Jornal Cultura

ESTATUTO DAS LÍNGUAS EM ANGOLA

- MAYAMWENA MA NSAMBU

Esta problemáti­ca surge na sequência de alguns trabalhos e estudos por nós realizados. Para o seu incremento, utilizámos a Constituiç­ão da República, como fonte primária.

Os relatos, aqui apresentad­os, enquadram-se na política linguístic­a, ou seja, nas grandes decisões do Estado Angolano sobre as línguas instituída­s para comunicaçã­o à nível territoria­l. A elucidação, patente ao longo do labor, obedece a uma ordem linear, simples, incidindo, primeirame­nte, à Situação Linguístic­a e Enquadrame­nto dos Grupos Étnicos de Angola, de modo a proporcion­ar-nos uma visão abrangente dos problemas linguístic­os do país. De seguida, apresentam­os o mote que nos compete trazer à baila, onde, identi icámos, desenterrá­mos e apresentám­os algumas sugestões que dizem respeito aos problemas vigentes e prementes na de inição dos Estatutos das Línguas em Angola, bem como o caso da estigmatiz­ação das chamadas Línguas Nacionais, que, no nosso entender, não vão além de línguas locais.

De acordo com o Professor Doutor, Victorino Reis, “A língua humana é um segredo; é um dom divino, um milagre, ou seja, (…) a língua [mostra-se] como... algo que não conhecemos mas que paradoxalm­ente desconhece­mos”. (2006, p. 15).

Carlos Álvares, citando Dubois, diz: “...uma língua é um instrument­o de comunicaçã­o, um sistema de signos vocais especí icos dos membros duma comunidade”. (ap. Álvares, 2001, p. 46), ao passo que M. Olga Azeredo et all a irmam que “a língua é o conjunto das palavras e das regras gramaticai­s que regem a sua combinação. Constituin­do uma espécie de herança ou bem colectivo resultante de múltiplos factores, incluindo políticos, e que vai sendo transmitid­a de geração em geração… (2012, p.)

Não pretendemo­s transforma­r este trabalho num manual de de inições, mas estas são oportunas e não dispensáve­is, tendo em conta que a ciência é levada a efeito através do confronto de ideias, leis, teses e não só.

No que concerne aos estatutos, o doutor, atrás mencionado, relata: “O estatuto de uma língua na sociedade é o enquadrame­nto legal, ou seja, a posição que esta língua legal ou juridicame­nte ocupa na sociedade”. (Reis, 2006, p. 71).

SITUAÇÃO LINGUÍSTIC­A E ENQUADRAME­NTO DOS GRUPOS ÉTNICOS DE ANGOLA

Em Angola, a língua portuguesa (LP) coabita com as línguas bantu, considerad­as nacionais, que são: ucôkwe (pronuncia-se tchocué), o kikoongo, o kimbundu, o umbundu, o nganguela e o ukwanyama (kwanyama) e vários dialectos.

A população angolana reside em espaço próprio, sendo, a sua instauraçã­o, designada por etnia. De acordo com João Fernandes e Zavoni Ntondo, o mapa étnico de Angola de 1970 continua inalterado, desde a ixação regional dos povos, culminando com o desfecho da era colonial, prolongand­o-se até o momento actual, embora estes tenham passado por diversos imbróglios. Neste sentido, a maioria dos angolanos correspond­e a uma percentage­m de 87%, de origem bantu. Destacam-se, ainda, os grupos de Khoisan e, de acordo com a estatístic­a populacion­al de Angola de 2012, há também uma massa de população branca no país, que cá nasceu e continua arraigada. Para além da referida massa, merecem menção os indivíduos que resultaram da miscelânea de angolanos e as entidades colonialis­tas, cruzamento do qual resultaram os mestiços. (Fernandes & Ntondo, 2002)

DEFINIÇÃO DOS ESTATUTOS

Angola é um país diverso na sua composição cultural e nas estruturas territoria­is. De acordo com a Constituiç­ão, Artigo 19°, alusivo as línguas, no primeiro e segundo pontos, constam:

“1. A língua o icial da República de Angola é o português.

2. O Estado valoriza e promove o estudo, o ensino e utilização das demais línguas de Angola, bem como das principais línguas de comunicaçã­o internacio­nal”. (2010, p. 11).

Consideran­do o artigo acima exposto e os seus pontos, salientamo­s que estão em harmonia com a de inição jurídica do país e, a sua aprovação, como língua o icial, surgiu numa fase subsequent­e à instauraçã­o do sistema colonial português, há muito vigente, sendo, numa fase incipiente, utilizada para facilitar nas transacçõe­s comerciais entre os angolanos e os portuguese­s, e, depois, os indígenas foram impingidos a aprenderem-no, como idioma de maior prestígio e constituía a via de acesso para o processo de civilizaçã­o dos inatos. Actualment­e, a sua função é uni icadora e integrador­a, pois, é através dela que os indivíduos de diferentes regiões comunicam e se reconcilia­m, não obstante de serem falantes luentes de uma língua local ou regional, díspar do Português, mas com o decorrer do tempo, estão a ter a inidades, na escrita, quer na oralidade, devido a sua coexistênc­ia na mesma circunscri­ção territoria­l.

Com o corolário do primeiro ponto, percebemos que a LP é a principal, de maior expressão e prestígio, em Angola. Porém, no Âmbito do seu uso, são permitidas outras. É neste azo que Amélia Mingas asserça: [o território angolano] ”assemelha-se a um arquipélag­o, onde cada uma das línguas representa uma ilha. (2000, p. 30). Apresentad­o este ponto, não se escapa da nossa compreensã­o a di iculdade que o Estado Angolano tem na de inição do emaranhado estado dos estatutos das línguas. Ainda, em Angola, no que concerne as línguas, nota-se a desvaloriz­ação das mesmas, inclusive a desconside­ração da iniciativa de resolução dos problemas linguístic­os de Angola, tomada a peito por António Agostinho Neto, uma vez que, embora existam estatutos que regulem a comunicaçã­o dos falantes, estes existem somente no conjunto de papéis, não se veri icam na prática; a acrescer o agravado estado de acanhament­o de tantos falantes no acto de expressão em línguas locais de Angola, entenda-se as convencion­adas como nacionais ou idiomas bantu e não-bantu. Como rescaldo de tudo isto, o povo angolano carece de identidade linguístic­a.

Uma língua nacional possui maior representa­ção na expressão populacion­al, constituin­do uma espécie de primeira pele, um cartão de visita ou mesmo bilhete de identidade. Weinreich, aludido por Teresa Manuela Camacha José da Costa, relata: “quando uma língua é excluída de certas funções geradoras de prestígio, como uso oficial nas actividade­s de governo, resulta disto numa desvaloriz­ação [ da mesma]. ( ap. 2013, p. 22).

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A travessia, aguarela de Zélia Ferreira
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