EUCLIDES DA LOMBA NO SHOW DO MÊS KIZOMBA EM ESTÁDIO MADURO
Coração de Kizomba foi o título que a organização decidiu dar ao espectáculo, no intuito de fazer valer o bom desempenho de Euclides da Lomba neste género. Tal proposição é justa. Começou por brindar os presentes com o sucesso "Recado do Semba", um dos temas do seu último álbum de originais que deixou à disposição do público. Mas não era o semba o grande cartaz da noite, sendo este apenas um início solene, tendo lá trás, nas congas, Joãozinho Morgado a garantir a batucada. Muito rapidamente, como era de prever, se volta para o género que cultiva com uma mestria reconhecida: a kizomba. Mas sem se deixar ir pelas mudanças que tanto a trans iguraram, procurando não fugir dos temas que o tornaram querido do público e que lhe garantiram uma maturidade musical capaz de se consagrar passados mais de vinte anos de música. "Quem me Ama" foi su iciente para denunciar o que viria mais tarde, dado que a temática universal do amor, no seu modo confessionário e sofrido, foi sempre a base da sua música. Mas o registo fez um público voltar ao tempo em que a kizomba fazia frente à intenção romântica brasileira e tinha todo um gesto de galanteio na performance das suas letras, sem atingir sensibilidades e correr o risco de injectar no mercado letras que ferem o pudor dos ouvintes.
O registo "Falso Con idente" tem na musicalidade melodias que se aproximam do belo trabalho da banda uigense Versáteis e con irmou antecipadamente as in luências que bebe do vizinho Congo Democrático. O piano e a guitarra de Elias tinham ganho protagonismo. Konga, violino e trompete foram os ingredientes para a latina "Crey Ame". Este ritmo fê-lo lembrar o início convicto da sua vida musical, quando era estudante na América Latina. "Tudo En im", letra da sua autoria mas que estamos habituados a ouvir pela calma e doce voz de Ângela Ferrão, ganhou uma roupagem e possibilidade musical que só os que lá estiveram poderão contar um dia. Os ritmos latinos voltaram a aquecer o público com a conhecida "Guantanamera", quando o Euclides já ia de violão em punho.
Mas o piano se adiantou no registo "Buscando Teu Corpo", umas das mais bem conseguidas kizombas angolanas de todos os tempos. O coração voltou a aquecer com "Mil Motivos", deixando a plateia a cantar em uníssono. "Teu Jeito Atrevido", irresistível para um bom pé de dança, desarrumou os convidados, que se viram obrigados a dar mesmo uns toques no exíguo espaço que separava as alas.
Como que de balde de água fria se tratasse, não esperávamos que tirasse do repertório uma canção escrita em 1985 e que nunca teve coragem de editá-la em disco porque é uma coisa muito própria da família da Lomba. É uma canção que homenageia a mulher mais importante da sua vida: a sua mãe. É uma balada, de temática épica, que narra os contratados que vieram de Cabo-Verde para Angola, especialmente a mãe do nosso artista de Cabinda, que nessa altura tinha apenas 15 anos. Um registo sentido, arrepiante pela estória narrada. E foram as lágrimas a espreitar os olhos que obrigaram Euclides da Lomba a parar. Mas a trova continuou com as interpretações de "Mbiri Mbiri" (Carlitos Vieira Dias), "Hasta Siempre Comandante Che Guevara" (Buena Vista Social Clube) e "Amor Roubado" (Guilherme Silva).
A kizomba voltou ao seu melhor com "Angústia Fatal", um dos pontos altos do espectáculo, ao trazer do álbum Livre Serás, um dos registos que, nos dias actuais, se contrapõe às roupagens efémeras que imperam no mercado.
Foi de facto um convidado surpresa: o congolês Lutchiana. Conhecido em solo angolano pelos sucessos "Decepcion" e "Junior", de grande aceitação junto do público angolano.
Euclides recomeça com "Livre Serás", com arranjos harmónicos ajustados, num produtivo casamento entre a guitarra e o violino, ganhando depois a interpretação clássica, ao modo europeu, de Bruno Neto. "Parrandeira" voltou a a irmar a kizomba, também cantada em tom alto por quase todos os presentes. "Tchuctha" eleva-se como a a irmação do lado cabo-verdiano em Euclides da Lomba, tanto na musicalidade desta kizomba como na maneira como a entoa. E esta linha diferencial é clara em Euclides, sendo mais pro ícuo na kizomba de batida angolana. "Regressa" foi cantada em pé e em uníssono por todos aí presentes. Trata-se de um registo kizomba que os angolanos nascidos em 80 para cá di icilmente esquecerão. Embora fosse o prenúncio do im, não deixou de parte uma das kizombas mais passadas pela Televisão Pública de Angola e que o fez conhecido das gerações mais novas: "Desejo Malandro", ainda no tempo das letras decentes e do cuidado a ter com o pudor. Fecha a edição do Sow do Mês com "Caso de Amor", também cantada em pé, com o público a demonstrar as saudades dos tempos em que a kizomba era uma presença no seio das famílias.
Enchente
Desta vez não foi pouco trabalho que Yuri Simão, o promotor dos espectáculos Show do Mês, teve em mãos. A sala do Royal Plaza já não dava para meter tanta gente com tanta sede pela música de Euclides da Lomba, artista convidado nos dias 2 e 3 de Setembro. O Jornal CULTURA fez-se presente no dia 3, e testemunhou uma enchente que faz pensar que a música de Euclides icou gravada, nestas três décadas de actividade artística, de forma precisa no coração dos seus amantes. Mas a nossa reportagem pode apurar no local que no dia anterior o sucesso foi igual. As cadeiras do Royal Plaza já não bastavam, tanto que as senhoras do protocolo viram-se obrigadas a convidar alguns jornalistas que estavam sentados numa das alas da sala a irem para o fundo e assistiram ao espectáculo em pé, a ver se desocupavam os lugares para os convidados que não paravam de chegar, visto que, ao que justi icavam as lindas senhoras, "são eles que são a prioridade". Resignados, os jornalistas acataram a ordem. Esta foi das edições em que mais jornalistas marcaram presença, para bem ou mal nas contas de Yuri, ao que a classe tem a agradecer pela facilidade e imediata disposição em colocar jornalistas dentro da sala de espectáculo mal estes chegam à porta. Os públicos desta edição foram vários, desde reputadas personalidades da política angolana a iguras menos conhecidas no grande ecrã.