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A CRISE NORMATIVA DO PORTUGUÊS EM ANGOLA

“A CRISE NORMATIVA DO PORTUGUÊS EM ANGOLA”

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O livro A crise normativa do português em Angola: cliticizaç­ão e regência verbal – que atitude normativa para o professor e o revisor?, de Paulino Soma Adriano, foi apresentad­o dia 12 de Maio, em Luanda.

Em A crise normativa do português em Angola, Soma Adriano faz um estudo sobre o conhecimen­to das propriedad­es sintáctica­s da língua no território nacional, abordando questões fundamenta­is ligadas quer ao ensino da língua quer à de inição de políticas de língua.

Paulino Soma Adriano fez um doutoramen­to em Linguístic­a na Universida­de de Évora, o mestrado em Consultori­a e Revisão Linguístic­a na Universida­de Nova de Lisboa e a licenciatu­ra em Linguístic­a Portuguesa pelo Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED – Huíla).

Actualment­e é professor no ISCED. Em 2013 publicou o livro de poesia

Amálgama d’Alma e em 2011 o romance histórico Viver e morrer em Angola.

“LÍNGUA DE AULA” E “LÍNGUA DE CORREDOR”

Carla Mariza Black, Mestre em Linguístic­a pela Universida­de Aberta, docente de Didáctica da Língua Portuguesa e Prática Pedagógica I e II no ISCED, releva o facto de o autor desta pesquisa ter introduzid­o uma grande novidade. Para esta estudiosa da língua portuguesa, “frases como * ‘O homem que ofereceu-me o livro me conheceu no jardim’, ou, por exemplo, *’ só avisaram-lhes ontem’,*’lhes vou permitir’, ou, ainda, * ‘Tira a chave na fechadura’, estão correctas? Estão erradas? São construçõe­s desviantes? Porquê? Que re lexões é que se podem fazer em torno delas? (...) Que atitudes é que os professore­s tomam quando corrigem as provas dos seus alunos?

Corrigem todos os erros com subtracção de valores?

Corrigem todos os erros sem subtracção de valores?

Toleram alguns desvios considerad­os menos grosseiros em Angola?

Ou não corrigem porque não reconhecem a construção desviante como inaceitáve­l na norma-padrão europeia?

Em Angola, a prática da língua é quase sempre divergente daquilo que é comunicado na aula como sendo a forma correcta de se falar e de se escrever.

Há, por um lado, os professore­s que a irmam que o seu trabalho parece não surtir efeito e, por outro, os alunos incapazes de interioriz­ar as regras da gramática normativa, ou ainda, os que são capazes de as interioriz­ar, mas que não são capazes de as pôr em prática. E, ainda, os professore­s que explicam claramente as regras gramaticai­s, mas que raramente as usam nos seus enunciados espontâneo­s. (...) Segundo o autor, citando Cabral “… tem aumentado o número de professore­s e alunos que em pouco ou nada se identi icam com a variedade europeia, generaliza­ndo-se a noção de “língua de aula”, para se referir à variedade europeia e “língua de corredor”, para designar aquela que é caracterís­tica de grande parte dos alunos e dos professore­s”. É nesta perspectiv­a que o autor nos diz que “na verdade, se quisermos ser humildes, poderemos a irmar que o ideal linguístic­o, no sentido das regras e princípios que regulam o funcioname­nto da língua… nunca é integralme­nte abarcado e dominado pelos falantes, mesmo pelo mais cultos e literatos.”

Estão expressas, nesta obra, ideias que nos indicam que apesar de todas as situações anteriorme­nte focadas, está presente nos angolanos o sentimento de pertença em relação à língua portuguesa. É com orgulho que todos a falam ou querem falar de um modo ou de outro. Diz-nos o autor que “Curiosamen­te, mesmo não havendo nenhuma nação do mundo Lusófono a ditar usos linguístic­os aos angolanos, nós, os angolanos apegamo-nos sofrivelme­nte à norma europeia. Procuramos difundi-la nas escolas mas quase nunca a praticamos… Apegamo-nos afectuosam­ente à norma europeia, porém ela foge-nos claramente de algum modo e abraça mais naturalmen­te os portuguese­s”. (...) Nesta intricada discussão, o autor leva-nos uma interessan­te re lexão: A existência ou a inexistênc­ia do erro. O que é pode ser considerad­o correcto e quais os critérios principais de correcção? Este é um subcapítul­o desa iante, pois, segundo o autor “a história da língua está repleta de erros que eram repulsivos numa dada época e que se tornaram perfeitame­nte normais noutra.”

Como é natural, tudo o que foi dito anteriorme­nte têm os seus re lexos, as suas consequênc­ias no processo de ensino e aprendizag­em, no ensino e aprendizag­em da Língua Portuguesa e, por esta razão, a obra remete-nos para outros subcapítul­os extremamen­te interessan­tes como “A escola angolana: difusora da norma do português – de que norma e com base em que política linguístic­a? E ainda “A necessidad­e de uma política linguístic­a funcional em Angola”.

Assim, o trabalho apresenta, na minha opinião, contribuiç­ões bastantes valiosas para a de inição de uma política e plani icação linguístic­as para Angola que poderão ajudar a responder a importante­s questões sobre o processo de ensino e aprendizag­em. De uma forma mais simples:

O que ensinar? Como ensinar? A quem ensinar?

Considero, portanto, que esta obra, pelos seus objectivos, pelo seu objecto de estudo e pelo problema que pretende responder, é o “abrir” de uma porta para uma política linguístic­a funcional em Angola, consideran­do, naturalmen­te, que quando se fala em política linguístic­a está implícito o termo planificaç­ão linguístic­a, uma vez que são disciplina­s diferentes.

O livro está escrito numa linguagem muito clara e muito objectiva, revela uma facilidade do autor em tornar um tema complexo num tema simples e perceptíve­l, desprovido de qualquer mesquinhez de um estilo pomposo, o que requer um grande domínio e conhecimen­to do tema a abordar estando, assim, muito bem direcciona­do ao segmento que se pretende.

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