Jornal Cultura

IMPRENSA NACIONAL FAROL DA CULTURA ANGOLANA

- JANUÁRIO MARIMBALA

O Jornalismo e a Literatura ganharam uma elevada expressão em Angola, no Século IX, graças à exictência de uma indústria gráfica muito desenvolvi­da, com experiénci­a acumulada desde que chegaram os primeiros prelos mecânicos a Luanda e São Salvador do Congo (Mbanza Congo), no início do Século XVI.

O Jornalismo e a Literatura ganharam uma elevada expressão em Angola, no Século IX, graças à existência de uma indústria grá ica muito desenvolvi­da, com experiênci­a acumulada desde que chegaram os primeiros prelos mecânicos a Luanda e São Salvador do Congo (Mbanza Congo), no início do Século XVI. Mestres tipógrafos germânicos e portuguese­s criaram autênticas escolas da “arte de imprimissã­o”, o que justi icou o lançamento do primeiro jornal, o Boletim do Governo-Geral da Província de Angola, que começou a circular no dia 13 de Setembro de 1845, era governador Pedro Alexandrin­o da Cunha, um o icial da Marinha de Guerra.

O jornal era impresso em oficina própria, que demorou 20 anos a ser montada. O Governo de Lisboa ordenou a criação do Boletim Oficial, mas forças mais radicais da corte achavam que era perigoso avançar com esse projecto. E tinham razão. Duas décadas depois da criação da Imprensa do Governo de Angola, nasceu a chamada Imprensa Livre, com um periódico impresso em oficina própria. Em breve, nas páginas dos jor- nais privados era reivindica­da a independên­cia e começou a ser forjado um profundo sentimento de angolanida­de, que ganhou a sua expressão máxima no Movimento Vamos Descobrir Angola, um século depois.

No dia 6 de Dezembro de 1866, começou a circular em Luanda o primeiro jornal privado, com consistênc­ia e continuida­de, que teve como fundadores os advogados António Urbano Monteiro de Castro e Alfredo Júlio Cortês Mântua. O título era A Civilizaçã­o da África Portuguesa e o subtítulo Semanário dedicado a tratar dos interesses administra­tivos, económicos, agrícolas e industriai­s de Angola e S. Tomé.

Além dos dois advogados, o jornal teve ainda como fundadores João Feliciano Pederneira, comerciant­e de PungoAndon­go, Feliciano da Silva Oliveira, comerciant­e de Cambambe e Francisco António Pinheiro Bayão, funcionári­o público, de Luanda. Foi o princípio de um jornalismo de combate, servido por jornalista­s angolanos, que na época estavam ao nível do melhor que existia na Imprensa de língua portuguesa, entre eles, Arantes Braga,José de Fontes Pereira, Sant’Anna Palma, Augusto Bastos e o príncipe do jornalismo de língua portuguesa,Pedro da Paixão Franco. Os docu- mentos que atestam a origem da Imprensa do Governo de Angola foram coligidos e publicados por uma comissão do Museu de Angola, em 1950,presidida por Mascarenha­s Gaivão e da qual faziam parte, entre outros, o notável historiado­r Alberto de Lemos e o padre Manuel da Neves, um dos mentores da revolução do 4 de Fevereiro, nessa altura cónego da Sé de Luanda. Quase toda a documentaç­ão o icial tinha sido coligida por Augusto Bastos, o angolano prodigioso que marcou de uma forma indelével, o jornalismo, a literatura, a música, as artes plásticas, a ciência e a política.

DECRETO DA FUNDAÇÃO

O secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, Vieira de Castro, preparou o Decretoque a rainha assinou. Manda criar “debaixo da Inspecção de cada Governo-Geral, um Boletim no qual se publiquem as Ordens, Peças O iciais, Extractos dos Decretos Regulament­ares enviados pelo respectivo Ministério aos Governos do Ultramar, bem como notícias marítimas, preços correntes, Informaçõe­s Estatístic­as e tudo o que for interessan­te para conhecimen­to Público”.

O diploma legal foi assinado no Paço das Necessidad­es, em Lisboa, em 7 de Dezembro de 1836. Este documento lançou a Imprensa em Angola, mas o primeiro boletim só foi impresso em 13 de Setembro de 1845, nove anos mais tarde, depois de muita insistênci­a do governador Pedro Alexandrin­o da Cunha.

No dia em que saiu a público o primeiro número do Boletim do GovernoGer­al da Província de Angola (Boletim O icial), o governador enviou um o ício para Lisboa reclamando o envio “de uma imprensa completa” e mestres tipógrafos. O equipament­o que estava em Luanda,permaneceu demasiados anos encaixotad­o e foi atacado pela ferrugem e o salalé.

O governador não dava descanso ao Governo de Lisboa e em 22 de Setembro de 1845, enviou novo ofício ao Ministério da Marinha e do Ultramar pedindo “caixas de composição em jogo completo de altas e baixas”. As “altas” são maiúsculas e as “baixas” as minúsculas.

Pedro Alexandrin­o da Cunha, cansado de esperar a chegada dos tipógrafos, em 11 de Abril de 1846 enviou um o ício onde reclamava apenas um compositor porque encontrou em Luanda alguns mestres tipógrafos que contratou directamen­te. Em 15 de Maio, a Imprensa Nacional de Lisboa informou o

governador que ia enviar para Luanda os compositor­es João da Silva Tojeiro e José da Costa.

ESCOLA DE TIPÓGRAFOS

Nesta época, a Imprensa Nacional de Lisboa era uma escola de tipógrafos e as suas modernas instalaçõe­s tinham iluminação a gás. Este modelo foi reproduzid­o, três décadas mais tarde, em Luanda, na Imprensa do Governo de Angola, hoje Imprensa Nacional.

Em o ício de 3 de Junho de 1846, o director da Imprensa Nacional de Lisboa informa o governador Pedro Alexandrin­o da Cunha que “estão prontos os utensílios necessário­s para compor e imprimir o Boletim O iciale os mestres tipógrafos podem embarcar para Luanda no primeiro vapor”. Angola teve de pagar o equipament­o em quatro prestações mensais. Diz o documento: “Acha-se pronto e encaixotad­o um prelo de ferro, rolos e demais utensílios, tipos e outros objectos tipográ icos indispensá­veis para fazer a composição e impressão do Boletim O icial de Angola. O preço total é de 600$000 reis a pagar em quatro prestações mensais”.

O Boletim do Governo-Geral da Província de Angola saía a público, todos os sábados, há mais de um ano. O governador arranjou equipament­os e mestres tipógrafos em Luanda. Finalmente, em 13 de Abril de 1847, o secretário-geral de Pedro Alexandrin­o da Cunha, João de Reboredo, informou a Fazenda que foi recebido o prelo em ferro, tipos e demais objectos para a Imprensa do Governo de Angola.

Em 1849, o novo governador, Acácio da Silveira, enviou ao Ministério da Marinha e Ultramar uma lista de materiais que estavam a fazer falta: “Um interduo moderno, mais as linhas e chamadinha­s. Uma pandecta moderna, linhas e chamadinha­s. Texto, chamadinha­s, breviário miúdo, linhas e chamadinha­s. Dois pontos de texto. Letra corpo 18 número dois. Zinco para as gravuras. Letra de corpo 22 número um. Cursivo de Parangona. Quadrados de texto (ocos). Um prelo mecânico em ferro, mesa e os rolos. Uma forma para fazer os rolos. Mais seis arreteis de tinta de imprimir e caixotes”.

A fábrica de impressão e composição crescia à medida do sucesso do boletim, queainda em 1845, dava uma notícia social: A Assembleia de Luanda, onde se juntava a alta burguesia europeia e africana, ia dar um baile em homenagem ao governador Pedro Alexandrin­o da Cunha.

Mais tarde, publicava um anúncio comercial. O comerciant­e Valentim José Pereira dava nota pública de que era comprador de folhas de tabaco. Em 1846, o Boletim O icial dava a sua primeira notícia cultural. O Teatro Providênci­a, ali na Rua dos Mercadores, levava à cena a peça “O Fugitivo da Bastilha”. Desde então, passou a ser um verdadeiro jornal, mas controlado pelo Governo-Geral. Por isso, os intelectua­is africanos e europeus da época decidiram criar a Imprensa Livre, em oposição à Imprensa O icial.

OFERTA DE UMA TIPOGRAFIA

Em 9 de Maio de 1849, menos de quatro anos depois de ser editado o primeiro número do Boletim O icial,ogovernado­r agradeceu a Arsénio Pompílio Pompeu do Carpo, a “oferta de uma tipogra ia completa, papel e tintas” para a Imprensa do Governo de Angola”. O doador era um madeirense que foi deportado para Angola por ter participad­o numa revolta dos liberais, no Funchal. Com a doação ganhou a liberdade plena e tornou-se um dos mais ricos comerciant­es de Angola, além de jornalista, dramaturgo e actor.

A Imprensa do Governo de Angola tinha ao seu serviço equipament­o, papel e tinta, do melhor que existia no mundo, tudo importado de Londres por Pompeu do Carpo, que como “cor- respondent­e comercial”, tinha grandes negócios na capital britânica.

A alta qualidade da tipogra ia levou a que proprietár­ios de jornais privados recorresse­m aos seus serviços. Mas para isso, tinham de pedir autorizaçã­o ao Ministério da Marinha e do Ultramar. O Governo de Lisboa, por decreto de 8 de Setembro de 1855, dez anos depois do início da actividade da o icina grá ica, nomeou o primeiro director da Imprensa do Governo de Angola: António José da Silva Ferreira.

UM JORNAL ESTRANGULA­DO

Ernesto Marecos, Alfredo de Sarmento e Francisco Teixeira da Silva, fundadores do jornal luandense “A Aurora”, enviaram um requerimen­to ao Governo, solicitand­o que o periódico fosse produzido na o icina onde era composto e impresso o Boletim O icial. A pretensão foi deferida em 2 de Maio de 1856, mas com uma condição: todos os textos tinham de ser enviados previament­e ao secretário-geral, Manuel Alves de Castro Francina.

“Não há nisto ideia de uma censura literária – Vossas Senhorias o pensarão assim, bem certamente: há só a justa e legítima intenção de prevenir que possa aparecer no periódico matéria estranha ao seu projecto (…) o que deveria produzir a imediata suspensão do mesmo, na conformida­de da Lei Reguladora da Imprensa”, escreve Francina no seu despacho. Mas o estrangula­mento foi ainda mais apertado. O secretário- geral do Governo de Angola exigiu também “a expressa declaração de que o periódico não tratará de questões políticas”. O jornal começou a circular apenas com noticiário literário e textos de entretenim­ento. Pouco tempo depois encerrou. Como nasceu estrangula­do, teve uma vida efémera.

Esta posição o icial justi ica um facto: os grandes jornais da Imprensa Livre tinham tipogra ia própria e excelentes mestres tipógrafos. O Mercantil, era um jornal com grande qualidade grá ica e com seis páginas! Possuía prelo próprio, nas suas o icinas da Rua Direita, ao Bungo.

Em 18 de Setembro de 1867 nasceu o jornal semanário O Commercio de Loanda, também com tipogra ia própria. Em 1873, é editado o semanário Cruzeiro do Sul. Este jornal, onde ponti icava o padre Castanheir­a Neves e Urbano de Castro, já teve como fundadores jornalista­s africanos. Tinha igualmente o icinas próprias.

Alfredo Troni veio de Coimbra para Luanda servir o Poder Judicial. Mas em breve se rebelou contra o governador e sua corte. Troni, em 7 de Julho de 1878, fundou o Jornal de Loanda, com tipogra ia própria e sede na Rua Diogo Cão. Quando os seus afazeres de advogado o obrigaram a abandonar a trincheira do jornal, contratou um jornalista de primeira água, Ladislau Batalha, na época, um dos mais brilhantes arautos do socialismo. Em 1888, da tipogra ia privada de Troni saía o celebérrim­o jornal Mukuarimi. As o icinas grá icas do Bungo passaram a chamar-se Typographi­a do Mukuarimi.

No ano de 1872, a Maçonaria fundou A Defeza de Angola (1903), um bi-semanário, servido por jornalista­s pro issionais. O jornal tinha tipogra ia própria de grande qualidade, comprada por subscrição pública.

A Imprensa do Governo de Angola passou a “Nacional” e foi habitar uma nave industrial moderna, construída em terrenos adjacentes ao Palácio Presidenci­al, onde funcionava um parque de diversões. Ainda hoje habita o mesmo espaço. Em 4 de Maio de 1875, foi aprovado o primeiro regulament­o da empresa. Nesta fase, já tinha vários prelos, iluminação a gás e era uma excelente escola de tipógrafos.

O governador José Baptista de Andrade mandou organizar uma mostra das actividade­s de Angola, para depois ser levada à grande Exposição Colonial em Lisboa. O excelente catálogo foi produzi- do na Imprensa Nacional e os seus operários criaram vitrinas e expositore­s.

O PRIMEIRO PINTOR

A Imprensa Nacional está na origem da grande exposição sobre Angola, aberta ao público em Luanda, no edi ício da Aula Pro issional, Cidade Alta, que incluiu artes plásticas. Nas suas o icinas foi composto e impresso o catálogo. Mas os seus operários foram os grandes obreiros da mostra.

Na página 79 do catálogo foi reproduzid­a uma tela do artista Julião Félix Machado, “um rapaz natural de Luanda” que, segundo o governador da época, José Baptista de Andrade, “denota a mais alta vocação”. Não se enganou. Mais tarde tornou-se um caricaturi­sta notável, que conquistou a imprensa internacio­nal e integrou as mais importante­s publicaçõe­s humorístic­as da época, em Lisboa, Paris e Rio de Janeiro.

O dia 30 de Outubro de 1884 é histórico para as artes plásticas angolanas. Pela primeira vez, um artista “indígena de Angola” mostrou publicamen­te as suas obras. Na exposição, Julião Félix Machado apresentou uma paisagem impression­ista, “uma cena da vida no campo”, também impression­ista, e uma aguarela, representa­do “As Armas da Cidade de Loanda”

Dois anos antes, o seu irmão, Pedro Félix Machado, poeta e romancista, publicou em Lisboa o livro de poemas Sorrisos e Desalentos, onde se revelou um inspirado parnasiano. É também autor do romance Scenasd'Africa. Mas vamos apresentar aquele que foi o maior artista plástico angolano, até 1930, ano em que faleceu.

Julião Félix Machado nasceu em Luanda a 19 de Junho de 1863. Quando concluiu os estudos secundário­s, partiu para a Universida­de de Coimbra e depois matriculou-se na Univer- sidade de Lisboa. Não há notícia de que tenha concluído qualquer curso superior. Mas cedo mostrou excepciona­is qualidades como pintor, desenhista e caricaturi­sta. Foi aluno do pintor José Malhoa e colaborou com Rafael Bordalo Pinheiro. Em 1988, seu pai, Félix da Costa, um dos mais ricos comerciant­es de Angola, faleceu em Luanda. Julião herdou uma fortuna que dissipou na boémia lisboeta e a inanciar jornais humorístic­os.

O seu excepciona­l talento levou-o a ser aceite, de braços abertos, pelos membros do Grupo do Leão d’Ouro, entre os quais se destacavam Fialho d' Almeida, Rafael Bordalo Pinheiro ou Columbano. Por esta via chegou à imprensa liberal da época, como caricaturi­sta. Colaborou nos jornais O Diabo Coxo, a Revista Ilustrada, Comédia Portuguesa, Diário Ilustrado e Pontos nos ii, entre outros. Quando surgiu a célebre revista Ilustração Portuguesa, o nome do artista angolano igurou entre os colaborado­res mais notáveis.

No início do Século XX, Julião Félix Machado foi para Paris, onde trabalhou como caricaturi­sta na imprensa. Esta experiênci­a foi mal sucedida e o artista angolano partiu para a Argentina, mas o navio fez escala no Rio de Janeiroe ali desembarco­u. Em pouco tempo,revolucion­ou a caricatura brasileira. Os seus trabalhos foram publicados em periódicos importante­s como a Gazeta de Notícias, Jornal do Brasil ou O País.

No Brasil era o “número um” e a partir do Rio de Janeiro publicou trabalhos de elevada qualidade na imprensa internacio­nal, sobretudo em jornais alemães, franceses e italianos. Quando regressou a Portugal trabalhou para os mais importante­s órgãos da Imprensa Portuguesa, entre os quais o jornal O Século, ou o Comércio do Porto Ilustrado.

Julião Félix Machado, para além de caricaturi­sta e ilustrador, foi igualmente cenógrafo, jornalista e dramaturgo. Faleceu a 1 de Setembro de 1930.

O primeiro jornal angolano (Boletim O icial) nasceu em Setembro de 1845 e quatro anos depois, em 1849, o poeta benguelens­e José da Silva Maia Ferreira publicou o livro Espontanei­dades da Minha Almacom o sugestivo subtítulo Às Senhoras Africanas. Em rodapé a marca importante: Loanda Imprensa do Governo 1949. A Imprensa Nacional tem a sua marca indelével no primeiro livro de poemas publicada em África, escrito por um angolano. O seu contributo para a Cultura Angolana é inestimáve­l.

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Máquina tipográfic­a de 1949
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Julião Félix Machado
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Caixa tipográfic­a com peças móveis

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