Jornal Cultura

A DIVISÃO DA FRONTEIRA ANGOLA CONGO-KINSHASA

CONFERÊNCI­A DE BERLIM

- JOÃO MAVINGA | MBANZA CONGO

A fronteira do Luvo, ao invés do limite inicial acordado na Conferênci­a de Berlim em 1885, que se situava em Matadi, sofreu um recuo até ao rio Buila.

“Pela traição dos missionári­os, o rei do Congo, Ntótela, dicidiu encerrar as missões católicas e protestant­es durante um século”

A fronteira do Luvo, antes da realização da Conferênci­a de Berlim em 1885, tinha os marcos históricos que ditavam a divisão da RDC com Angola, ixas na cidade portuária de Matadi, concretame­nte, no traçado marítimo do rio Zaire.

Reza história que a cidade congolesa de Matadi, antes, pertencia a Angola. A Conferênci­a de Berlim é o fórum pelo qual o cidadão Belga identi icado por Stanley anunciou, o icialmente, a personagem que descobriu a República Democrátic­a do Congo e por Angola, o português Diogo Cão que fez história da descoberta do país através da foz do rio Zaire em 1482.

Os relatos do historiado­r Pedro Matos expressam o nome de Nkumba Ungudi, como antiga designação de Mbanza Congo. Na altura, houve choques entre a Igreja Católica e a Protestant­e. Tudo porque o antigo rei do Congo, conhecido por Ntótela e baptizado por D. Álvaro, era analfabeto.

“Não sabia ler nem escrever” explicou Pedro Matos, para quem o rei delegava poderes na época para o padre capuchinho D. Barroso assumir os trabalhos administra­tivos com a elaboração de documentos o iciais em nome do rei. Vendo tamanha envolvênci­a do tema ao rei, D. Barroso decidiu por conta e risco, redigir um documento, que de inia a sinalizaçã­o da divisão fronteiriç­a com a RDC.

O documento, foi redigido pelo Padre capuchinho à revelia, isto é, sem o conhecimen­to do rei do Congo, D. Álvaro, que também não dominava o teor verdadeiro da carta. O Padre capuchinho, ao ler o conteúdo plasmado na carta ao rei do Congo, fê-lo de forma enganosa ao chefe máximo do reinado, justi icando com palavras, meramente, de estreitame­nto de relações entre Belgas e Mbanza Congo, o que era falso.

O padre Capuchinho, que assumia o papel de porta-voz, usou estratégia­s para convencer o rei do Congo a aceitar, como sendo o icial o documento que elaborou para ser apresentad­o na conferênci­a de Berlim, onde estavam presentes todos os consignatá­rios do processo da divisão das fronteiras como se dossier do con lito dos Grandes Lagos se tratasse.

“Apresentad­a a carta falsa os participan­tes na Conferênci­a, não izeram outra coisa senão aprovar por unanimidad­e o documento do padre, cujo teor, na verdade, não era do domínio do rei Ntótela, personagem que tinha voz autorizada para a resolução de qualquer problema naquela época” explicou o historiado­r Pedro Matos.

Apercebend­o-se da actitude malvada, o rei do Congo, D. Álvaro, e o seu conselheir­o ficaram enfurecido­s com o comportame­nto do padre capuchinho Barroso.

“O conflito entre católicos e protestant­es deveu- se à traição protagoniz­ada pelo capuchinho D. Barroso que elaborou um documento à revelia, como de autoria de rei do Congo se tratasse, que definiu durante a conferênci­a de Berlim, os limites fronteiriç­os que separaram Congo de Angola até hoje, num processo orientado por Belgas e portuguese­s” conta a nossa fonte.

Como medida contra a traição do padre capuchinho Barroso, o rei do Congo, Ntótela, ordenou o encerramen­to imediato das missões católicas e protestant­es, uma punição que durou cerca de um século.

Conferênci­a de Berlim

Assim, como era plano secreto plasmado na carta do padre capuchinho, os portuguese­s fixaram estacas de madeira nos limites acordados ao passo que os Belgas produziram pilares de cimento e ferro que fixaram nos locais indicados. Como um azar nunca vem só, na época das queimadas de lavras, as madeiras que delimitava­m a RDC com Angola desaparece­ram pura e simplesmen­te, enquanto os pilares da RDC permane- cem até hoje. Por esta razão, tal como aludiu o nosso entrevista­do, a fronteira do Luvo, ao invés de estar no limite inicial acordado na Conferênci­a de Berlim em 1885, que se situava em Matadi, na linha divisória do rio Zaire, sofreu um recuo de grande distanciam­ento a partir de Matadi até ao rio Buila, entre a localidade do Quilómetro cinco e PETECE.

“A grande questão é que os belgas cobiçavam Matadi, devido à presença do mar e do porto internacio­nal que o Congo não tinha na época” referiu Pedro Matos que, de seguida, falou da unidade que existia entre a província do Zaire e a região do Baixo Congo, em conformida­de aos usos e costumes comuns e os casamentos entre os povos.

Convivênci­a social

Antes da Conferênci­a de Berlim, a circulação de pessoas e bens de um lado para o outro, era feita de forma regular, sem qualquer distinção e controlo entre os dois povos, pois o colono, quando entrou no Zaire, encontrou em Mbanza Congo um Estado bem organizado tanto a nível das igrejas como no reinado do rei Ntótela.

“Antes da Conferênci­a de Berlim os povos do Congo e de Mbanza Congo, visitavam-se e falavam a mesma língua, o kikongo, casavam-se e eram livres” disse, peremptori­amente, o historiado­r à nossa reportagem. Com a perda da região de Matadi, as autoridade­s belgas, na intenção de normalizar as relações de cooperação beliscadas na altura e compensar os portuguese­s, enfurecido­s pela traição do padre capuchinho, decidiram entregar a região diamantífe­ra das Lundas, para pertencer a Angola. “As Lundas pertenciam à RDC” disse.

Após do desapareci­mento dos marcos históricos da fronteira, o serviço de imigração congolês estava localizado na região de Songololo, a 20 quilómetro­s do actual posto do Luvo. Reza a história, o limite fronteiriç­o da RDC, em 1962, após das escaramuça­s da antiga guerra colonial, encostou à actual zona de PETECE, onde está até hoje.

“O limite de PETECE não é o icial, é ilegal, porque as duas pontes entre Luvo e Malanga, antes, pertenciam Angola. Onde está o mercado do Congo, antes era terreno neutro. A alteração surgiu desde 1962 até à data presente” disse Pedro Matos.

Quando a população do Zaire, Bengo e Uíge fugia para o antigo Congo Leopoldvil­le, os portuguese­s, em perseguiçã­o, chegavam até à via principal do Congo na zona do quilómetro cinco, onde se estabelece­m as direcções a Matadi e à capital Kinshasa.

Depois da Independên­cia

Um ano depois da proclamaçã­o da independên­cia nacional, em 1976, o governo instalou-se na fronteira do Luvo, onde colocou um batalhão de militares de guarda fronteira, para prevenir novas violações de fronteira. De 1976 a 1986 a fronteira icou fechada, por questões de segurança. A única via utilizada para as visitas de famílias de ambos os lados situava-se no município fronteiriç­o do Nóqui.

Meses depois do bloqueio que durou 20 anos, o governo angolano negociou com a sua congénere do Congo-Kinshasa, para a reabertura da fronteira do Luvo. Pela parte angolana o acordo foi assinado pelo comissário Kumbi die Zabo e pela parte do Congo o governador do baixo Congo Nzuzi wa Mbombo, fruto da deslocação a Kinshasa do então presidente Dr. António Agostinho Neto.

No dia 23 de Agosto de 1986, o acordo da reabertura da fronteira do Luvo foi alcançado, cujo mercado transfront­eiriço na altura foi orientado para a efectivaçã­o de transacçõe­s comerciais à base de permutas. “Tenho leite Nido, recebo uma grade de cerveja do Congo” disse.

As relações foram evoluindo desde 1977 até à data presente e já passaram na administra­ção do Luvo qualquer coisa como 10 consulados ( administra­dores e dois adjuntos). Antes da independên­cia Nacional, Luvo era conhecido como posto de Nkossa. Mas administra­tivamente, Luvo já congregava os serviços de imigração.

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A fronteira acolhe mais de 50 mil pessoas por semana
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JOÃO MAVINGA|LUVO Académico Pedro Matos conta a história do Luvo
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Enchente no dia do mercado do Luvo

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