O MUNDO CRIADO POR FETI E A SEREIA CHOYA
Feti foi o primeiro Homem do Universo. Num dia de tempestade, os céus da Babaeraforam rasgados por relâmpagos e tremendos trovões assustavam plantas, pedras e animais. Um relâmpago intenso caiu sobre um rochedo, que se fendeu. De repente o céu ficou limpo e junto ao pedregulho poisou suavemente o Homem.
Na nascente do Cunene os animais pastavam placidamente e as águas corriam tranquilas. Feti tinha tudo o que desejava. Nada lhe faltava. Mas sentia-se muito só. Não se revia em ninguém, nenhum ser vivo ou inerte percebia a sua língua. Estava só entre vidas que fervilhavam, dias azuis, noites brandas, sons que mãos invisíveis faziam sair de instrumentos celestiais.
Um dia, Feti resolveu ir caçar um hipopótamo para se abastecer de carne e gordura. Foi descendo pela margem do rio Cunene sem nada encontrar. Estava à procura da presa quando decidiu banhar-se nas águas tranquilas. De repente, mesmo a seu lado, apareceu uma sereia. As gotas de água na sua pele negra brilhavam como diamantes. Os seus olhos eram doces. Com uma voz maviosa, saudou-o: - Feti, o que fazes no palácio do Rei das Águas? Feti icou deslumbrado com o corpo, a voz, os doces olhos da sereia: - Como te chamas, ilha do Rei das Águas? - Eu sou Choya e meu divino Pai deu-me permissão para falar contigo. Feti, com o corpo acariciado pela frescura da água do Cunene, inebriado pelo perfume da sereia, sentiu uma paixão ardente por aquela preciosidade de perfeição. LevouChoya para sua casa, no rochedo fendido pela tempestade. Foi o primeiro casal da Humanidade. Alguns dias depois nasceu o ilho, Galenge. E logo a seguir, a ilha, Bié, tão bela como a mãe.
Nas margens do Cunene, Feti e Choya tiveram mil ilhos e estes reproduziram-se em milhões, que percorreram todos os caminhos do mundo desde a mãe do rio Cunene até aos desertos de gelo.
A versão de Caluqembe
Outro mito sobre a Criação do Homem foi recolhido pelo investigador AlfredHauenstein, na região de Caluquembe.
Um dia Suku decidiu dar ao Universo um Mundo de pessoas. Foi ao rio Cunene e no rochedo que marcava o cume de uma colina verde, resolveu fazer a sua criação.
Suku amoleceu o rochedo e depois tirou das suas entranhas quatro homens. Para povoarem a Terra decidiu dar-lhes poderes especiais. Ao primeiro deu o poder de lançar sobre a Humanidade o feitiço da má sorte.
Uma vez senhor do seu poder, o feiticeiro partiu até aos con ins da foz do Cunene.
Ao segundo homem, Suku deu o poder de adivinhador. Quando se sentiu tão poderoso, ele percorreu todos os caminhos, adivinhando graças e desgraças.
Suku deu ao terceiro homem o poder de curandeiro. E mal sentiu esse poder, andou por montanhas e chanas, enfrentando a morte e a doença das plantas, pedras ou bichos. Que pessoas ainda não existiam!Mas estavam mesmo quase a chegar.
Ao quarto filho, Suku deu a arte de caçador. Mal sentiu o ímpeto de caçar, partiu para o mundo à procura de carne para alimentar todos os filhos da Humanidade que em breve nasceriam nas margens do Cunene e depois em toda a Terra.
Um dia, o caçador estava junto à margem do Cunene quando viu um corpo estranho levantar-se da água. Como não sabia o que era, atirou-se ao rio e com a habilidade de caçador amarrou aquele ser. Era uma bela sereia e foi a primeira mulher da Humanidade. O caçador levou-a para casa e fez dela sua companheira. No dia seguinte nasceram três belas meninas.
Uma menina casou com o feiticeiro do mal, outra com o adivinhador e a outra com o curandeiro. Alguns dias depois o mundo estava repleto de seres humanos que se propagaram intensamente desde as margens do Cunene.
O texto em umbundo
AlfredHauenstein publicou este texto em umbundu (com a gramática usada na tradução da Bíblia) e que revela a tradição oral dos vimbundos de Caluquembe, sobre a Criação do Homem. A peça tem um valor extraordinário e foi publicada no Boletim do Instituto de Angola, números 21/23, de 1965.
Monsenhor Luís Keiling, que escreveu as suas memórias de 40 anos de vida missionária em Angola, foi o primeiro a publicar a lenda de Feti e Choya. Assim nasceram os seres humanos: Sukuwalulikaomanuvatete. Alume vakuãlãvatundavesenje. Vasangaovombandaakuãlã. Watetewatambulaumbandawokuloa. Wavaliwowuwokutãhã. WatatuwatambulaununeWokusakulawakuãlãwa lingaukongo. Etekelimueukongowaendaokuyevakoneleyolui, yuwa linga ukongo.
Etekelimueukongowaendaokuyevakoneleyolui, yuwamõlãcimuecilisenga- vovava, wacikuata, wacikutalolondovikuendawacilimgisaupikawaye.
Oco ukaiwatete. Eciukongowatiukakocilombocayewokuelayuwa linga ukaiwaye. Kovasoyolonekewe mina yuwa cita. Omalavayeakaivatatuva linga akaivalumevatatuvakuavo.
Muthu Muthangu
Zambi um dia decidiu criar o Mundo. Já tinha tudo planeado quando descobriu que para a sua criação ser perfeita, tinha que colocar na Terra um ser que se distinguisse das pedras, plantas e dos bichos. Depois de muitos estudos encontrou a solução: era o Homem.
Primeiro criou uma pedra mole e depois tirou lá de dentro Muthu Muthangu, o primeiro de todos os homens.
Fascinado com a sua criação, resolveu levá-lo para a margem do Cassai, o grande rio da vida criada, por criar, existente ou por existir.
A pedra que gerou Muthu Muthangu ainda hoje está resguardada pela natureza, na margem do Cassai, perto do Alto Chicapa. Além do primeiro Homem, a pedra do Cassai também gerou o império do MwataIânvua.
A pedra tem duas faces: numa está gravado o pé descalço de um negro. Na outra, o pé descalço de um branco, ambos ilhos de Muthu Muthangu.
Os dois homens um dia resolveram partir para norte e chegaram ao im de África. Quando se izeram ao mar, o homem negro sentiu muito frio e regressou ao Cassai. O homem branco atravessou o mar e chegou à Europa. O frio e a solidão amarguravam a sua vida. Tudo à sua volta era tristeza.
Um dia o solitário ilho de Muthu Muthangu encontrou uma mulher: Eva. Mas ela era pecadora, por isso teve que escondê-la. Os ilhos do casal eram pecadores. Alguns tornaram-se ladrões e assassinos. As meninas nasciam marcadas pelo pecado da mãe. Então os homens resolveram que as mulheres tinham que ser afastadas da vida social e escondidas, o mais possível.
E assim se fez. Mas aquele mundo estava cada vez mais pobre, tristíssimo e sem sol. O ilho de Muthu Muthangu resolveu regressar ao Cassai e pediu apoio ao irmão. Ele respondeu:
- Traz para cá toda a tua prole. Aqui tens água, frutos, Sol, Lua e estrelas. Temos a música dos tambores, as melodias do Txissanji. Há comida nas lavras. Desde que haja braços, há terra.
O ilho de Muthu Muthangu regressou à Europa e lá juntou todos os seus descendentes que enveredaram pelo crime. Tinha um plano: conquistar o paraíso do Cassai e todos os outros paraísos africanos.
Um dia, os seus descendentes ladrões e assassinos embarcaram para África e fizeram guerras mortíferas nos paraísos africanos. Escravizaram os irmãos. Alguns chegaram ao Cassai, mas nunca foram aceites como membros da família, porque não sabiam quem era a mãe. E só os feiticeiros não respeitam as mamãs.
Esta lenda Tchokwe é citada por vários investigadores do império do MwataIânvua e do Império Lunda-Tchokwe. A versão apresentada é livre.
A criação de Congo
Um dia Zambi decidiu melhorar a vida na Terra e enviou o seu ilho Congo para criar o paraíso. Como não queria levantar suspeitas aos demónios, transformou-o em ombambi, uma alegre cabra do mato.
Congo saiu do império celestial e visitou o Sol. Foi muito bem recebido e o rei dos astros prometeu criar na Terra um clima ameno, sem muito calor nem frio. O ilho de Zambi icou satisfeito com a visita e partiu para casa da Lua. O encontro foi muito agradável e a rainha da noite prometeu fornecer luar à Terra, para todo o sempre.
Congo apreciou muito esta visita e foi às estrelas, que o cobriram de ouro e prata. Todas prometeram que dariam eternamente à Terra, a sua luz brilhante. Feliz com esta visita, partiu para a Terra e poisou suavemente numa lavra perto do rio Lóvua. No terreiro da casa, uma mulher fazia no pilão farinha de milho.
Quando ela viu ombambi icou assustada e deu-lhe uma paulada na cabeça, partindo-lhe os chifres. O ilho de Deus caiu fulminado. Congo estava morto. A mulher, com medo das consequências, fugiu para o rio, ingindo que tinha ido à água.
Zambi nunca mais teve notícias de Congo e decidiu ir saber dele. O Sol disselhe que o tinha recebido bem. A Lua declarou-se enamorada de Congo e do seu disfarce de ombambi. As estrelas contaram como lhe teceram um manto de luz e ouro. Deus então perguntou à Terra: - O que aconteceu ao meu ilho Congo? A Terra disse que nada sabia. Zambi icou irado e condenou a Terra à morte: - Que morram todos como Congo! Ainda hoje as comunidades do Cassai, quando oram, dizem: “Morremos como Congo porque os chifres foram partidos”.