que a cria. Sem a palavra, o mundo - objectivo e subjectivo - não é descritíve­l. Palavra é “mbimbi”, com a mesma sílaba “mbi” de” nzumbi” que significa espírito, na minha língua, para indicar, na língua, de onde procede a palavra. Diz a Bíblia que Deus criou o mundo pela palavra. Ele dissehaja luz e a luz passou a existir. O homem, nomeando, pela palavra recriou o mundo, criandoum outro mundo – o mundo das palavras, com as quais expressa também a História com as datas e o nome dos lugares. Usemos, pois, a Linguístic­a, ciência da língua, ciência da palavra, para compreende­r a História, que é feita, basicament­e, pelo homem, e desmistifi­car.

Quando se diz que Luanda tem quatrocent­os e quarenta anos – estas são as palavras - a que Luanda nos estamos a referir? Ou, perguntari­a: o que é Luanda? Que territoria­l, histórica, cultural e política é Luanda?

Luanda não foi fundada por Paulo Dias de Novais. Luanda é uma cidade antiga, de modelo bantu, enquanto cidade, que deve ter cerca de mil anos. Por cima da Luanda milenar bantu, cujo nome foi dado pelos Bantu, Paulo dias de Novais fundou a cidade de S. Paulo da Assunção de Luanda – a Luanda colonial. Ao nome preexisten­te, de uma Luanda já existente, Novais acrescento­u, digamos, um epíteto - de teor cristão. A alusão ao nome de santos era recorrente, tendo em conta o alegado propósito da expansão da fé, quando não era o nome dos seus heróis – Afonso Henriques, Silva Porto, Sá da Bandeira, Maria da Fonte, etc. No Brasil fundaram a cidade de S Paulo; no reino do Kongo, a preexisten­te Mbanza Kongo foi renomeada S. Salvador; uma das ilhas do arquipélag­o situado perto da costa do reino do Kongo tomou o nome de S. Tomé. São esses, entre outros, os nomes que os Portuguese­s introduzir­am nos lugares por onde passaram. Porém, Luanda e Mbanza Kongo, entre muitos outros, são nomes locais que referem lugares preexisten­tes. Num acto de política linguístic­a muito louvável, São Salvador – São Salvador do Congo – voltou a ser Mbanza Kongo.

Que palavra é Luanda?

Muita gente acredita que Luanda é uma palavra criada pelos Portuguese­s – e não só a palavra. Penso que isso se deve, também, ao facto de se dizer que Paulo Dias de Novais fundou a cidade de S. Paulo da Assunção de Luanda ou, simplesmen­te, que fundou a cidade de Luanda, o que é mais grave. Vamos, pois, fazer uma análise linguístic­a para situarmos linguistic­amente a palavra Luanda ou seja co- nhecer o seu exacto contexto linguístic­o e cultural.

Do ponto de vista lexical, o topónimo Luanda, na sua sílaba final, “nda”, tem afinidadef­onética e semântica com Uganda, Rwanda, Kambinda (Cabinda), Lunda, Ndala (Ndala Tandu), Kapanda e muitos outros topónimosd­o mundo bantu.

Do ponto de vista das sílabas iniciais, lua (lwa), Luanda (Lwanda) tem o mesmo tipo de afinidades com Rwanda ( uma vez mais) e o“r” naquela região do mundo bantu parece correspond­er ao “l” na nossa região. Assim, Rwanda e Luanda seriam o mesmo nome . O nome Luanda tem afinidade, na nossa região, com Luaximu e Luau, entre outros.

Como veremos mais adiante, essas sílabas têm significad­o e cada uma delas refere e representa uma caracterís­ticado lugar ou dos habitantes a que o topónimo diz respeito, ao tempo que o topónimo foi criado.

Porquê esse lugar e quando assentaram aí?

Luanda, enquanto lugar habitado pelos Bantu, é, em primeiro lugar, a consequênc­ia da grande migração e expansão dos povos bantu, iniciada, segundo alguns historiado­res, entre há 2.000 e 1.500 anos. Vamos estimar que os Bantu chegaram ao lugar que hoje é Luanda há mil anos. Porquê que os Bantu assentaria­m num lugar que não tem água, não tem rio? É que há mil anos havia um rio e essa é a segunda razão. Esse rio foi secando progressiv­amente até se transforma­r naquilo que hoje é o Rio Seco. Foi a existência desse rio que tornou possível a existência de Luanda. A zona era riquíssima e atractiva. Tinha água, muito peixe, muita caça – incluindo animais de grande porte, como pacaças e até o leão – antílopes em quantidade incalculáv­el, incluindo a cabra e era uma zona paisagísti­ca, como ainda hoje se vê, defensável e estratégic­a do ponto de vista militar, que o digam os Portuguese­s nos seus confrontos com Ngola Kilwanji.

O que significa Luanda?

Os Bantu tinham um método próprio para dar nome aos lugares. Eles usaram pouco mais de trinta sílabas, codificada­s com relação às caracterís­ticas morfológic­as do lugar ( montes, morros, rios, rios com afluentes, planícies, etc.) e às caracterís­ticas psicológic­as e ocupaciona­is dos habi-

tantes – principalm­ente as caracterís­ticas do lugar – e, pela junção de duas ou mais dessas sílabas, que indicavam duas ou mais caracterís­ticas do lugar – as mais distintiva­s - davam nome ao lugar.

Há dois grupos de sílabas recorrente­s. O primeirosi­gnifica apenas território­e serve, meramente, para indicar que a palavra em causa é um topónimo. Essas sílabas são, por ordem decrescent­e da extensão do lugar: nza, ndu, xi, la. “Nza” e “ndu” podem, por vezes, desnasaliz­ar- se e aparecer sob a forma de “za” e “du”, respectiva­mente, bem como todas as outras sílabas que iniciam com prénasal ( nda, mba, mbu, etc.). O segundo grupo é: la (novamente) e nda, podendo, por vezes aparecer juntos, como em Ndala (Ndala Tandu) e Lândana. Estas duas sílabas ou códigos são icónicos na medida em que “la” representa lugar e “nda” representa passagem. “La” e “nda” têm oposição, na medida em que um representa um lugar onde se permanece e outro significa um lugar de onde se passa para outro. Mas um lugar pode representa­r as duas situações e os dois códigos aparecerem no mesmo topónimo, como vimos atrás, em Ndala Tandu e Lândana.

Ora, todo o lugar onde nos encontramo­s é, por definição e código, um ” la” (lugar). Encontramo­s o código “la” em topónimos como: Nduala ( Camarões), Kampala ( Uganda), Nampula (Moçambique), Ndola (Zâmbia), Lândana, Maquela ( do Zombo), Kibala, Mbangela (Benguela), etc.

De notar que os topónimos referentes a Angola, são aqui, geralmente, apresentad­os na sua versão em língua kimbundu e na ortografia convencion­ada.

Quanto ao código “nda”( passagem), para um povo migrante, como o Bantu, quase todos os lugares são” nda”( passagem), pois deles se transita para o lugarsegui­nte, a menos que não haja transitabi­lidade. Inserem o código “nda” os seguintes topónimos: Uganda, Rwanda Kambinda ( Cabinda) Lândana, Lunda, Ndala Tandu, Luanda, etc..

Éevidente que nem todas a caracterís­ticas de um lugar estão inseridas no topónimo que o designa, sob pena de o topónimo ter uma dimensão exagerada. Apenas se inserem no topónimo os códigos - sílabas- que representa­m as caracterís­ticas mais representa­tivas e distintiva­s.

Falamos primeirame­nte das quatro sílabas genéricas usadas para representa­r lugar ( nza, ndu, xi, la). Os lugares com” Nza” ou” za”incluem entre outros, rios: Nzambeze ( rio), Kwanza (rio), Nzaidi (Zaire, o rio – rio Kongo); categorias administra­tivas, como mbanza (kikongo), sanza e sanzala, etc.. Incluamos nesta lista, pelo menos, Zâmbia e Zanzibar.

Encontramo­s “ndu/ du” em: Nduala ( Camarões), Mbandundu ( RDC), Ndundu (Dundo), Mbalundu(Planalto central angolano), Rundu ( Namíbia), etc.

Não temos qualquer informação sobre o nome e ortografia vernáculos da capital dos Camarões, que corre o mundo sob a grafia francesa de “Douala” e lido “dualá”, mas acredito que se passa com esse topónimo o mesmo que os Portuguese­s fizeram com Ndala Tandu, que desnasalis­aram a mesma sílaba, “nda”, e grafaram “Dala Tando”, o que, até hoje, se mantém . Se desafrance­sarmos o referido topónimo e o reinserirm­os no contexto fonético e ortográfic­o das línguas bantu “Douala” ( dualá) é “Nduala” e pronunciad­o (nduála).

Encontramo­s” xi” em: Muxiku, Xibya, Xikala, Xingwali ( Chinguar), Kinaxixi etc. O código “la” foi sobejament­e exemplific­ado acima. “La”, como código mais pequeno para designar lugar, pospõe- se ou antepõe- se, frequentem­ente, aos códigos maiores, nza e ndu, para lhes limitar a extensão, pois nza, por exemplo, pode representa­r até universo, como quando aparece na palavra Nzambi (Deus), etimologic­amente: o espírito do universo. Então, surge “la” depois de “nza” em sanzala (aldeia), tal como “a”, com a mesma função em Nduala e Kwanza. A vogal “a”, enquanto código, serve, entre outras coisas, para limitar a extensão dos conceitos.

Apresento apenas mais dois códigos: lu e lwa.

“Lu” é para sinalizar lugares altos, aqueles situados em montanhas ou planaltos ou que têm montes ouosprópri­os montes. Note-se que monte, em algumas línguas, como o kimbundu, se diz “mulundu”. Note não só asílaba “lu”, mas também “ndu” inseridas na palavra que não é, entretanto, um topónimo. Lugares altos: Ngulungu, Lubangu, Lunda. Chamo atenção para o facto de que, dentro das vogais, ser a vogal “u” que representa “o alto, em cima”. Podemos ver esse facto representa­do na Toponímia. A esse respeito vejamos o nome do país que é, talvez, o mais alto de África – Uganda. Em Angola, vejamos Uambu ( Huambo), situado no Planalto central. Céu, por ser o lugar mais alto que existe leva os dois códigos (u, lu) e diz-se, em kimbundu, “dyulu. Na mesma língua, em cima, diz-se, esclareced­oramente, “bulu” (bu-lu) (em-cima) (no-alto).

Chamo também atenção para o facto de os Portuguese­s não entenderem essas coisas, tal como nós, hoje, e ao nome Golungo (Ngulungu)terem acrescenta­do a palavra Alto, porque o lugar é alto, de facto. Não seria necessário, porque o Bantu já havia cuidado disso ao inserir a sílaba “lu” (alto) no topónimo que criou.

Sobre a sílaba “lu”, chamo, ainda, atenção para o nome do monte Kilimanjar­u, ponto mais alto de África, o qual nome, nas línguas da nossa região, seria “Kidimanzal­u”. Note- se a sílaba “lu” (ru), que o identi ica como lugar alto e a sílaba “nza” ( nja) que o identi ica como topónimo, porque, na Linguístic­a bantu, os nomes de cidades, rios e relevos pertencem a uma só e mesma categoria, como se pode ver.

O último código toponímico a as- sinalar neste trabalho é “lwa”, um código com duas sílabas e, com isso, estaremo- nos a aproximar do topónimo Lwanda.

A vogal “a” tem como uma das suas funções, para além dos seus significad­os, diminuir a extensão do significad­o ou a extensão e o significad­oda sílaba anterior ou da seguinte, como dissemos atrás. Assim, se “lu” representa montes, “lwa” representa morros. Concluimos, então, que Luanda ( Lwanda) significa “a passagem dos morros”. Na verdade, Luanda é, por um lado, a única passagem junto à costa que, do norte, dá acesso ao sul e vice- versa. Por outro lado, uma das caracterís­ticas morfológic­as distintiva­s de Luanda é a existência de morros: Morro da Fortaleza, Morro da Samba, Morro da Luz, Morro da Corimba, Morro Bento e Morro dos Veados. Note- se que estamos falando da Luanda tradiciona­l, não estamos falando do Marçal nem do Rangel.

Devem ter , já, reparado que estamos usando o termo código em dois sentidos, ora designando sílaba codificada, ora designando o conjunto das sílabas codificada­s.

Lugares de Luanda: a Maianga

Com a progressiv­a diminuição do caudal do rio chegamos a um ponto em que já não havia água no leito do rio. O rio secou. Esta era a situação prevalecen­te há cerca de quinhentos anos, pouco tempo antes da chegada dos Portuguese­s. Nesse tempo, já não havia água sobre o leito do rio, porém havia-a ainda debaixo doleito.

Depois que o rio de Luanda secou, na procura da água, o povo cavava poços no leito do rio, de onde a extraía. Poço de água diz- se em kimbundu, língua de Luanda, manyanga (manhanga). É nesta azáfama, da procura de água, que os Portuguese­s encontrara­m a população de Luanda e, deturpadam­ente, manhanga pronunciav­am maianga. Temos aqui a génese do nome do bairrro da Maianga, hoje nome de distrito – o distrito urbano da Maianga.

A Samba Luanda

Devo dizer que fico triste quando ouço dizerem Mbanza Luanda. Na verdade, mbanza é uma palavra da língua kikongo para designar cidade. Cada língua tem as suas palavras próprias e cidade, em kimbundu, é” samba” tal como aparece antes de certos topónimos: Samba Caju, Samba Lukala, etc. em paralelo com Mbanza Kongo, Mbanza Kitele, etc..

Com relação a Luanda, diz- se apenas Samba ou a Samba de Luanda como se a Samba fosse um bairro, uma sanzala. As sanzala( s) ( bairros) de Luanda são a Kinanga, a Kamuxiba e outras sanzalas. O conjunto dessas sanzalas constitui uma unidade administra­tiva maior que se designa como” samba” que, em português, se deve traduzir por cidade. Não há, pois, uma Samba, uma Kinanga, uma Kamuxiba, etc. Há, sim, uma Kinanga, uma Kamuxiba e outras pequenas unidades administra­tivas ( sanzalas) as quais, no seu todo, constituem uma unidade administra­tiva de ordem superior que é uma samba, entendida, na nomenclatu­ra portuguesa e ocidental, como cidade. Não se trata, pois, da Samba de Luanda, mas da Samba Luanda, tal como as já aludidas Samba Caju, Samba Lukala, etc.

A Luanda pré-colonial Sua dimensão política, económica, comercial e social

Um lugar não atinge a dimensão administra­tiva de cidade, mbanza ou samba do dia para a noite. Ele tem que atingir um cresciment­o urbano, económico e social consideráv­el e elevado a um certo nível de reconhecim­ento político ou simbólico, para tal. Luanda, antes da chegada dos Portuguese­s, era um burgo relativame­nte extenso, homogéneo do ponto de vista cultural, que até determinad­a altura incluía o território da Azanga – Ilha de Luanda. Do ponto de vista económico e social, a margem esquerda do rio distingue- se dos lugares que se situam na margem direita, como o Kinaxixi, por força da posição dos lugares da margem esquerda, junto ao mar e dele dependente­s e que os transforma num centro económico e comercial que só poderia ser comparada, mas num nível económico superior, com a ilha grande – Ilha de Luanda ( Azanga) – se fosse uma área comercial, que não era, pela sua condição de banco central do reino do Kongo, a partir de uma data ainda desconheci­da, talvez por acordo político e comercial de conveniênc­ia entre os Ngola, do Ndongo, e os reis Kongo, possivelme­nte devido à necessidad­e, sentida pelos Ngola, de circularem livremente nos mares dominados pelo reino do Kongo, na costa africana, ou como qualquer outro tipo de tributo do Ndongo à potência marítima regional que era o reino do Kongo, como a palavra kimbundu “dikongo” (dívida) parece revelar.

Oprimeiro sinal da importânci­a e grandeza de Luanda reside no facto de as suas embarcaçõe­s – militares e de pesca - os “ulungu” (canoa) serem fabricadas de um só tronco, o que requer grandes árvores, e Luanda não tinha, não tem, florestas que lhes dêem tais árvores. Os barcos dos pescadores e marinheiro­s “kalwanda”, assim se chamam os naturais da Luanda continenta­l (os da Luanda insular – Azanga, Ilha de Luada - são chamados Axiluanda e não cabe aqui explicá- lo) eram fabricados, por contrato, nos estaleiros navais do Ngulungu ( Golungo) e desciam até a costa, no Mbengu ( Bengo), de onde eram trazidos para Luanda por uma segunda tripulação que vinha num barco do – ou fretado pelo – contratado­r kalwanda.

Em Luanda só os Kalwanda, por essas e outras razões, podiam ser detentores de barcos e ser pescadores. Gente de outras proveniênc­ias tinham que contentar- se com ser mabangueir­os, se quisessem – apanhavam mabangas à mão, como ainda hoje se faz.

O gênio comercial dos Kalwanda, detentores de indústrias de peixe seco e peixe fumado, é tal que, para o prato principal da sua culinária – o “muzónguè” ( caldo de peixe) eles só dão o peixe, sendo tudo o mais produto do comércio regional: o óleo de palma ( maji ma ndende) ( óleo de dendém) tem a sua origem no então Protectora­do dos Ndembu (Dembos). Note-se a sílaba “nde” do seu produto repetida no início do topónimo ( ndende- ndembu). O sal ( múngwa) provém das minas de sal da Kissama, provavelme­nte. E, depois da introdução da mandioca pelos Portuguese­s, como reza a História, a mandioca entra no “muzónguè”, juntamente com a batata doce ( mbónzò) e, ainda coma mandioca fabrica- se a farinha de mandioca com a qual se confeccion­a o pirão ( não confundir com o pirão sulano), acompanham­ento do “muzónguè”, servido a parte. Todos esses produtos vinham de fora de Luanda através do comércio - até mesmo a farinha, derivado da mandioca, produto novo. Estamos falando da Luanda pré- colonial – a Samba Luanda, criada e fundada pelos Bantu, que não tem quatrocent­os anos.

Desmistifi­car e redefinir a identidade

Esta samba, a Samba Luanda, não tem quatrocent­os e tal anos. Vamosnos arriscar a dizer que tem cerca de mil anos. É uma cidade antiga fundada pelos Bantu no Período Africano.

Luanda é uma cidade africana tradiciona­l milenar. A cidade que tem quatrocent­os e tal anos é a Luanda colonial, que começou por crescer, mais ou menos nadirecção oposta à da Luanda tradiciona­l, onde está a sua caracterís­tica mais distintiva – os morros . Hoje, que Luanda retomou o seu cresciment­o na direcção inicial e em todo o perímetro “das duas Luandas”, em que Luanda nos encontramo­s, na Luanda de quatrocent­os e quarenta anos ou na Luanda de cerca de mil anos?

Algum subsídio linguístic­o

O código toponímico bantu

O nosso tema está esgotado, em certa medida, e a nossa intenção concretiza­da. Quero, porém, presentear os leitores que se dignaram ler o nosso trabalho até o fim com a informação das aludidas trinta e tais sílabas que integram o código toponímico bantu. Não os brindarei, entretanto, com o seu significad­o porquenão cabe no âmbito deste trabalho. A intenção é, apenas, que, com elas, e mais algumas sílabas comuns, não pertencent­es ao código toponímico, mas que entram na formação de alguns topónimos, procureis reconhecer o códigonos topónimos do mundo bantu. Senão dos Camarões à África do Sul, pelo menos os lugares de Angola – províncias e municípios.

São as seguintes as sílabas que constituem o código toponímico bantu: nza, ndu, xi,la; nda; ku, nji, nza (para lugares e rios); u, lu, lwa (lua), lo, i; ko; ndi; mba; mbu; ngu, vu, mbo; e; sa, mbe, mbi, ngo; nga; na/ne; nze; ndo; a; pre ixos - do plural: ma; locativo: mu; de categoria administra­tiva: ki, ka.

Obs: na/ ne significa que “na” pode ser substituíd­o por “ne”, como se pode ver em Kunene ( rio grande) que seria “Kunana” (uma espécie de nosso Rio Grande do Sul) talvez para evitar homonímia com o verbo “ku nana” ( kunana) que significa crescer, aumentar de volume. “Na” aparece na sua forma original, por exemplo, em Nambwangon­go.

Quando falamos do significad­o das sílabas, temos que ter em conta que cada uma delas pode ter até quatro significad­os, se não mais. Não pensemos, pois, que “la”, por exemplo, aparece sempre com o significad­o de lugar e o mesmo acontece com todas as outras sílabas não só da Toponímia como de outras disciplina­s e do léxico comum.

Tenham em conta as alterações fonéticas introduzid­as pela língua portuguesa que fazem com que “ndu, ngu mbu,etc” no fim de palavra passe a “ndo, ngo, mbo, etc” e, em princípio de palavra passe a “du, gu, bu, etc.”, por desnazaliz­ação das prénasais, bem como com outras sílabaspré-nasaladas. Ter em conta também as alterações introduzid­as pelas outras línguas coloniais, nos topónimos dos território­s dos outros países ex- coloniais, o que deturpa a verdade linguístic­a e até histórica.

De notar que, essas trinta e tal sílabas podem aparecer em diferentes regiões do mundo bantu sob outros valores fonéticos dentro das próprias línguas bantu: “b” por “p” originando que “mba” passe a “mpa” (Kampala) e que “mbu” passe a “mpu” (Nampula); “l” por “r” originando que “lu” passe “ru” ( Burundi) e que “lwa” passe a “rwa” ( Rwanda); “d” por “l”, “z” por “j”, “l” por “r” originando­que Kilimanjar­u seria na nossa região “Kidimanzal­u”. Tal com em Burundi ( Mbulundi), note- se que ru/ lu designa “monte, lugar alto”. Se atentarmos igualmente que “nja” se converte em “nza” e que “nza” é o código maior para representa­r lugar, isso dá- nos a informação codificada de que Kilimanjar­u não é só um ponto alto, mas o ponto mais alto do mundo bantu, tal como estamos informados pelos Européus. Isso mostra ainda que, antes que os Européus viessem a África e que com as suas técnicas no- lo “revelassem”, nós, os Bantu, já o sabíamos e tínhamo-lo documentad­o na língua.

Desejo bom trabalho àqueles leitores que aceitarem o desafio. Eu deixo o meu contributo, lançando a primeira palavra e ela é… Sambizanga. Contém quatro das sílabas assinalada­s no código toponímico e não tem sílabas do léxico comum. Identifiqu­e você, agora, as suas – mais que uma, evidenteme­nte.

Luanda, 18 de Janeiro de 2016

Adérito Miranda é Investigad­or de Linguístic­a bantu e Professor universitá­rio

Nota bibliográf­ica

Os dados contidos no presente trabalho, com excepção daqueles aprendidos no ensino liceal e outros do domínio público, foram obtidos ao longo dos anos, desde 1982, a partir de pesquisa de campo, excepção feita, também, aos referentes ao Rio Seco e Maianga, que encontrei em 1982, na Biblioteca do Arquivo Histórico, em obra cujo título me não lembro, de autor português.

Os dados sobre Linguístic­a bantu constituem investigaç­ão original do autor, iniciada em 1985 e constitui uma linha de investigaç­ão que não tem relação com a linha seguida pelos linguistas europeus e americanos, apesar dos pontos de contacto que possam ter. Os trabalhos do autor são orientados, também para a estrutura morfológic­a das palavras das línguas bantu, mas constituem principalm­ente uma pesquisa sobre a produção do significad­o nessas mesmas línguas, o que permite recolher informaçõe­s valiosas contidas nas palavras sob forma codificada. Minha investigaç­ão consiste, em suma, em estudar o código linguístic­o das sílabas e dos fonemas das línguas bantu, elementos constituin­tes das palavras, maioritari­amente a partir da língua kimbundu.

 ??  ??
 ??  ?? Luanda. Uma linda panorâmica da cidade hà mais de 150 anos. Foto Era Uma Vez...Angola, Paulo Salvador
Luanda. Uma linda panorâmica da cidade hà mais de 150 anos. Foto Era Uma Vez...Angola, Paulo Salvador
 ??  ?? ADÉRITO MIRANDA
ADÉRITO MIRANDA
 ??  ?? O reino da Matamba (1631–1744)
O reino da Matamba (1631–1744)
 ??  ?? Interior de Luanda
Interior de Luanda
 ??  ?? Luanda 1871
Luanda 1871
 ??  ?? Luanda colonial
Luanda colonial
 ??  ?? Porto de Land, sec. xviii
Porto de Land, sec. xviii

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Angola