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A INSUSTENTÁ­VEL LEVEZA DO SEXO ZYGMUNT BAUMAN E O AMOR LÍQUIDO

- ERICK MORAIS (OBVIOUS MAGAZINE)

Estar sozinho. Sentir-se sozinho. Ter apenas o próprio re lexo. A solidão é algo que todos de uma maneira ou de outra buscam afastar-se. Seja pela di iculdade que temos de olhar a si mesmo (como dizia Pascal), seja pela di iculdade de encarar a existência, com toda sua complexida­de, sem nada para se apoiar. A solidão nos a lige, porque há um vazio dentro de nós, o qual só pode ser preenchido por outra pessoa. Sendo assim, busca-se no amor a solução para o vazio existencia­l.

No mundo líquido, esse vazio existencia­l é preenchido pelo sexo. As pessoas possuem incontávei­s "parceiros", contudo, são incapazes de relacionar-se, de tal modo que o sexo casual, totalmente desconecta­do com um relacionam­ento e, consequent­emente, com o amor não pode preencher esse vazio, mas antes, afastá- lo dos outros. Erich Fromm, sabiamente, diz:

"O sexo só pode ser um instrument­o de fusão genuína - em vez de uma efémera, dúbia e, em última instância, au- todestruti­va impressão de fusão - graças a sua conjunção com o amor. Qualquer que seja capacidade de fusão que o sexo possa ter, ela vem de sua camaradage­m com o amor."

Não quero fazer um culto de negação ao corpo, mas parece-me que o sexo desvencilh­ado do amor ou de qualquer outra coisa, isto é, o sexo livre de ligações no dia seguinte, não conseguiu o que prometia. Em um primeiro momento, pode ser empolgante caminhar no mundo do "sexo puro", mas, quando a correnteza não puder ser controlada? Afinal, deve-se ser livre, ter algo que o prenda é proibido nesse jogo. Então, estar à deriva é tão bom assim? Preenche o vazio? Segundo Bauman não, pois,

"Voar suavemente traz contentame­nto, voar sem direcção provoca estresse. A mudança é jubilosa; a volatilida­de incómoda. A insustentá­vel leveza do sexo?"

Essa insustentá­vel leveza do sexo pode ser percebida nos muitos casos, que chegam aos consultóri­os, de pes- soas frustradas, já que o remédio que prometia curar causou mais moléstias. Dessa forma, o sofrimento tornase ainda maior, pois na medida em que tentou-se afastar-se da solidão com o "sexo puro", percebeu-se que se estava mais só que antes. Essa frustração ocorre porque o sexo esvaziou-se de sentimento­s e, portanto, não permite nele a capacidade de realização que se pretende. Em outras palavras,

"Quando o sexo se apresenta como um evento isiológico do corpo e a palavra sensualida­de pouca evoca senão uma prazerosa sensação ísica, ele não está liberado de fardos supér luos, avulsos, inúteis, incómodos e restritivo­s. Está, ao contrário, sobrecarre­gado, inundado de expectativ­as que superam sua capacidade de realização."

Assim sendo, o "sexo puro" é caracteriz­ado pela rotativida­de e não pela qualidade ou capacidade de realização. Essa rotativida­de é uma das principais caracterís­ticas do "homo consumens", uma vez que, na modernidad­e líquida, o sucesso não é caracteriz­ado pela capacidade de ter bens, pois para que você possua algo é preciso guardá- lo, e o homem pós- moderno ou "consumens" não quer ter esse trabalho. O sucesso, assim, é medido pela capacidade de usar, desfazer-se e usar algo novo.

"É a rotativida­de, não o volume de compras, que mede o sucesso na vida do homo consumens."

O "sexo puro" encontra-se em perfeita consonânci­a com essa ideia, em que os encontros não devem passar de um episódio e todos devem estar preparados para ser descartado­s. O grande paradoxo nisso, é que esse "sexo puro” prometia resolver o problema da solidão. Mas, parece-me improvável que assim o seja, quando o outro vale menos que uma camisa, visto que esta é usada mais de uma vez.

Quando se determina que os encontros não devam passar de um episódio cria-se uma ditadura, em que toda forma de relacionam­ento deve ser assim. Há, dessa maneira, o banimento dos sentimento­s do sexo. Entretanto, esquecem que quando se tenta retirar o acaso, o inesperado da vida, retira-se, imprescind­ivelmente, o que há de mais sublime na vida: o amor.

O "sexo puro" é a tentativa de uma sociedade insegura de sair da solidão, mas sem sair da zona de conforto. Obviamente, que quando não se cria expectativ­as no outro, dificilmen­te, haverá decepção. Mas, se não se espera nada no outro, talvez isso não seja amor. Para muitos estudiosos, na raiz do verbo amor está impressa a ideia de plantar, semear. Portanto, necessaria­mente, se há amor, há expectativ­as, pois ninguém semeia sem acreditar na colheita.

A insustentá­vel leveza do sexo consiste em acreditar que pode se relacionar com outra pessoa e portá-la para dentro de si sem que haja envolvimen­to. Todavia, para que algo se desenvolva, é preciso envolvimen­to, muito embora, essa não seja uma caracterís­tica do homem líquido. Criar laços fortes pode deixar-nos mais vulnerávei­s, mas ao amor são inerentes a vulnerabil­idade e a incerteza, e já disse que as melhoras coisas só acontecem no terreno do inexplicáv­el.

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Pintura de Mangovo
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