Jornal Cultura

OS EFEITOS DA CRISE NA ACÇÃO CULTURAL

- MATADI MAKOLA |

A rua é coberta de areia e rodeada de casas velhas e descolorid­as. Fica na parte suburbana do Cazenga, que habituamos a chamar de Rua do IFA, ou, para sermos mais exactos, junto ao mercado Asabranca. Ali respira-se Arte pura, quando se entra ao ANIMART, o Centro Artístico do Cazenga. Neste mês em que se comemora o Dia da Criança Africana, colhemos lá a boa nova de que o teatro infanto-juvenil vai ganhar ainda neste ano um festival internacio­nal, como garante o director Orlando Domingos, a quem também pesa a responsabi­lidade da XI edição do FESTECA, traçado para decorrer de 8 a 16 de Julho com a pretensão de prestar homenagem a David Caracol, Conceição Diamante, Ombaka Teatro de Benguela, Kangombe e Rogério de Carvalho. Entre as novidades que aqui passamos, Orlando Domingos pede às pessoas sensíveis aos projectos artísticos para que o ajudem nos acabamento­s do centro. Jornal CULTURA - Como estamos

em termos de preparação da XI edição do FESTECA?

Orlando Domingos - Em termos de preparação da XI edição do FESTECA estamos bem encaminhad­os. Podemos ainda avaliar algumas imprecisõe­s relativame­nte de ordem técnica mas que vamos superando aos poucos, graças as parcerias que fomos celebrando. O festival vai ser marcante, e tudo faremos para manter o nível ou superar.

JC - A olhar pela impacto da crise inanceira na cultura e sectores a ins, é das edições que pode exigir de vocês maior arrojo na contabilid­ade?

OD - Vemo-nos obrigados a fazer um exercício maior e uma disciplina sagaz. O país vive um estado de contenção necessária e a cultura não foge à regra. Esta edição não será prejudica em termos de qualidade, porque tudo fazemos para manter ou superar as edições anteriores. Felizmente, o nosso esquema organizati­vo plani ica cada festival com dois anos de antecedênc­ia, e é nisso onde reside a nossa sorte. Agora sentimos muito mais os efeitos da crise na acção cultural, mas já há algum tempo que vínhamos de- senhado os nossos projectos, tendo conseguido alguns avanços e contactos que ajudaram a adiantar com certa segurança. Por outro lado, procuramos trabalhar já com todos os recursos à nossa disposição, para não icarmos totalmente pendentes aos nosso patrocinad­ores.

JC - A natureza organizati­va do teatro ajuda na organizaçã­o e nas respostas à crise?

OD - O teatro ajuda porque os grupos são parte envolvente deste processo, sem muito dependermo­s de terceiros para por a máquina (o festival) a funcionar. Mas sempre foi o alojamento uma, senão mesmo a maior, grande dor de cabeça na organizaçã­o. Como albergar os grupos estrangeir­os sempre foi o grande entrave, e nós queríamos, nesta fase, depois de 10 anos de actividade do FESTECA, começar a trabalhar como os grandes festivais internacio­nais trabalham. Infelizmen­te, ainda não poderemos dar resposta nesta edição. Sabemos que assim será num futuro muito próximo, de talvez três anos. Normalment­e, um festival com tempo, envergadur­a e estrutura do FESTECA, deveria já estar a convidar as companhias e suportar pelos menos a viajem das companhias. Nós ainda só conseguimo­s ter cá as companhias estrangeir­as fruto das parcerias com instituiçõ­es ligadas às artes.

JC - Mas é um ano de novidades?

OD - Sim. Falo por exemplo de sermos escolhidos como centro representa­nte em Angola da Associação Internacio­nal de Teatro para Infância e Juventude. Nós temos obrigações para com esta associação do teatro, e uma delas é a realização ainda este ano de um festival próprio e de carácter internacio­nal para infância e juventude. Vamos fazer acontecer este festival nos últimos dias de Agosto e primeiros de Setembro. As datas icam de inidas após a reunião com alguns parceiros estrangeir­os que far-se-ão presentes, nomeadamen­te alemãs e franceses, voltadas ao teatro infanto-juvenil.

JC - Festival Internacio­nal de Teatro Infanto-juvenil...

OD - Temos praticamen­te as coisas desenhadas. Será um festival que acontecerá em vários pontos de Luanda, como Catete, Cacuaco, Kilamba, Ta-

latona e outros. Pretendemo­s criar variadas performanc­es e não deixar o teatro fechado em salas, um pouco o que fomos vendo nos festivais indicados pela Associação Internacio­nal de Teatro para Infância e Juventude. O que acontece é que o teatro infantil, por ser lúdico-pedagógico e pro issionaliz­ante (pro issionais voltadas ao teatro infantil),no nosso país convivese com a falha de que as crianças devem trabalhar para crianças, e estas iniciativa­s servirão para suprir estes erros. Temos muito poucos pro issionais voltados para este trabalho, e a parceria com a Alemanha visa exactament­e cobrir esta lacuna.

JC - Que grupos para a XI edição do FESTECA?

OD - A comunicaçã­o tem sido boa. O Brasil garante estar, apesar da atmosfera politica naquele país. Nós izemos uma parceria com o Circuito Internacio­nal de Teatro do Kilamba e a Fundação Sindika Dokolo para que estes grupos vindos para o FESTECA possam também se apresentar noutros palcos. Porque, a ver a melhor forma de aproveitar a presença de grupos estrangeir­os, perdíamos muito ao faze-los apenas apresentar­em as suas peças no FESTECA. Para além dos grupos provenient­es das províncias, casos de Ombaka (Benguela), Nova Lua (kwanza-sul), Omuenho (Namibe), vem também um grupo Moçambican­o, uma actriz italiana que vem apresentar um espectácul­o e com a qual celebrarem­os acordos na área de formação, uma directora alemã que fará uma conferênci­a e uma reunião com os directores de teatro, em que estudarão a possibilid­ade de, num futuro próximo, os grupos alemães virem mais a Angola e vice-versa. A ideia, encabeçada pelo Instituto Goethe de Luanda, é re- forçar laços e trocas de experiênci­a concretas, como a deslocação de grupos de teatro à Europa, reforçando deste modo a internacio­nalização do imaginário angolano no que toca ao teatro. O mesmo acontecerá no FESTIJ com a presença de grupos franceses, alemães e a companhia portuguesa JGM, que oferecerá acções de formação e um espectácul­o misto de actores angolanos e portuguese­s, suportado pelo projecto Ondas Africanas, cuja intenção de fundo é a montagem de peça de autores africanos.

JC - Como se pretende para o futuro a estrutura do ANIMART?

OD - Temos uma iloso ia que nos obriga a investirmo­s signi icativamen­te numa área do centro. O ano passado foi o an iteatro, que, com a ajuda do Ministério da Juventude e Desportos, conseguimo­s ter o piso cerâmico e 150 cadeiras estufadas que permitiram que o público se aconchegas­se condigname­nte. Este ano escolhemos o alojamento. Nós temos um grande problema com alojamento, principalm­ente dos grupos das províncias, até porque sabemos que aqui no Cazenga não temos hotéis, e o mais grave é que não temos recursos para alojar as pessoas. Entre nacionais e internacio­nais, recebemos mais de noventa candidatur­as para o FESTECA, mas, claro, nos vimos obrigados a não correspond­er. Temos compromiss­o internacio­nais muito fortes a partir de Dezembro, data em que receberemo­s alguns directores estrangeir­os de companhias infanto-juvenis, porque também contamos ser um dos países a acolher a Academia Internacio­nal de Teatro Infanto-juvenil. Não sabemos como vai ser, mas será em 2018. Quanto a exigências, além da necessidad­e do espaço, devemos ter cerca de 20 crianças na academia. Há também um interesse muito grande em se ter a unidade lusófona da academia internacio­nal, e essa responsabi­lidade foi dada a Angola. Devem ser criadas condições de alojamento que permitam a acomodação de cerca de 30 pessoas.

JC - Como pensam reformular o espaço?

OD - Optamos assim colocar uma placa em cima dos nossos escritório­s. Assim que acabada, poderemos alojar cerca de quarenta e duas pessoas. Pensamos ter duas suites devidament­e apetrechad­as para poderem receber directores e pessoas distintas, quatro camaratas, uma cozinha e refeitório. Este espaço ajudará não só para o FESTECA mas também será bené ico para questões de formação. Ajudará muito porque os actores e directores não mais enfrentarã­o engarrafam­ento, pagar custos altos em hotéis e permitirá criar um ambiente de trabalho saudável nas residência­s artísticas.

Não vamos conseguir acabar tudo este ano. Mas estamos a lutar para deixar duas camaratas já prontas ainda antes do FESTECA. Queremos dar um grande avanço, e nisso precisamos apelar à sensibilid­ade de todos os angolanos que acreditam em projectos que digni icam a nossa maneira de estar diante dos outros. O ANIMART precisa: um teto falso, telhado, 50 sacos de cimento, portas de caixilhari­a. Acho que setecentos mil kwanzas seria a grande ajuda para darmos a volta por cima e termos cá no Cazenga um espaço de cultura onde alojar todos. O Mais di ícil está feito, porque esta verba seria su iciente para dar acabamento­s, que tem sido uma grande dor de cabeça.

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