COMO LI “NZAJI, O ÚLTIMO CONTRATADO” DO ESCRITOR DOMINGOS DE BARROS NETO
Na realidade é preciso ter- se uma sensibilidade enorme; é preciso terse vivido nessa época “escura”, para poder retratar com tanto pormenor a vida dos que se esforçavam para sobreviverem, longe dos familiares. E mesmo quando assentavam arraiais na “terra dos outros”, logo surgia a tortura da saudade bem como a incompreensão a dificultarem tudo, como aconteceu ao Nzaji. Que vida infeliz teve o Nzaji, que sofreu a exploração de todos os que se diziam protectores da sua vida e queriam ajudá-lo! Quanta traição! No entanto, como seria a vida se voltasse para a terra natal? Bem que se esforçou, o coitado, procurando aumentar o seu rendimento económico, mas a morte foi mais célere e nem mesmo o enfermeiro Casimiro pôde curá- lo como o fez na primeira vez que adoeceu quase mortalmente! Terá sido devido ao feitiço irremovível da senhora Branca Makinda, sua última patroa?
Pode dizer-se basicamente, usando expressão alheia, que Barros Neto foi um artista que se expressou com palavras. As cores da melhor pintura da realidade africana não teriam expressado melhor “este dar muito e receber pouquíssimo dos “mona a ngamba”.
Está de parabéns o escritor, porque o seu livro, embora pequeno, está repleto de extraordiária comunicabilidade, que me ajudou imenso; aprendi novas nuances da linguagem. Aprendi como ser conciso no pensamento e expressá-lo com as palavras certas; nem mais nem menos. Incrível!
O livro proveio, a meu ver, da lógica da alma rica, sensível e humilde de Barros Neto. Foi por isso que aceitei integrar a vida quotidiana difícil da “maternidade”; a vida peculiar dos que teceram as memórias do Dondo, de então. Tive a oportunidade de sofrer e chorar e também partilhar com eles os momentos da euforia dos pobres. Apreciei com eles os cantares e bebedeiras para leniti- vo dos males do corpo e da alma.
Mas o que me impressionou profundamente – e me repugna ainda agora – foi a inveja acirrada dos correligionários. A di iculdade das pessoas só trabalharem se o chicote do colono estiver à vista para os acoçar; que não aceitam que indivíduos da mesma linhagem as dirijam. Com estes, ingem que fazem alguma coisa; com aqueles dão o couro e o cabelo.
De nada valeu ao Nzaji ter sido nomeado capataz adjunto, posto que lhe aumentou ainda mais o trabalho e a incompreesão dos demais. Infelizmente é essa a formatação psicológica de quinhentos anos de colonialismo, que nos continua a acorrentar, subjugar e subdesenvolver.
Nos nossos dias, ainda há resquícios dessa mentalidade degradante da pessoa humana. A ideia de que o trabalho dignifica o homem e a sociedade – apanágio das sociedades que evoluíram – ainda não ganhou raízes em muitas pessoas, que fazem qualquer coisa sem a merecida excelência. Quem dera que essa mentalidade pudesse ser remodelada na totalidade, não importa em quantas dezenas de anos!
A excelência, de facto, é sempre o reflexo de bases intelectual e moral sólidas; de muitos anos de trabalho e dedicação; de boa orientação e conscientização; de boa formatação mental; de boas práticas, enfim. O escritor Barros Neto tem todo esse substracto e mais algum. É o que se pode chamar uma pessoa culta e, mais do que isso, humilde e simples. É, em meu enteder, um exemplo a seguir, uma verdadeira referência.
O livro “Nzaji, O Último Contratado” do escritor Domingos Fernandes de Barros Neto tem, sem exagero algum, o selo da excelência, no verdadeiro sentido da palavra e brotou “ex abundantia cordis” e pode ser apontado como o exemplo da arte de “bem calvalgar toda a sela” em termos da escrita. De initivamente não se escreve para ensaiar, mas para legar à sociedade um instrumento adequado de re lexão e desenvolvimento. Bem haja.