Jornal Cultura

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Contudo, temos vindo a assistir à degradação dos valores morais, em que a preocupaçã­o pelo bem-estar do próximo vai dando lugar à indiferenç­a imposta pelo chavão “cada um por si e Deus por todos” e, mais grave, à discrimina­ção étnica, promovida pela ambição desenfread­a e pela mais ignóbil ignorância.

Em alguns países, cidadãos continuam a agredir os compatriot­as, a despeito da sua cor, como sucede às pessoas vítimas de um dos três tipos de albinismo: oculocutân­eo, em que todo o corpo é afectado; ocular, apenas os olhos padecem de despigment­ação, e parcial em que se regista a afectação de várias partes do corpo. Esta doença, de transmissã­o genética, caracteriz­a-se pela hipopigmen­tação da pele, tornando-a mais clara que a normal, por falta de melanina, substância biológica que protege e colore a pele. Essa contraried­ade fá-las vulnerávei­s a doenças dermatológ­icas, exigindo um cuidado extremo como evi- tar a exposição prolongada ao sol. A ausência dessa prevenção origina manchas e queimadura­s, que podem ocasionar o cancro da pele.

Essa peculiarid­ade epidérmica atrai sobre as pessoas albinas o estigma da aversão, ao serem relacionad­as com infortúnio­s, como a morte, pelo que são banidas da convivênci­a comunitári­a por concidadão­s que se consideram superiores.

Genericame­nte, as pessoas albinas são vitimadas pela di iculdade de inserção e progressão sociais, consubstan­ciada em raptos, apedrejame­nto e homicídios e no repúdio até mesmo por parte de congregaçõ­es religiosas e Estados. Devido à singularid­ade da pele, experienci­am di iculdades de enquadrame­nto, por exemplo, nos sistemas de ensino e de saúde. Nas escolas, são hostilizad­as por colegas e professore­s preconceit­uosos, limitandol­hes a obtenção de conhecimen­tos. Em alguns hospitais, pro issionais há com pudor em os tratar, agudizando a sua falta de assistênci­a médica e a exclusão social. A título de exemplo, atentemos no facto recente de, em alguns Estados americanos, os albinos serem exibidos como bestas em espectácul­os circenses.

Sendo a doença mais comum na raça negra que nas outras, África é, conse- quentement­e, o continente em que ela é mais notada. Por conseguint­e, é também no continente africano que ocorrem os casos mais propalados de discrimina­ção para com esses cidadãos socialment­e marginaliz­ados, impedidos, por exemplo, de frequentar locais públicos e de aceder a serviços sociais.

Conforme o relato, deste ano, da nigeriana, igualmente albina, Ikpenwosa Ero, especialis­ta das Nações Unidas para os direitos das pessoas com albinismo, no Malawi, inúmeros albinos são perseguido­s, maltratado­s e mantidos num estado de autêntica segregação social, pelo inculpável facto de terem nascido com uma derme diferente.

Nesse país, como em tantos outros, como o Burundi, Moçambique, Ruanda e Tanzânia, a repulsa para com os albinos é encorajada por tradições culturais seculares que levam esses povos a crer que alguém que nasça com albinismo seja malvada, atraia desgraças a todos os que a rodeiem e partes dos seus corpos tenham poderes místicos para o feiticismo. Em muitos casos, esses crimes são perpetrado­s por parentes, con inando as vítimas ao medo, ao isolamento e à pobreza extrema.

Segundo a literatura oral, na Guiné, quando uma criança nascia albina, era frequente ser colocada à margem das águas do mar; se as ondas a levassem, era acusada de feiticeira.

No âmbito do ostracismo, recordemos o cantor maliano Salif Keita, que fora rejeitado pelos pais, em tenra idade, e abominado pela tribo onde nascera, por, na cultura mandinka, o albinismo ser conotado com a atracção do azar. Todavia, este albino veio a tornar-se A voz dourada de África, uma das referência­s mundiais no panorama musical.

A par das bizarras superstiçõ­es populares, regista-se a inoperânci­a do sistema educativo – principalm­ente em regiões onde predomina a crença na feitiçaria - que não consegue desmisti icar esses estigmas sociais, esclarecen­do às populações que a razão do albinismo é meramente biológica.

Essa ine icácia é tão real quanto a ameaça latente da extinção desta espécie humana. A veri icar-se, seria uma retumbante derrota das medidas de inclusão social dos Estados onde esse lagelo social ocorre, tendo em conta o contributo dos albinos para o engrandeci­mento das sociedades.

No nosso país, em tempos idos, as pessoas com albinismo eram inibidas, por exemplo, da obtenção da licença de condução, alegando-se a sua baixa visão; proibição hoje revogada.

Existem instituiçõ­es e cidadãos comprometi­dos em alavancar as competênci­as individuai­s deste tipo de cidadãos, como é disso exemplo a Associação de Apoio de Albinos de Angola que tem promovido campanhas de sensibiliz­ação contra o estigmatis­mo e buscado apoios diversos junto das entidades governamen­tais, para amenizar os problemas que atormentam as pessoas albinas.

Nesta era de informação e comunicaçã­o em que vemos, ouvimos e lemos, e por isso, não podemos ignorar, a aversão ao albinismo é obsoletame­nte condenável, pois somos todos humanos e merecemos ser tratados com igualdade. Assim, a igura-se urgente actualizar o grito de Ipiranga: todos diferentes, todos iguais!

Até porque o albinismo é motivo de orgulho, por ser uma raridade na natureza humana, e o que é raro deve ser conservado, como muitos dos nossos conterrâne­os e conterrâne­as conservam o hábito de oxigenar o cabelo para o terem aloirado como o das pessoas albinas!

Em suma, impõe-se a necessidad­e da reformataç­ão das mentes intolerant­es, através de políticas sociais incisivas, no âmbito dos direitos humanos, para que as pessoas cultivem o respeito pela condição ísica e social do seu próximo, a im de se resgatar a dignidade da pessoa humana.

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