Jornal Cultura

MANUEL RUIAPRESEN­TA

“A ACÁCIA E OS PÁSSAROS”

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O novo romance de Manuel Rui, "A ACÁCIA E OS PÁSSAROS", foi apresentad­o a público dia 24 Maio. Com a sua habitual ironia, num estilo satírico, de rara beleza poética, Manuel Rui vai des iando a narrativa em torno do personagem principal, de seu nome Januário, “(…) na versão dele próprio, órfão de nascença, que fazia mais de duas gerações, não provava uma côdea de pão(…)”. Um “desaprendi­do da sorte” que, em nome da dignidade, preferia morrer em jejum. “(…) Assim, caminhava magro, na sua estatura média, desengonça­ndo seus braços compridos, pernas em arco e olhos muito grandes e iluminados como holofotes (…)”.

Numa cidade situada em qualquer parte do mundo, Januário, jornalista freelancer, na avidez de um pão, cujo sabor há muito esquecera, vê-se envolvido na trama que o priva da liberdade, impedindo-o de comer, de se pronunciar, de pensar e mesmo sonhar com pão, mas lhe dá acesso à descoberta de novos sentimento­s e de novos sentidos das coisas e da vida. Ele dá livre curso ao pensamento “pelo alto astral superior” e pode contemplar a beleza dos pássaros e da acácia com lores amarelas, erguida na praça, em frente. “(…) Lá fora o sol esbanja luz muito aberta e as itas de muitas cores abanam o azul do céu sem calendário e sem data como um precipício que se renova pelo eco, aqui, só por escrever estas palavras sou um rei do meu universo (… ).””(…) meditar é maravilhos­o. Meditar e imaginar (…)” .

GUIÃO PARA UM FILME

Talvez porque o início é triste, mas o im feliz e talvez, também, porque a narrativa vai servir de guião para um ilme, a contagem dos 80 capítulos que compõem a obra é feita do im para o princípio. Personagen­s diversas e multifacet­adas vão des ilando ao longo da história:

Basílio “(...) .o padeiro, gigante, pouco mais de dois metros e largo, esbanjava gordura”. O mais avarento do mundo que negou dar um pão a Januário porque só tinha dez mil trezentos e cinquenta pães e recusou fazer mais um. A comer com avidez dois pães-cacete ao mesmo tempo, um em cada mão, e que caceteou com um deles a cabeça de Januário. “(…) o gajo come pão duro que deve ser do ano passado, tem mais um predicado é miseravelm­ente nojento, avaro que engorda a pão desamassad­o por Satanás...(…)”

Chicote, o segundo sargento, que lavrou o auto de ocorrência no Posto 23: “(…) recostou-se na cadeira, li- gou o telefone, depois abriu a gaveta da mesa, tirou uma sanduíche exuberante, de um pão cacete inteiro com rodelas de chouriço de lata, o óleo escorrendo pelos beiços, o polícia pegando a delícia com as duas mãos, começou a comer abrindo muito a boca e mastigando com saboreada lentidão(…)”.

Aristófane­s, o guarda prisional “(… ) um gigante de estatura a que Januário lhe chegava aos ombros, musculado de olhar límpido (…)”, que se tornou guarda-costas, amigo e con idente de Januário e que, com os ensinament­o que dele recebeu, preparou a entrada na Faculdade de Direito. “(…) Olha Aristófane­s, se quisesse nem te contava mas tenho-te na conta de um amigo. Sonhei com uma multidão de crianças a irem para a escola a comerem pão e senhoras a venderem aquelas sandes de chouriço. Cala-te Januário e fala baixo pois em princípio não podes sonhar com pão e só podes sonhar se pensares(…)”.

Amaro, advogado, preso por delito de opinião, que só comunicava através de mensagens escritas en- tregues por Aristófane­s, com quem partilhava re lexões jurídicas.

Flora, enfermeira-chefe que tratou Januário na Clínica VIP, do qual ele diz: “(…) É tão linda, uma estrela disfarçada de mulher. A mais bela do mundo(…)”, que lhe oferecia copos de água FLUÍDICA. “(…)É a força das palavras que transforma a água normal em água luídica, com a sensação e que água é sempre nova(…)”. “NADA MAIS BONITO QUE UM CHUVISCO SEM VENTO A BEIJAR A RELVA DE UM JARDIM”.

Vladimiro, ilho de Flora, ligado às novas redes sociais e apaixonado pelo cinema, obcecado pela ideia de fazer um ilme sobre da trama de Januário, mas também sobre lírios brancos e granizo.

Diniz, director da cadeia, que aprendeu com Januário a ultrapassa­r o bloqueio que o impedia de extrair a raiz quadrada, conseguind­o assim remover o impediment­o para concluir o curso de direito,

transforma­ndo-se num amigo. Cão Acácia, com o qual Januário fez amizade, depois de terem derrubado a árvore/acácia da praça, sua companheir­a de tantos pensamento­s, para a substituír­em por uma estátua.

Januário, reconhecid­o por todos como um espírito superior, com conhecimen­tos profundos em direito e cultura geral, corajoso, que gostava de transmitir os seus conhecimen­tos com a humildade de um missionári­o, protegido pelos luidos do “astral superior” e que não limpava as lágrimas de alegria porque aprendera com a sua avó e repetia: “AS LÁGRIMAS SÃO ÁGUA PURA DAS NOSSAS ALEGRIAS E TRISTEZAS. NÃO DEVEMOS LIMPÁLAS MAS DEIXÁ-LAS ROLAR ATÉ À NOSSA BOCA PARA LHE SABOREARMO­S O SAL DO NOSSO ESPÍRITO”.

No guião, o filme termina com o magistrado a dar o despacho para libertação de Januário, como metáfora de humanismo, que prevalece. O padeiro Basílio acaba por morrer, deixando um testamento onde pede perdão a Januário e, como herança, deixa- lhe o pão que lhe tinha negado. Ouvem- se os carrilhões de uma igreja e a cidade está cheia de lírios brancos…

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Manuel Rui junto à cantora Lipsia

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