TRANSVERSALIDADES NOS ESTUDOS (LITERÁRIOS) ANGOLANOS NO BRASIL SOMAM E SEGUEM
Brasil é, provavelmente, o país do continente americano que mais tem desde longa data a preocupação de conhecer a África. Esta suposição parece tornar-se uma certeza, se voltarmos o nosso olhar para o papel pioneiro desenvolvido pela Universidade de São Paulo em torno dos estudos africanos, ainda nos anos 60, com a contratação do escritor Castro Soromenho para ministrar o curso da Sociologia da África Negra, inspirado na sua experiência e vivência em África, mas sobretudo no “sertão” da Lunda, para onde fora trabalhar como funcionário público ao serviço da administração colonial portuguesa. Aliás, espaço geográ ico que serve de pano de fundo da sua trilogia de Camaxilo.
Os estudos africanos e, sobretudo, angolanos, referidos ao plano literário, sofreram um grande impulso com a introdução da pesquisa, análise e divulgação das Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, de que resultaram a inserção na grelha curricular na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da USP nos meados dos anos 70, das Literaturas Africanas de língua portuguesa, com destaque para a angolana e a caboverdiana, as mais pujantes entre as cinco. São pioneiros dessa ‘démarche’ didáctico-pedagógica os prof.drs. Fernando Mourão e Maria Aparecida Santilli, consagrando-se assim como os precursores dos estudos das literaturas africanas de língua portuguesa no Brasil. Depois dessa experiência inicial os estudos literários africanos estenderam-se para outras universidades brasileiras, chegando a ganhar foro de cidadania na media brasileira, sobretudo em alguns órgãos especializados, como na revista África da USP e de estudos da linguagem da Universidade luminense, sem prejuízo do centro de estudos Afro-Asiáticos, sob coordenação do Prof. Cândido Mendes. Entretanto, quando em 2007 estivemos na PUC/ São Paulo sentimos pouco os ecos destes estudos universidade afecta à igreja Católica, pelo que chegamos à conclusão que era uma “aventura académica”, conseguida por meia dúzia de africanistas interessados no conhecimento cientí ico de África. Nesta senda, em inais de 1983, o professor português Alfredo Margarido, publica um interessante artigo sobre “A emergência da literatura angolana”, no mais cotado jornal paulista, o Estado de São Paulo, constituindo na verdadeira uma pedrada no charco do marasmo reservado à África na grande imprensa brasileira, cujo diapasão dos seus intelectuais parece a inar mais para o gigante do norte - os Estados Unidos da América. Em se tratando dos Estudos Unidos, duas a três iguras de académicos entre inais dos anos 60/ e princípios dos anos se ocuparam dos estudos africanos dos PALOP, particularmente Angola (Gerald Bender, autor de “Angola sob domínio colonial português”- história política-, profusamente divulgada entre nós), como em relação à literatura destacamos os professores Russel Hamilton e Gerald Moser (entre outros raros) os nomes mais badalados entre nós.
Voltando ao Brasil, a divulgação da literatura angolana e dos demais 4 PALOP e mesmo africana, em geral, sofre um grande “élan” , com a publicação pela editora “Ática”, igualmente sob coordenação de Fernando Mourão, de títulos de autores angolanos como Wanhenga Xitu, Luandino Vieira, Pepetela, Boaventura Cardoso e Jofre Rocha, para não falar dos caboverdeanos Oswaldo Alcântara, Manuel Lopes e Teixeira de Sousa, ou dos moçambicanos José Craveirinha, Orlando Mendes e Luis Beranrdo Honwana. Em relação á África de língua o icial francesa destacamos a publicação do romance histórico “Sundjata”, de Djibril Tamsir Nyane, e romancista do nigeriano, Chinua Acehe, com o título “O mundo se despedaça”, cujo um dos personagens, Okonkuo, se suicida para recusar a agressão colonial.
Rebobinando o caso de Angola, nos anos 80 poetas como João Maimona viram os seus poemas publicados no Suplemento literário de Minas Gerais, assim como Lopito Feijó, na revista “Dimensão”, sem esquecer o caso do jovem oriundo do Uíge, Luís Queta, falecido precocemente no princípio dos anos 90, que teve os seus poemas publicados num outro periódico brasileiro, que chegou ao nosso conhecimento por via de uma exposição realizada pela BJLA, na extinta galeria Humbiumbi, do inado promotor cultural Tirso do Amaral, cujo vazio deixado no panorama da divulgação das artes é notório, apesar da pequenez do seu espaço, entregue hoje aos serviços de restauração. Porém, nos últimos anos a divulgação da literatura angolana no Brasil tem destacado iguras da nova vaga como Isabel Ferreira, Jonh Bela, Ngonguita Diogo, entre outros, nomeadamente na Baía e não só, com o concurso da “prata da casa”
Nesta senda da divulgação da realidade social, cultural e literária angolana no Brasil, recebemos há dias a notícia da existência da “Transversos: revista de história”, através da nossa caixa de correio electrónico.
Em carta subscrita pelos responsáveis da publicação pode ler-se:
“É com imensa alegria que apresentamos a Transversos: revista de história (ISSN 2179-7528) como o dossiê ‘Áfricas: história, literatura e pensamento social’ ”, sublinhando que“é fruto de desdobramentos das actividades do grupo de pesquisa Áfricas, vinculado ao Laboratório de Estudos das Diferenças e Desigualdades (LEDDES) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), bem como de parcerias com outros núcleos de estudos, pesquisa e extensão, tais como o Laboratório de Estudos Africanos ( LEÁFRICA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).”
Os subscritores enfatizam que “Assim, como o tecido africano estampado na capa deste número da Transversos, o seu dossiê e notas de pesquisa tecem tramas com fios policromáticos: há uma diversidade de objectos e abordagens relativos à multifacetada África, mas que de certa forma, giram em torno do trinómio história, literatura e pensamento social africano”, acrescentando que “Desejamos uma saborosa leitura a todos, despertando novas reflexões e inauditos debates”.
Já no im da missiva lembram que “lembramos também que a Transversos: revista de história recebe artigos em luxo contínuo”, basta que para tanto que “Aceda à página da revista, conheça o nosso dossiê, vejam as regras e enviem seus materiais para os próximos números.”
Finalmente, subscrevem a “mukanda” os Prof. Dr. Silvio de Almeida Carvalho Filho, da LEÁFRICA/UFRJ e Prof. Dr. Washington Santos Nascimento (AFRICAS - LEDDES/UERJ)”. A quem agradecemos e que mandem sempre notícias destas e outras transversalidades entre Angola e o Brasil.