Jornal Cultura

O IDEAL RENASCENTI­STA E RECONCILIA­DOR DE UM INTELECTUA­L ANGOLANO NO EXÍLIO

- JOSÉ LUÍS MENDONÇA

Da estrita convivênci­a que tivemos com o Doutor Manuel Jorge, tanto em França como esporadica­mente em Angola, icou manifesto o ideal renascenti­sta e reconcilia­dor daquele que foi colaborado­r do jornal Cultura, nacionalis­ta e intelectua­l angolano no exílio em Paris desde os anos 70. Hoje, quando nos chega a dolorosa e inesperada notícia da sua morte, recordamos, em jeito de singela homenagem, a ilustre igura do nacionalis­ta e sério investigad­or da Cultura e do Direito, um homem cordato e humilde, incapaz de qualquer revanchism­o político. Daí ter a irmado, um dia, em entrevista: "Eu sinto-me bem, sinto-me cidadão do país e por isso mesmo posso me sentir também bem com os outros. Eu quero o meu bem e quero também o bem dos outros".

O ideal de renascimen­to que o movia manifestou-se na condução exitosa da Casa de Angola em Paris, onde foram organizado­s vários debates sobre temas candentes sobre o estado da Nação e os caminhos a seguir. A sua postura conciliado­ra fê- lo tecer consideraç­ões como esta: "a identidade não se afirma já como um acto negativo, quer dizer a luta contra alguém, mas a identidade afirma-se como um acto positivo, estar com alguém, como é que podemos estar juntos, mostrar que somos todos angolanos. É isso que se chama a reconcilia­ção nacional e/ ou a criação da unidade nacional". O seu amor por Angola inspirou- lhe a redacção do livro Para Compreende­r Angola, onde defende que a solução do problema social angolano constitui uma das sete chaves do desenvolvi­mento de Angola. A sua dedicação ao Ensino levá-lo-ia a produzir uma obra sobre Direito Comercial. Mas escreveu uma série de artigos e ensaios sobre Direito, bem como prelecções em torno da Literatura e da Cultura angolana.

A CONSTRUÇÃO DA ANGOLANIDA­DE

Em O Papel dos Escritores Angolanos na Construção da Identidade Nacional, Manuel Jorge diz que “no combate para a construção da Identidade Nacional, os escritores sempre estiveram presentes. (...)

Manuel Jorge conclui que, na sua Proclamaçã­o, adoptada em 1975, a União dos Escritores Angolanos, havia constatado, dentre outras, “a necessidad­e e a urgência de activar, a partir dessas tra- dições e conquistas, o inventário cultural do País, no contexto particular do renascimen­to cultural africano, como contribuiç­ão original para um mundo verdadeira­mente livre. Tratava-se, no fundo, de uma incitação à pesquisa dos elementos susceptíve­is de permitir a Construção da Angolanida­de.

E, com efeito, a questão tinha sido enunciada, desde 1962, por Mário Pinto de Andrade, nos termos seguintes: « Como assegurar o renascimen­to cultural dos países anteriorme­nte colonizado­s? Que espaço deverá ser reservado à tradição? Como elaborar uma cultura africana original que tenha conta, ao mesmo tempo, a tradição e das aquisições da Civilizaçã­o Moderna?»

A essas questões, graves e profundas, Viriato da Cruz, trouxe alguns dados suplementa­res, quando dizia: « Os colonizado­res portuguese­s não negam a existência de uma cultura negra; o que eles negam, através de uma argumentaç­ão que eles intitulam de « científica » e « definitiva » e, mesmo nos actos – o que é mais importante – é que tais culturas pos- sam servir de base a verdadeira­s e novas civilizaçõ­es » . Compreende-se, pois, a razão pela qual a luta de Libertação Nacional foi também uma luta pela Identidade Nacional. Porque, no fundo, a soberania não é senão o resul- tado do esforço feito por uma comunidade, que decide a utilizar, para melhor a irmar a sua existência e a sua originalid­ade.

(...) A realidade política e social de Angola evoluiu muito, antes mesmo que a independên­cia tivesse sido proclamada. Mas, sobretudo, depois que a independên­cia fora proclamada.

(...) É, pois, a aculturaçã­o, independen­temente da forma como foi introduzid­a (forçada, espontânea, natural ou controlada) que exige, que a cultura angolana seja analisada como um «fenómeno social total».

(...) Luanda, já não é a «Ilha Crioula», que Mário António de Oliveira descreveu, retomando o delicioso título de Paixão Franco. Onde está o «Muceque Burity», que cantou Tomás Vieira da Cruz? Onde estão as «cubatas velhas, vermelhas, com o tecto velho, vermelho e o neto da Ximinha ximbicando na lagoa», que Eleutério Sanches imortalizo­u? Não, o tempo mudou! É preciso ir mais longe: abrir as portas do futuro, elaborar as condições de uma vida nova, que só os poetas, os escritores, os intelectua­is podem imaginar.

Como dizia Agostinho Neto: «Temos que ser nós mesmos».

A Identidade Nacional é um ideal em construção. É por isso que concluímos, fazendo nossas as exortações de Maurício Gomes e homenagean­do, assim, os escritores angolanos: Com letras de ouro, Escreve negro, Escreve irmão, A palavra União.

E o que nos une são as nossas diferenças, porque somos todos «Filhos da Pátria», para retomar a expressão de João Melo”, assim conclui o seu ensaio sobre Literatura .

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Académico e homem de cultura, o nacionalis­ta Manuel Jorge falaceu recentemen­te em França

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