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ADMINISTRA­ÇÃO DA JUSTIÇA Dos Regimentos à Comarca do Golungo Alto

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O desenho do novo Mapa Judiciário levado a cabo pelo Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos suscita um olhar para o passado longínquo, que permite revelar o caminho percorrido na organizaçã­o do sistema judiciário em Angola. Até 1651, era tudo rudimentar e improvisad­o mesmo em termos de Administra­ção do Estado. Mas o Regimento do Ouvidor Bento Teixeira Saldanha lançou as bases do edi ício judiciário numa colónia cujo mapa era muito diferente, hoje di icilmente reconhecid­o pelos angolanos.

Os ouvidores ( juízes) estabeleci­am as regras e actuavam em nome do rei de Portugal. A “Justiça d’El-rei” tinha como principal caracterís­tica a total dependênci­a dos magistrado­s ao soberano.

O Regimento do Ouvidor Bento Teixeira Saldanha evoluiu para o “Regimento dos Ouvidores Gerais deste Reino de Angola” e vigorou até meados do século XIX ( 1837). A Revolução Francesa mudou o paradigma da Justiça e após o triunfo do liberalism­o em Portugal surgiu uma nova organizaçã­o judiciária, acompanhan­do a tese fundamenta­l de Montesquie­u, que aponta a separação de poderes, como receita para combater a tirania.

Após o triunfo dos Revolução Liberal, em 16 de Janeiro de 1837 foi criado em Angola o Poder Judicial. O juiz deixou de ser o longo braço do rei de Portugal e passou a ser base do sistema, independen­te dos outros poderes, inclusive o religioso. A nova organizaçã­o judiciária perdurou até 1927, um ano após o triunfo do golpe militar que impôs a “ditadura nacional” do Estado Novo. O Decreto 14.453 de 1927 aprovou a Organizaçã­o Judicial das Colónias. Esta foi a base da Justiça em Angola, até à Independên­cia Nacional, em 11 de Novembro de 1975.

OS PRIMEIROS PASSOS

A organizaçã­o judicial de matriz portuguesa começou no Reino do Congo, na base do Regimento de Simão da Silva, militar de carreira, enviado por D. Manuel para a cidadela real do rei D. Afonso I, que insistente­mente pedia ao rei de Portugal cooperação nessa área.

O capitão Simão da Silva nada sabia de Leis e por isso foi acompanhad­o de um “letrado”, Diogo Fernandes, que teve um im violento.

Simão da Silva morreu durante a viagem para Mbanza Congo e o rei de Portugal enviou para o Reino do Congo um novo cabo-de-guerra, Álvaro Lopes. Diogo Fernandes não aceitou as suas ordens e este, na primeira oportunida­de, assassinou-o “à falsa fé”.

Em 1548, é despachado para a cidadela real um novo ouvidor: Jorge Afonso, que criou todas as estruturas e os meios humanos para aplicar as nor- mas do Regimento de Simão da Silva no Reino do Congo.

CARTA DE DOAÇÃO

A Justiça do rei de Portugal chegou ao Reino de Angola em 19 de Setembro de 1571, com a “Carta de Doação” a Paulo Dias de Novais, daqueles domínios em disputa pela força das armas. O fundador de Luanda adquiriu o direito de “capitania e governança” do território. Era ao mesmo tempo chefe militar, governador e juiz supremo.

A “Carta de Doação” contém as bases reguladora­s da administra­ção da Justiça em Angola. E nela estão elencados os crimes mais graves: heresia, traição, sodomia (todos os actos sexuais que não visem a procriação) e moeda falsa. A todos correspond­ia a pena de morte, sem direito a apelo.

O primeiro ouvir no Reino de Angola foi João Morgado, até então desembarga­dor do Tribunal da Relação do Porto. Em 19 de Outubro de 1583 o Regimento de João Morgado entra em vigor e completa a “Carta de Doação” a Paulo Dias de Novais. Mas o magistrado só desembarca em Luanda um ano depois. Chegou primeiro a Lei.

RELAÇÃO DA BAÍA

Durante longos anos não existia um Tribunal superior e os recursos eram julgados pela Relação de Lisboa, demasiado longe do Reino de Angola e com acesso muito di ícil. Poucos navios faziam a rota entre Lisboa e Luanda.

Em 1720, Lisboa decide que o Tribunal da Relação da Baía passava a ser a instância de “apelação e agravo” para os litígios no Reino de Angola. A cidade de Salvador era mais próxima e existiam muitos navios para aquele destino brasileiro.

Este modelo prevaleceu até à criação do Juiz de Fora de Luanda. O primeiro magistrado nomeado foi Francisco Duarte dos Santos. A estrutura constituiu o embrião do Tribunal da Relação, mas esta instância é criada mais de um século depois de 1720, com o Decreto número 34, de 30 de Dezembro de 1852. O Tribunal superior só foi instalado em 9 de Dezembro de 1856. O presidente era o juiz de direito Luís Mendes Afonso.

Antes, em 1761, foi criada a Junta de Justiça para criar os crimes mais graves e era constituíd­a pelo governador (que presidia), um ouvidor, o Juiz de Fora, o coronel, tenente-coronel e sargentomo­r da Guarnição Militar de Luanda.

TRIUNFO DO LIBERALISM­O

Em 16 de Maio de 1832 o Decreto número 24, de Mouzinho da Silveira, regulament­a os preceitos da Carta Constituci­onal relativos ao Poder Judicial. No mesmo ano é instituída a Magistratu­ra do Ministério Público, com os delegados procurador­es da Coroa e Fazenda.

Em 16 de Janeiro de 1837, novo diploma legal consagra o princípio da Independên­cia da Administra­ção da Justiça nas Colónias. Fruto importante do triunfo do liberalism­o. A 30 de Dezembro de 1852, um decreto altera a composição e competênci­as da Junta de Justiça. É constituíd­a por três juízes do Tribunal da Relação de Luanda, três militares do Conselho Superior de Justiça Militar, o Procurador da Coroa e Fazenda e o secretário da Relação de Luanda. O governador continuava a presidir.

A Junta de Justiça, nesta fase, julga os crimes de sedição, assuada, injúrias e violências contra as autoridade­s públicas e insubordin­ação militar com

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Mercado do Golungo Alto
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Rua do Golungo

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