MORRE O HOMEM E FICAM AS UTOPIAS
Se em 27 de Fevereiro passado o destino forçou todos os angolanos a escreverem de forma solene uma dolente elegia a Lúcio Lara, o país voltou a estar órfão de outro protagonista da sua História, no passado 12 de Março: Emanuel Kunzika sobe “à providência divina”, palavras que o próprio usou para referir- se a todos os angolanos que tombaram no decurso da mais elevada missão angolana: o fim do jugo colonial e a consequente construção da Nação Angolana. Foi numa tarde de 28 de Janeiro do ano em curso, na sede da União dos Escri
tores Angolanos, que lançou o livro A formação da Nação Angolana Através da Luta de Libertação.
“Este livro é resultado de um trabalho de monografia, para terminar um ciclo de estudo. Como o desafio foi apresentar um trabalho que demonstrasse a área que melhor dominava, eu escolhi retratar a formação da nação angolana através da luta de libertação. Quando acabei este livro, apresentei- o nesta forma que publico e muita gente ia em minha casa para comprar. Foi um grande suporte económico para mim e para a minha família”, assim abriu Kunzika a crónica sobre os momentos que escolheu como os mais importantes e que teriam peso para serem partilhados.
Apresentado pelo sociólogo angolano Baptista Lukombo, este analisa a obra como ilustrativa da vida de Kunzika, acentuando a formação do GRAE e a relação deste com os líderes dos principais movimentos de libertação. Resume: “O manual apresenta um quadro da política colonial portuguesa e acções empreendidas pelas diversas organizações nacionalistas angolanas sediadas em Leopoldville. O autor nos faz uma panorâmica do seu percurso com destaque para a petição a favor de Angola apresentada na Assembleia das Nações Unidas em 1961, em Nova Iorque, no considerado ano do início da luta armada em Angola: datas 4 de Fevereiro e 15 de Março”.
Disse-lhe Agostinho Neto: “Bem-vindo, Kunzika”.
Natural da aldeia de Kintóto, município de Makela do Zombo, província do Uíge. Fez todos os estudos na República Democrática do Congo, de 1938 a 1963, onde obtém o certificado de Estudos Políticos Sociais. Continuou os estudos nos Estados Unidos da América, nas universidades Nova Iorque e Abraham Lincoln ( Filadélfia), de 1963 a 1968, tendo obtido os certificados de Organização e Orientação Escolar e de Professor de Português e Espanhol. Volta ao Congo Democrático e consegue a graduação em Ciências Económicas e Desenvolvimento e em Ciências Político-Administrativas e Jurídicas, de 1968 a 1971. Foi na Universidade do Zaire, entre 1970 a 1974, onde consegue o diploma, com a apresentação de uma monografia que agora lança em livro, aumentada com outros documentos e momentos da sua vida política: Vice- Primeiro- Ministro do Governo Revolucionário de Angola no Exílio e Vice- Presidente da FNLA de 1962 a 1974.
Quando decide regressar a Angola, foi no dia 21 de Março de 1976. Foi um sábado, quando chegou a Makela. O comissário mandou preparar o transporte para ele chegar até Uíge. Ele e Dombele Fernando chegaram à capital da província no dia 23 e foram bem recebidos, com a magna notícia de que pela primeira vez o presidente viria a cidade do Uíge. Agostinho Neto visita Uíge no dia 25 de Março deste ano. Chegada a hora, foi posto numa sala de espera e julgava que o comissário já tivesse informado ao presidente da presença do seu retorno ao país. Quando entrou onde estava, Neto disse: “Bem- vindo, Kunzika”. Comovido, não soube o que dizer ao presidente. Quando lhe segurou a mão, Kunzika respondeu: “Só hoje chego”. Ao que Neto, cordialmente, replicou: “Mais vale tarde do que nunca. Se saísses antes, talvez não tivesses chegado vivo”.
Neto convida-o ao banquete e Kunzika não sabia o que oferecer ao presidente. Decide então oferecer um exemplar da sua monografia. Neto foi a primeira pessoa em solo angolano a tomar contacto com o livro. Um dia depois, 26 de Março, foi o dia de uma grande reunião do Partido. À tarde, o presidente manda avisar Kunzika para que estivesse disposto a acompanha- lo a Luanda. Quando chegam a Luanda, era um dia de arco- íris, um sinal bom para alguém que tinha fé.
Neto disse-lhe que já tinha arranjado alguém para acolher Kunzika mas não encontrava esta pessoa. Mas uma outra pessoa, Lúcio Lara, a mando directo de Neto por telefone, preparara um lugar no Hotel Trópico, onde Kunzika viveu por quase um ano.
Depois, o presidente manda chamar Kunzika e é recebido por Lopo do Nascimento, na altura Primeiroministro. Foi enviado ao Gabinete do Comércio Interno e um ano depois assume o cargo de diretor- geral adjunto da ENDIMBI, cargo que ocupou até 1996.
Foi ele próprio que pediu a sua aposentadoria, com intuito de gozar todo o seu tempo empenhado em terminar um Dicionário de Provérbios Africanos em Kikongo, traduzidos em francês e inglês. São mil e um provérbios, seguindo a sequência de Mil e Uma Noites, de Ali Babá. O dicionário ganhou grande aceitação junto da massa estudantil e intelectual angolanas, tendo sido apresentado pelo respeitado professor Vato- mene Kukanda e merecido a prestimosa intervenção no prefácio de Pinda Simão, que num dos pontos diz: “O Dicionário de Provérbios, único no seu formato, contém um manancial de sabedoria que, bem usado, é um instrumento essencial e rico de conhecimento. Posto à disposição das comunidades, das Universidades, Bibliotecas, Centros de Investigação e Escolas, contribuirá, tenho a certeza disso, para o conhecimento da realidade e riqueza da cultura de África e, particularmente, da cultura kongo, ajudando assim a reafirmar a nossa participação na construção dum mundo melhor neste século de mundialização”.
Quando o dicionário sai a público, em 2008, Kunzika encontra finalmente um editor que aceita publicar o livro versado em História e Política angolanas recentes. Kunzika disse logo que não tinha nada a retribuir, senão estas palavras que transcrevemos: “Um bem feito, nunca é perdido, mesmo que fosse esquecido pelo beneficiado, fica sempre à espera do seu semeador”.
Este livro é uma composição de várias outras obras. Inclui a sua petição que apresentou na 16 ª Assembleia das Nações Unidas, no dia 24 de Novembro de 1961. E desse dia, lembra que lhe fizeram as seguintes perguntas: “Porquê vocês estão divididos?” e “Se alcançassem a independência, que tipo de contrato manteriam com os portugueses?”. Ao que respondeu: “Na vida há um princípio da impene-