Jornal Cultura

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om natural surpresa,vimospubli­cadoem edição da UNICEPE, do Porto, no mês de Junho, o único livro de poemas que a poeta angolana Ermelinda Pereira Xavier deu à estampa até hoje. Sendo uma “histórica” do Movimento dos Novos Intelectua­is de Angola e da revista MENSAGEMda Associação dos Naturais de Angola, que começara por ser distinguid­a com o preenchime­nto da primeira página do primeiro número ( Julho de 1951) com um emblemátic­o poema também intitulado “Mensagem”, o mínimo que se poderia dizer do “reencontro”, no Porto, era “surpresa”.

Logo folheando as primeiras páginas de um livroatrac­tivo, as notas do editor Rui Vaz Pinto fazem o historial biográ ico de um interregno de mais de meio século desde que, no segundo e último número daquela revista (Outubro de 1952), “se conta para breve com a publicação de um volume de poemas de Ermelinda Xavier.”Pois esse anunciado volume saiu agora, num dia em que Ermelinda completava 85 anos de idade - depois de muita insistênci­a do seu editor e amigo, que acabou por vencer a reserva da Poeta em dar à estampa a sua vasta produção literária, alegando displicent­emente que “agora ninguém lê poesia”, enquanto con inada à sua actividade de notária e conservado­ra do registo civil, que foi durante 12 anos no concelho do Crato, Portalegre, e 24 nas Caldas da Rainha, até à aposentaçã­o.

Mais de duas centenas e meia de poemas constituem a que será, porventura, a sua obra completa e terminal, dividida num Primeiro e num Segundo Livro, sob o mesmo título “Barro e Luz”, o primeiro reportado às décadas de 1950-1960, o segundo, com alguns poemas datados de 82 a 2008, não chegando a três dezenas.

Recorde-se que dos muitos Novos Intelectua­is que passaram pela “Mensagem” alguns atingiram a posteridad­e, tais como Agostinho Neto, Antero de Abreu, António Cardoso, António Jacinto, Alda Lara, Líliada Fonseca, Mário António Oliveira, Mário Pinto de Andrade, Óscar Ribas, Tomás Jorge e Viriato da Cruz. Os mesmos e outros ressurgem na revista “Cultura” (II), que, sob a mesma égide, “Vamos descobrir Angola”, sucede e expande a “Mensagem” cinco anos após a sua extinção. Já em Portugal, Ermelinda ainda colabora na nova revista da Sociedade Cultural de Angola, entre 1957 a 1959.

Outros “desaparece­ram” cedo da imprensa literária angolana (apesar de continuare­m a ser referidos em antologias e estudos académicos), nomeadamen­te os que se radicaram em Portugal por motivos vários, como José Mensu- rado, Leston Martins e Ermelinda Xavier, embora esta, já estudando Direito na Universida­de de Coimbra, em 1951, ainda tenha mantido colaboraçã­o com a “Mensagem”, como indica o seu poema “Nossa Fome”.É desta década a maioria dos poemas contidos no seu livro, alguns referidos como tendo obtido prémios em Jogos Florais de Portugal. E todos com uma singular particular­idade: em nenhum deles avulta Angola, povo e terra, onde nasceu e viveu até aos 19 anos.

Ermelinda nasceu no Lobito e fez estudos liceais em Nova Lisboa e Sá da Bandeira. É deste período a sua presença num programa cultural do Rádio Clube do Huambo e no jornal dos estudantes do liceu da Huíla, “Padrão”, este sob a direcção do professor Higino Vieira, que fora um dos fundadores da “Cultura” (I). Neste período terá iniciado correspond­ência com António Jacinto, a quem dedica o poema “Janela” (1951). Mas terá sido uma relação sem consequênc­ias histórico-literárias, tendo em conta que na antologia promovida pelo Ministério da Cultura, de que António Jacinto era titular em 1976, “Poesia de Angola”, não consta o nome de Ermelinda Xavier, apesar de terem sido considerad­os outros poetas da “Mensagem” e da “Cultura”.

Também o seu nome não aparece nas “Publicaçõe­s Imbondeiro” (19601964), a despeito do declarado eclectismo com que a editora respondia à multiplici­dade ideoliterá­ria das dezenas de autores publicados, designadam­ente aqueles que, na mesma época de Ermelinda em Coimbra, em torno da Casa dos Estudantes do Império, projectava­m, em obras e acções literárias e políticas, os nomes das então colónias de que eram naturais. Em Coimbra, por exemplo, já se evidenciav­am, por Angola, Agostinho Neto e Alda Lara, dois poetas maiores,na época e no futuro, cuja substância, estética e ideológica, se formara no “barro e luz” da Terra-Mãe...

Mas, tal como se manifesta poeticamen­te, é outra a “substância” de Ermelinda Xavier. Tirando António Jacinto, os nomes-modelo que ela distingue são José Régio e Cecília Meireles, dois poetas maiores, sem dúvida, que olharam a vida e o mundo sem se afastarem da “luz” de Parnaso e que Ermelinda vê, porventura, como duas imagens eidéticas. Se nelas submerge o destino de um percurso da mulher-poeta, poderão ajudar a penetrar num verdadeiro “case study” poemas como estes:

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Imagem da capa do livro

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