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A LIQUIDEZ DO HOMEM E SUA TRANSIÇÃO

- EGYDIO TERZIOTTI (OBVIOUS MAGAZINE)

Para aqueles que não se permitem liquefazer-se, acaba sendo muito di ícil viver nos tempos do homem líquido. Aqueles que ainda são sólidos sofrem com a falta de apego pregada pela liquidez que os circunda. Aqueles que são líquidos incomodam-se com aqueles que não se deixam desapegar. O sólido que se apega ao líquido desgasta-se com a erosão, e o líquido que se apega ao sólido uma hora se esvai pelas bordas da solidez.

Vivemos em tempos líquidos, cujas relações sociais são pautadas na super icialidade e não durabilida­de. Assim é a base da teoria da “Modernidad­e Líquida”, proposta pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Entretanto, serão, de fato, “os tempos” o objecto que se liquefaz ou seriam nós, os próprios seres humanos? O tempo não toma forma, não tem massa e continua sendo tempo em qualquer lugar. Mas nós, seres humanos, não. Somos inconstant­es, mutáveis e, muitas vezes, inconseque­ntes. Hoje, existem muitos “homens água”, não fazendo referência à composição do corpo humano, mas sim na maneira que o ser humano vem a agir.

Quando água, não somos palpáveis. Desse modo, é muito di ícil que exista, entre nós, estabilida­de su iciente para criarmos relações, que seriam “palpáveis” – ou seja, sólidas. Vivemos na distopia do desapego. Aquele que mais fácil se desapega, mais forte se torna aos olhos dos que veem. Nossa liquidez fez com que toda e qualquer manifestaç­ão verdadeira de sentimento fosse tratada como fraqueza emocional. Nossa liquidez isolou os seres humanos de sua própria raça.

Nossa liquidez nos trouxe uma “casca” de força, mas deixou os miolos totalmente instáveis.

Para aqueles que não se permitem liquefazer-se, acaba sendo muito di ícil viver nos tempos do homem líquido. Aqueles que ainda são sólidos sofrem com a falta de apego pregada pela liquidez que os circunda. Aqueles que são líquidos incomodam-se com aqueles que não se deixam desapegar. O sólido que se apega ao líquido desgasta-se com a erosão, e o líquido que se apega ao sólido uma hora se esvai pelas bordas da solidez.

Contudo, o que é mais interessan­te nesse contexto de “homem líquido” é o homem que não é totalmente sólido e nem totalmente líquido. Seria ele o “homem condensado*”, que oscila entre fases de liquidez e fases de solidez. O homem condensado seria o resultado da interacção com pessoas de ambos os tipos. Nesse caso, ele provavelme­nte foi criado por sólidos, mas viu- se obrigado a portarse como líquido dentro da sociedade. Tornou- se, assim, condensado. Esse tipo de homem vê- se, em dados momentos, sob um completo caos. Não sabe se deveria apegar- se e mergulhar profundame­nte em uma relação ou se deveria apenas fingir que nada aconteceu e seguir sua vida. Não sabe se o certo a fazer é falar ou deixar como subentendi­do. Muitas vezes, quando precisa desapegar não consegue, pois vive em um estado sólido. Outras, não consegue retribuir o amor ou a companhia que lhe é dado, porque vive em seu estado líquido.

O homem condensado vive a confusão própria de suas fases.

Nesse sentido, aquele que é condensado vive as mais adversas situações. Por exemplo:

Gosta de alguém, sente atracção por uma determinad­a pessoa e sabe que isso é recíproco. Após o primeiro contacto, o indivíduo não sabe ao certo o que é certo fazer. Para o sólido, o correcto seria construir uma relação; para o líquido deveria “deixar rolar” e, se não desse certo, o desapego falaria mais alto. Para o condensado não. O condensado pode icar sem falar, mas sua vontade o consumirá até que o diga; ou falará, mas o desejo do desapego o fará perder o interesse. Assim sendo, o homem condensado não consegue nem manter um relacionam­ento estável e nem consegue icar com algo que não durou.

A inal de contas, talvez amar, actualment­e, tornou-se o problema que é devido às tantas fases existentes hoje em dia. São três, que pensam de maneiras diferentes e não conseguem relacionar de maneira estável entre si. Talvez, o problema do amor seja resolvido quando a transição entre as duas fases acabar e restar apenas líquidos. Entretanto, quando restarem apenas líquidos, como farão para manter o amor, sendo que o amor constrói- se, e os líquidos não conseguem nem mesmo construir uma relação sólida entre amigos?

De qualquer forma, seja líquido ou seja sólido, aquele que mais sofre é o condensado, por não se encaixar em qualquer uma dessas fases. O homem condensado é a clara demonstraç­ão da confusão que foi criada pela liquidez. O homem condensado não sabe como se manter na sociedade que escorre e também não sabe se manter entre aqueles que não se movem. O homem condensado é tomado pela confusão entre seus próprios pensamento­s e atitudes. Se, por um lado vê o desapego como uma saída para seus problemas, sofre ainda mais com ele. Por outro, ao tentar resolver seus problemas, acaba tomando atitudes que, muitas vezes, o obrigam a procurar o desapego. En im, o homem condensado não sabe bem o que faz. E, talvez, toda a sociedade também não.

* Homem condensado: nesse caso, a palavra “condensado” foi retirada do “condensado de Bose- Einstein”, que é a fase de transição entre o sólido e o líquido.

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Bauman
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Egidio Terozy

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