ARTUR NUNES
“A LUTA DIÁRIA COM OS FANTASMAS DA VIDA”
Artur Nunes, um dos maiores espirituais da música angolana, compunha e cantava belas metáforas da língua kimbundo. Era poeta de kimbundo. Por isso, cada letra contava um facto, um acontecimento ocorrido nas proximidades da sua alma, mas sem dar uma evidência imediata dos personagens ou cenas. Compondo micro-poemas, Artur Nunes inseriu nas letras das suas canções a profunda iloso ia do provérbio bantu e outras imagens telúricas de rara beleza que só quem sabe a língua as pode saborear e que inspirava os seus companheiros de banda musical a ritmar solos em que a alma humana se deixava diluir nas cordas da viola, criando um som cavado de meta ísica e sentimento, para expressar a dor da morte, as vicissitudes da vida nos musseques, “a luta diária com os fantasmas da vida” ( A. Neto). Foi com a intenção de saber mais sobre duas das mais conseguidas canções de Artur Nunes (Belina e Tia) que nos deslocámos, no início de Maio, à casa onde agora mora a mãe e o irmão do cantor. A nos receber, ali também estava um grande kamba da família, Urbanito Filho.
Com Dona Maria Luísa Fernandes, mãe de Artur Nunes, falámos muito. Apesar de convalescente de paludismo, mamã Maria Luísa falou do pai de Artur Nunes: “o pai do Artur Nunes era americano mesmo”, embora de nome português. Será essa a razão de Artur Nunes usar, nalgumas composições, o refrão “came on”? Dona Maria Luísa, ainda lúcida, disse-nos que foi quitandeira e amigou o Sr. Artur Nunes nos anos 40, tendo o cantor nascido em 1950. Naquele tempo, as donzelas eram simplesmente pedidas aos familiares. O pai de Artur Nunes morreu atropelado num acidente de viação. Mas antes, gerou no ventre de Dona Maria Luísa uma menina, a Santinha.
Artur Nunes começou a cantar no Sambizanga, onde também aprendeu o kimbundo. O cantor cresceu com o pai e chamava a própria mãe de “tia”. A “Tia” que dá título à celebre composição acima transcrita, refere-se à própria mãe de AN. Quem explica estes detalhes é Domingos João Sebastião (Mingo Nunes), irmão do cantor, coadjuvado por Urbanito Filho.
Mingo Nunes diz que tanto esta composição, como Belina, são boleros. Em “Tia”, AN evoca a mãe ( Tia), supondo que ela o estava a chamar com um assobio, na loja ( venda). E honra o avô dele, Nga Lumingo ( Domingos), quimbandeiro, afirmando que “devemos cumprimentar os amigos do coração na mesa” ( kamenekenu ku tabué, kamba dyá henda). Pois Domingos, avô de AN, foi quem lhe salvou a vida. AN tinha comido peixe e uma espinha tinha-lhe ficado presa na garganta. Foi ao hospital e o médico não conseguiu tirá- la. Ficou atento à morte. Mas, felizmente, o Tio Domingos extraíra-lhe a dolorosa espinha.
Quanto a “Belina”, e com o contributo de Maria de Fátima Vandúnem (Domingas do Axede), icámos a saber que Belina foi companheira de brincadeiras do bairro de AN. Havia indícios de que o cantor estaria apaixonado por Belina, a calumba mais bonita do Sambizanga. Entretanto, Belina aparece grávida de “um falso amigo”. São os versos que dizem “se nguma jié (os teus inimigos) ja ku kala kiá ku muxim”. E “Ndandu nguma/ kamba kisueia ku mundu mu tuala!” ( O parente é inimigo/ e o amigo é pior que a onça neste mundo). É que esse falso amigo leva Belina para um hotel, onde ela aparece morta no dia seguinte. Esta a versão de Domingas do Axede. Já a versão de Mingo Nunes é que a moça (Belina) engravidou e foi na loja do Sô Pinto, lá no bairro Cuba (Sambizanga), onde comprou gasolina e depois se imolou pelo fogo, porque o companheiro, autor da gravidez, renunciara à sua responsabilidade.
Foi todo este drama que inspirou AN a entoar a canção com profundo sentimento de perda e raiva.
MINGO NUNES
Com este nome artístico, o músico pretende ser o herdeiro legítimo da tradição de Artur Nunes. “Comecei com os irmãos do falecido João Canário, ali na rua do Pernambuco, no Rangel, e iniciei- me a nível das turmas, com a mana Palmira e a mana Sofia, sempre em grupos carnavalescos”, diznos. Depois foi dançarino e aparece no bairro Hoji ya Henda, com Tino dyá Kimuezu, já como instrumentista. “Desde pequeno que fabrico instrumentos de percussão – tambores e dikanza – comecei no Rangel, a ver o Óscar Neves que muito me inspirou”, continua, para contar que teve mesmo uma matiné infantil com o África Show.
Nos tempos que correm, Mingo Nunes viveu seis anos em Lisboa, na companhia de Zé Mwene Putu. Agora anda de mãos dadas com Urbanito Filho e fez contactos, através de um amigo, com a Banda Maravilha, a ver se o põem a cantar nos palcos.
URBANITO FILHO
O ilho de Urbano de Castro começou a cantar como pro issional da música, em 2011, com o lançamento do primeiro disco. Agora quer reeditar essa primeira obra, com a inclusão de cinco novas composições: “ iz um dueto com o Legalize – MUKONGO – e outra música do meu pai –TIO – mas estou dependente de patrocínios.”
“O músico vive de espectáculos. E quando isso não acontece, ele morre de fome. Não tenho nenhuma produtora. Hoje, as grandes produtores dão primazia às música comerciais, de sucesso imediato. Nós também queremos representar o país lá fora. O Semba está sempre vivo, mas requer mais investimentos por parte do sector da Cultura, dos empresários, de todos nós. Nós, que cantamos em línguas nacionais, precisamos de mais promoção. Há muitos jovens interessados na nossa música, só que as portas estão fechadas para a nossa música. O Semba é a raiz, é a bandeira de Angola”, apela, em tom de lamento, o músico Urbanito Filho.