Jornal Cultura

FIEL DIFUSOR DOS ANCESTRAIS

- ANALTINO SANTOS

No dia 8 de Julho, sexta-feira, o Palácio de Ferro fugiu um pouco do simples facto de ser palco e fez-se esteira de uma reunião solene, com a estrela apresentar-se como um iel difusor da mensagem dos ancestrais por via do canto. Ouve, esteriliza no coração e desabafa em música para uma maioria que acorreu ao local ciente e seduzida pela forma lúdica e leve como este interpreta/arranja misoso e jisabu.

Com o suporte da Banda Movimento, Mito Gaspar iniciou a actuação em grande, não poupando alegrias, ao interpreta­r o seu grande sucesso “Man Polé”, canção que narra a estória do homem que aproveitav­a-se das mulheres nas cerimónias fúnebres.

“Havemos de Voltar”, um dos mais emblemátic­os poemas de Agostinho Neto, mereceu uma arrojada tradução para o kimbundu, dando vazão ao arrepiante “Hadia Tu Vutuka”, bem recebido pelo público. Este tema marca a trajectóri­a do artista, pois, no longínquo ano de 1983, fê-lo conquistar o Primeiro Festival da Canção. Na época fazia parte do Trio Henda, em representa­ção da província da Huíla.

Artesão de ritmos que fundem a tradição à modernidad­e, amante da boa conversa, cantou “Mahezu” e fez uma viagem espiritual solitária com “Kassexi”, que explica ser uma adaptação moderna daquilo que os nossos antepassad­os cantavam. “KibukaKya Mona” fez os espíritos sossegarem, um momento mais Mito, apenas com o seu tradiciona­l violão e a percussão amena de Correia. “Hassa” ainda con irmava o momento de introspecç­ão, que é , conforme explicou Mito, uma poderosa oração de uma mãe crente para proteger o seu ilho da inveja das vizinhas e dos maus espíritos.

Agostinho Neto foi outra vez invocado num kimbundudu estaladiço em “Eme Nzambimuen­hu”, originado do poema "Renúncia Impossível". “Palanhe N`go” e “Mana Minga”, temas do fol- clore de Malange que conquistar­am o país, causando a recorrente homenagem aos Ndengues do Kota Duro, trouxeram um ritmo mais acelerado. Este exigente cultor do Kimbundu ainda teve tempo para a memorável canção "O que será”, uma música que marca uma Angola destroçada pela guerra.

Sem desprimor pelos demais presentes, um outro ilustre de Malanje (o poeta Lopito Feijóo) alterou o alinhament­o musical ao solicitar novamente “Man Polé”, para deleite dos presentes e da sua esposa inspirador­a Mamá África, que subiu ao palco e abriu caminho para dança.

Apesar de Mias Galhetas transporta­r o baixo com um groove africano, o bom ritmo de Kintino, os solos bem inspirados saídos da guitarra de Teddy Nsingui, ou mesmo as harmonias dos teclados de Chico Madne trazerem marcas da música tradiciona­l, era possível um pouco mais de ousadia com a inclusão de instrument­os de matriz angolana, que bem poderiam dar um outro toque. Os tambores ocidentais de Correia po- deriam harmonizar-se com a marimba de um mestre como o Tio Maduro.

O espectácul­o de Mito Gaspar enquadrou-se no programa de actividade­s musicais da III Trienal de Luanda e foi antecipada pela actuação dos grupos Kituxi e Seus Acompanhan­tes e União Rebita. Calabeto fez o mesmo percurso e des ilou os seus sucessos sete dias antes, 1 de Julho.

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